2016-11-24


POESIA, POETAS E PODERES, em Portimão - a convite do Instituto de Cultura de Portimão/Universidade Sénior. 
Foi há dias ...e hoje deixo aqui o texto do que escrevi e disse. Grato pela qualidade e quantidade da assistência. Uma conversa/convívio de simplicidade sénior.  



POESIA – POETAS – PODERES
A relação desigual…ou uma estranha forma de analisar a Sociedade

         Foi este o título que preferi para a minha intervenção mas confesso que poderia ter escolhido por exemplo estes outros  – DE MEMÓRIA EM MEMÓRIA, ATÉ AO TEMPO EM QUE VIVEMOS… ou ATÉ AO ESTADO A QUE CHEGÁMOS – como disse há mais de 42 anos o Capitão Salgueiro Maia. E que se tem repetido, infelizmente, ao longo dos tempos:
- descontando os conflitos que envolveram o nascimento da nação e do Estado…temos logo a guerra civil de 1211-1216, seguida da revolução de 1245-1247. E nova guerra civil entre 1320-1324, culminando com o drama de Inês de Castro. Nova revolução entre 1383-1385. Depois aparece o empreendimento das descobertas que motivou disputas com os vizinhos e despertou invejas de aliados e de inimigos. E foi D. Sebastião em Alcácer que, não percebendo Camões ou ao serviço de outros interesses, levou à crise de 1578-1580. E aconteceu o domínio Filipino até 1640 com reflexos irreparáveis nos territórios de além-mar. A Guerra da Restauração e a difícil consolidação do novo poder. É verdade que veio ouro do Brasil mas também não deixa de ser verdade que nem todo foi bem aplicado. E a tragédia do terramoto, a expulsão dos Jesuítas e a Guerra dos Sete Anos. Mais intrigas, a Campanha do Rossilhão e o Bloqueio Continental até às Invasões Francesas. Verdadeiro golpe d’asa estratégico foi a saída da Corte para o Brasil…mas, a prazo, impôs-se a grandeza do território.
***** juro que não pretendo elaborar uma qualquer sinopse histórica…***** Mas continuando…
…Veio a Revolução Liberal de 1820, seguida de revoltas e contra revoltas, da perda do Brasil e de mais uma guerra civil. Depois da sangria das descobertas veio a sangria da emigração na segunda metade do século 19. Acresce a luta pela manutenção das colónias em África, salientando-se episódios como o Congresso de Berlim, o mapa cor-de-rosa e o Ultimato inglês. Estávamos às portas da República mas foi preciso a tragédia do Regicídio para lá chegar mais depressa. Para desgraça da Iª República vieram a Guerra de 14-18 e o Golpe militar de 28 de Maio de 1926 que conduziu à ditadura do Estado Novo. Realce ainda para o apoio encapotado aos franquistas na guerra civil espanhola…e depois a chamada neutralidade colaborante na IIª G.M. E finalmente aconteceram a Índia e a Guerra Colonial – em tempo de Guerra Fria – antes do golpe de 25 de Abril de 1974 e a subsequente revolução democrática. Perdidas as colónias virámo-nos bem para a CEE…mas depois sucedeu a ilusão da UE – sobretudo do Euro – e não nos demos conta das perdas de soberania. E vieram as crises financeiras e os resgates dos donos do dinheiro. E é por aqui que temos caminhado, não nos dando conta de que o desafio mais aliciante deste século está na consolidação da Lusofonia. Apesar de tudo o que sabemos e apesar de tudo o que se diz. Vão já muito longe os tempos do “espírito de Bissau” – uma abertura de mentalidades e uma boa dose de realismo do então presidente Ramalho Eanes.   
         Voltando ao rumo da conversa…lembro que na Monarquia, entre 35 Reis e Regentes, contam-se pelos dedos das mãos aqueles que dedicaram tempo e pensamento à Cultura – como foram os casos dos últimos, Carlos e Manuel…e antes deles Dinis, Duarte, João V, Maria II e Fernando II.
         Já na Iª República, 8 presidentes foram 8 homens de cultura – seguramente mais de cultura do que políticos. Os tempos não eram fáceis…e daí ao 28 de Maio de 1926 foi um sobressalto permanente.
         Desses oito…dois eram algarvios – José Mendes Cabeçadas e Manuel Teixeira Gomes – sendo este último natural de Portimão. Chegou a presidente depois de passar por Coimbra e pelo Porto, acabando por se auto exilar na Argélia. Manuel Teixeira Gomes – homem mais de cultura do que político…Foi ele que disse:
