2016-09-15


MOIMENTA DA BEIRA E O MERCADO GLOBAL NA EXPODEMO 2016...
...ou a economia e a auto estima à volta da maçã.  


MOIMENTA DA BEIRA E O MERCADO GLOBAL

A aposta na internacionalização da Expodemo – Espanha é o país convidado para a edição deste fim de semana – é justificada pelo mercado global em que nos inserimos. Ideia de José Eduardo Ferreira, Presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira, expressa a este blogue “Palavras em Viagem”.
A Expodemo 2016 é a quinta edição e o certame tem vindo sempre a crescer. Dizem os organizadores que vai haver mais expositores, mais área coberta e mais espetáculos de rua, dezasseis ao todo. Mais produtores de maçã e de vinho e mais gastronomia regional. Igualmente mais cultura e a Espanha, para além de representada por várias empresas de renome traz música e dança flamenca ao vivo e arte circense de rua.
Nesta perspetiva de crescimento, foi já anunciado que o certame vai ser o maior de sempre. José Eduardo Ferreira, o que é que isto pode significar para o município? 
JEF - O crescimento da Expodemo significa a maior adesão a este certame que tem vindo a afirmar-se como um momento importante na vida empresarial e cultural de Moimenta da Beira e da região. Estamos ainda num processo de crescimento, o que torna as nossas expetativas também maiores. Os nossos agentes económicos aproveitam a Expodemo para provarem a si próprios e aos outros que é possível progredir todos os anos, investindo em contraciclo, apesar de todos os constrangimentos externos, daqui resultando, para todos, um importante reforço da nossa autoestima como povo que caminha com confiança no seu próprio futuro.
É, portanto, a consolidação/afirmação do município como centralidade desta região entre o Dão e o Douro Sul? 
JEF - Essa afirmação, que vem de longe, é um processo que nunca terá fim e que faz do esforço de cada um o elemento essencial da melhoria das condições de vida de todos.
O que pretendemos é que Moimenta da Beira contribua diariamente para a afirmação de todos, nesta região. É aliás assim que concebemos o contributo de Moimenta: um parceiro determinado em não desistir da sua própria afirmação em conjunto com todos.
Creio mesmo que estamos, aqui, todos muito convictos desta realidade. É pena que nem sempre outros decisores partilhem esta visão.
A Expodemo serve também para provar que é possível fazer bem nesta parcela do território, e que até se pode aqui fazer melhor, em muitas áreas de atuação, no nosso desenvolvimento coletivo.
A internacionalização - desta vez com Espanha - é um dado adquirido e para manter?
JEF - O mercado global em que nos inserimos justifica essa aposta. Os nossos melhores produtos e as nossas organizações justificam cada vez mais o caminho que estamos a percorrer, seguindo o seu próprio exemplo.
O mercado espanhol, pela sua dimensão e proximidade geográfica deve constituir uma aposta forte das nossas empresas, e por isso mesmo da Expodemo. Estamos certos que temos condições para obter vantagens mútuas, que não devemos continuar a desperdiçar.
Estamos bem cientes que o esforço de internacionalização que prosseguimos, tal como a aposta cultural que fazemos, são investimentos de longo prazo, que até por isso têm que ter na base decisões firmes e duradouras.
Segundo o programa divulgado, Vitorino é a estrela do primeiro dia do certame, 16 de setembro. O concerto é às 22 horas. O cantor de Abril, e a sua banda, não atuarão sozinhos, pois terão no palco a companhia do Grupo Coral “Os Camponeses de Pias”, intérprete-maior do Cante Alentejano, género musical distinguido há menos de dois anos como património imaterial da humanidade.
Moimenta da Beira lidera mais uma vez a promoção da cultura e das atividades económicas da região, tendo a maçã como cabeça de cartaz. Há uns anos escrevi que
Se a maçã fosse
A origem do pecado…
…a Humanidade seria
A mais pura ficção!

Não admira, portanto, que – para lá da duração do certame – esteja patente no átrio do edifício dos Paços do Concelho uma exposição de pintura de Arnaldo Macedo, artista plástico com forte presença no norte do país e na Galiza. A mostra tem o título genérico de “Interior inconstante da maçã”.
António Bondoso
Jornalista



2016-09-12

A PROPÓSITO DE MAIS UM CONVÍVIO DE SÃO-TOMENSES NO BUÇACO. 

NÃO HÁ SAUDADES QUE CAIBAM EM 40 ANOS…
…mas a catarse está praticamente concluída!



Tudo começou na Cruz Alta, na Mata do Buçaco, em 1976. A comunidade de ex-residentes e/ou de naturais de S. Tomé e Príncipe começou ali a reunir-se em Setembro de cada ano para manter o contacto, para matar saudades, para desabafar, para confraternizar. E creio até que, apesar da turbulência da época, sempre se conseguiu resistir à tentação de falar de e em política, fosse qual fosse a dimensão da palavra. E convenhamos que não era nada fácil.
Na sequência do processo de Descolonização havia já um rótulo – retornados – embora o sentido não pudesse aplicar-se a todos por igual. Retornados, regressados, repatriados, desalojados, espoliados – palavras que, isoladas, não conseguiam determinar exatamente as emoções e as reações de cada um, perante o desenrolar da história.

Os traumas estavam muito vivos ainda…e muitos teriam até receio ou mesmo vergonha em assumir a saudade da história das suas vidas e de conviver sem tabus. Mas, honra seja feita à comunidade “são-tomense”, esse sentimento de tentar perceber os caminhos novos ganhou corpo e foi-se consolidando, sempre com a ideia de que os convívios são a expressão de nos revermos nos cabelos mais brancos de cada um ou no abraço do parceiro que, algumas vezes e pela corrida do tempo, já nem recordamos o nome. Sem saudosismos, mas para matar saudades, quem não teve oportunidade de regressar ao paraíso, vai repetidamente enchendo o coração com memórias de outros tempos. Todos continuam escravos do milongo, escravos do feitiço das ilhas do meio do mundo – agora do chocolate - onde o cantar dos pássaros desperta os sentidos. No fundo, a História não acabou nem começou em 1975. Passou a ser diferente. Há hoje dois países independentes, embora irmanados num espírito mais vasto do mundo que se expressa em língua portuguesa. Isso mesmo foi este domingo salientado no local pelo Cônsul de STP para a região centro de Portugal – José Diogo – por ocasião da celebração do 40º aniversário do convívio, simbolizado num bolo com as bandeiras dos dois países. José Diogo, ele também um dos participantes habituais nos encontros, consumidor igualmente das memórias que alimentou nas ilhas. E a sua presença, hoje como em outras ocasiões, foi marcada pela sua capacidade de saber distinguir a sua vida privada das funções que desempenha em representação de STP.

 Por motivos diversos e por maioria – nestas questões é raro conseguir a unanimidade – este foi também o último encontro nos moldes que vinham sendo definidos, praticamente desde o início, quando o senhor Leal teve a ideia e a foi concretizando com a ajuda do Domingos, do Victor Cruz, do Eduardo Duarte, do Oliveira e do Américo.
Por isso eu digo que a catarse está praticamente concluída, embora as saudades de quem “viveu” as ilhas de S. Tomé e do Príncipe não caibam em 40 anos. Por isso nos vamos continuar a encontrar, provavelmente mais do que uma vez por ano, quer seja no Luso, no Buçaco, em Montachique, no Porto, em Lisboa ou na Figueira da Foz. Certamente por aí…num lugar onde nos sintamos bem.
Até sempre gente boa. Até sempre portugueses, até sempre são-tomenses!

António Bondoso

Um dos implicados.

2016-09-11

UM MESTRE…SIMPLESMENTE ZÉ!

Olá Zé.
É um dia como qualquer outro para viajar. Sei que não se trata de uma viagem vulgar – é a tua última neste nosso tempo comum – mas o dia é de luz, como tu gostavas. E vai atapetando as estrelas até que nos encontremos de novo. 


A última vez que falei em ti, em público, foi durante a apresentação do livro ANGOLA NOUTROS TEMPOS – POR TERRAS DO GOLUNGO E DE AMBAQUISTAS, terras que tu conheceste na tua infância e adolescência, bem como os teus irmãos Irene e António, por motivos de ligações familiares. O livro é da autoria de Jerónimo Pamplona, que em Luanda conheceu e casou com uma jovem de Golungo Alto.
A última vez que estivemos juntos foi aí no teu espaço da Fábrica Social, no Porto, quando um grupo de jovens alunos do Instituto Multimédia se propôs tornar-te personagem de capa de um trabalho sobre a eventual união das cidades do Porto e de Gaia, que tu sempre defendeste.
Mas quando recebi a notícia da tua partida, foi fácil rebobinar o filme de um conjunto de situações que nos foram aproximando ao longo dos anos. Primeiro foi a Árvore, uma instituição cultural de referência da cidade do Porto e do país; depois foi a arte em Vila Nova de Cerveira, que começou com o artesanato e se transformou na grande Bienal que perdura; ainda em Cerveira o teu esforço na recuperação do Convento de San Payo praticamente em ruínas e hoje uma obra de referência no panorama cultural do país; ainda na minha memória, a tua passagem por Macau e a Pérola belíssima que lá deixaste; e agora este espaço fabuloso de ateliers diversos e de teatro – foste, de facto, um dos grandes pensadores e executores de fabulosos cenários teatrais – em que transformaste a Fábrica Social e onde passaste os últimos tempos. E pelo meio de todo este filme não pude esquecer as nossas conversas semanais nos estúdios do Porto da Antena 1, também com o Júlio Montenegro e nas quais fazias parceria com outros comentadores “residentes” como António Vilar e Jorge Bento. 





Para além de tudo isto, uma das situações que mais me marcou, pela tua simplicidade generosa, foi decidires elaborar duas pinturas deliciosamente fabulosas para o meu livro TONS DISPERSOS, publicado pela VEGA em 2003. Uma atitude que revela o teu jovial estado de espírito, a tua disponibilidade para ajudar, sempre a troco de nada. Amizade e solidariedade. Ser-te-ei eternamente grato, sabendo que nunca te poderei pagar o gesto. És, na memória de muita gente, um homem bom. Confesso mesmo nunca ter ouvido uma referência pouco abonatória a teu respeito. E não tem a ver seja o que for com a habitual ideia que se transmite de passamento em passamento…ai, ele era tão bom homem. Não. Tu foste um grande homem!
Como estudante, foste um dos QUATRO VINTES da Arquitetura do Porto. E depois a tua participação na luta para construir a ÁRVORE, enfrentando perigos diversos. Marido, Pai e Avô – outros estádios a merecer um destaque particular.
Não vou poder estar hoje contigo, pois havia já assumido compromissos que me levam para longe do Porto. Mas terei sempre a tua companhia aqui em casa. E continuarei a acompanhar as tuas obras. Até um dia destes Zé. Até já Mestre Zé Rodrigues. Não te era caro este tratamento, mas todos sabemos que era merecido. Sempre grato pela tua Amizade, desejo apenas boa viagem!



António Bondoso
Jornalista
Setembro de 2016.



2016-09-03


40 ANOS...APENAS UMA VÍRGULA NAS MEMÓRIAS DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE QUE VAMOS CARREGANDO. O CONVÍVIO NA MATA DO BUÇACO.



É assim que começa a página 73 do meu livro ESCRAVOS DO PARAÍSO, publicado em 2005 para assinalar o 30º aniversário da independência de S. Tomé e Príncipe. Até àquela data – excetuando talvez a excelente tese de doutoramento do investigador Gerhard Seibert, publicada em 2001 – penso não ter havido um escrito com uma abordagem tão profunda e tão diversificada sobre o pensamento, quer de portugueses que sempre se consideraram são-tomenses, quer de são-tomenses que até à data da independência não deixaram de ser portugueses. Um pensamento sobretudo virado para as memórias de séculos, boas e más, para além de uma análise e/ou de um balanço – em certos casos até com desassombro – do trajeto político do novo país africano de língua oficial portuguesa.  
Fazendo jus ao título da página com que iniciava o 3º capítulo do livro, escrevia eu que “Apesar do percurso turbulento, não conheço outra comunidade com «raízes» africanas que se reúna tantas vezes ao ano em Portugal”. E salientava o almoço-volante das terças-feiras num restaurante da baixa de Lisboa; o calulu anual de Junho em Alfaião, com Bragança à vista; os habituais convívios, de forma rotativa, daqueles que trabalharam na Rádio – fosse no antigo Rádio Clube de STP, fosse no posterior Emissor Regional da ex-EN, a partir de 1969; no infalível almoço lisboeta em Dezembro para assinalar o dia do Santo; e particularmente no consagrado convívio da Mata do Buçaco, sempre no segundo domingo de cada Setembro desde 1976. Completam-se agora 40 anos!
Por desconhecimento, seguramente, não me referi então aos mais recentes encontros da malta menos idosa em Montachique e ao dos atletas e dirigentes do Andorinha Sport Clube em Pedralva. E mais recentemente ainda, tentou dar-se corpo a um outro promovido também pelos que passaram pelo Liceu D. João II. Friamente, poderá dizer-se que é um exagero. Sobretudo tendo em conta o facto das presenças mais ou menos recorrentes e, de certa forma, os mais recentes anos de crise que a todos tem afetado.
Mas para além disso, acrescem razões que foram motivando comportamentos diferenciados e que levaram ao declínio de alguns dos encontros/convívios em favor de outros. À dispersão dos interessados – embora o país não seja assim tão grande – e ao cansaço da repetição, ter-se-á juntado igualmente, porventura, a emigração.
Bom. O que realmente importa agora é lembrar o convívio da mata do Buçaco, iniciado em 1976, algum tempo depois do regresso ou do retorno originado pelo inevitável processo de descolonização. Provavelmente, a maioria dos “são-tomenses” já estaria instalada, passada uma natural fase de confusão provocada pelas mudanças. Significativas para muitos. Era ainda um tempo em que alguns tinham “receio” de assumir a saudade da história e das suas vidas e de conviver sem tabus…mas era igualmente um tempo de afirmação de outros, graças ao esforço de mobilização de uns quantos. Como sempre, aliás.
A ideia partiu do senhor Leal, que trabalhou nos Serviços de Fazenda, que terá escolhido a Cruz Alta, no Buçaco, sem dúvida pelo significado do local, mas também provavelmente por ser relativamente perto de Viseu, cidade para onde foi residir após o regresso de S. Tomé. Ao Leal juntaram-se depois o Domingos, do Baía, o Victor Cruz, o Eduardo Duarte, o Oliveira que trabalhou no Auspício & Menezes e mais tarde o Américo Gradíssimo. Cada família levava a sua merenda…mas todos partilhavam tudo. Havia calulus para todos os gostos. Num dos primeiros encontros, recorda o Domingos, apareceram lá elementos dos Serviços Florestais e perguntaram quem era o responsável. De imediato lhe responderam: cada um é responsável pelo que faz. Contudo, entendeu-se depois ser mais correto comunicar a realização do evento aos ditos serviços – até pela simples razão de que era necessária autorização para a abertura dos sanitários e balneários. Durante muitos anos essa tarefa foi desempenhada pelo Victor Cruz. 


E como eu digo no livro ESCRAVOS DO PARAÍSO já referido, não se discutia política: “…os convívios são a expressão de nos revermos nos cabelos mais brancos de cada um ou no abraço do parceiro que, algumas vezes e pela corrida do tempo, já nem recordamos o nome. Sem saudosismos, mas para matar saudades, quem não teve oportunidade de regressar ao paraíso, vai repetidamente enchendo o coração com memórias de outro tempo. Todos continuam escravos do milongo, escravos do feitiço das ilhas do obó, onde o cantar dos pássaros desperta os sentidos. No fundo, a História não acabou nem começou em 1975, apenas mudou de rumo acrescentando outras cambiantes”.
E tal como então, também agora – 40 anos depois – o encontro vai ser marcado por esse espírito. Oficialmente, será o último a ser “organizado” ali. Independentemente de poder haver sempre quem, não esquecendo as raízes, ali continuará a aportar, levando a merenda de uma vida. E por ser o último – é só perceber as razões – este vai ter uma celebração particular. O lanche terá um bolo alusivo, com velas e tudo. Nada se apagará. Mas o objetivo é agregar este encontro do Buçaco ao convívio do Andorinha, no Luso, futuramente talvez no derradeiro domingo de Junho de cada ano.
Assim seja. 


António Bondoso
Setembro de 2016.