A política longe de me oferecer encantos ou compensações converteu-se para mim, talvez por exagerada sensibilidade minha, num sacrifício inglório. Dia a dia, vejo desfolhar, de uma imaginária jarra de cristal, as minhas ilusões políticas. Sinto uma necessidade, porventura fisiológica, de voltar às minhas preferências, às minhas cadeiras e aos meus livros.
Contudo, dizia Pio XII, a Política é das formas mais nobres de exercer a caridade. E D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal – a propósito do meu livro O PODER E O POEMA – acrescentou a ideia de que o Poder Político é o mais nobre dos poderes, apesar de infelizmente, poder “dar em portas abertas para corrupção, injustiças de toda a ordem, boyismo, vaidades pessoais e familiares. Porém é uma função nobre – insiste! É uma das funções mais nobres. Exerce-se com autoridade confiada (em eleições) em vistas a realizar um serviço inteiro, competente, feliz, a toda a Comunidade. «Eu sou tu». Político versus Sociedade”.
         Igualmente neste sentido se pode considerar a ideia do grande filósofo político Norberto Bobbio: - o homem tem a capacidade de determinar o comportamento do homem, sendo não só o sujeito mas também o objeto do Poder Social.
Um poder entendido, claro está, na sua dimensão mais vasta, do simbólico ao económico e financeiro, ficando de fora – por motivos óbvios – o militar e o ciberespaço. 
O homem, esse homem – enquanto ser individual e em liberdade – recordando Miguel Torga como resistente à ditadura e à censura, tem nas suas mãos o terrível poder de recusar!
         Voltando a alinhar o desencanto de Manuel Teixeira Gomes – homem de cultura – com as suas ilusões políticas, sigo lembrando que já na IIª República, foram os militares e os economistas a dar cartas, continuando a fazê-lo no início da IIIª República, até aparecerem Mário Soares e Jorge Sampaio…e agora, neste tempo novo, Marcelo Rebelo de Sousa.   
         Tudo isto para vos dizer que as perspetivas são diversas, as opiniões mais do que muitas, as análises divergentes – todas eventualmente com alguma ponta de bom senso…OU NÃO!
         Por outro lado, sabe-se que a MEMÓRIA é fundamental para qualquer das situações. E alguns disseram – e bem! – que um povo sem memória é um povo sem história. Nós portugueses, felizmente, temos uma história – uma longa, interessante, decisiva história, como vimos! De atos e de palavras.
         Por isso digo e repito que a palavra é que me move, as ideias nascem nelas e os poetas são cultivadores da palavra por excelência. E do sonho! O lado positivo da utopia é a manutenção do sonho, conferindo sentido à etimologia das palavras poema, poeta ou poesia = fazer, ato de criar. Volto a D. Manuel Martins para lembrar que “na base dos feitos que levam ao Poder, normalmente está o Poema, isto é, o desejo de ser capaz de, com sacrifício de todo o género e feitio, conseguir cantar o Poema. Deus é o Poeta: criou tudo do nada. Criados à sua imagem somos poetas, sem que disso tomemos consciência. O Poeta vê o mundo de maneira diferente: O Poeta ouve uma flor que fala, um rio que canta, um oceano que espanta, uma montanha que esmaga. O poeta ouve o silêncio, canta como ninguém a beleza da natureza e da vida, chora a tristeza de tantos humanos. O poeta escuta o murmúrio das correntes, as mensagens das flores, o chilreio dos passarinhos. O poeta descobre luz onde os outros veem treva, espalha esperança quando tantos desesperam, abre infinito enquanto tantos se fecham. O poeta é um homem livre que anda por onde quer. Até por isso, se exprime sem regras, as regras que impedem a simplicidade e, quantas vezes, a verdade do pensamento. É corrente dizer-se que o poeta está fora do mundo. Não é verdade. Acontece, sim, que ele mergulha na alma do mundo. Podemos avançar e dizer que o poeta tem entrada certa nos segredos de Deus, o grande Poeta do universo. Então, conclui o Bispo Emérito de Setúbal, uma das grandes condições para entender a vida é ser poeta”.
         É neste “entender a vida/mergulhar na alma do mundo” que eu tenho procurado centrar a minha intervenção, independentemente dos poderes que possamos enunciar.
         E aceitando – apesar de tudo – a ideia de que já ninguém ouve os poetas (como diz o meu amigo e Prof. Jubilado Jorge Olímpio Bento) …é, no entanto, quase impossível descartar os sonhos. É por aí que vou…foi por aí que fomos grandes…é por aí que o país deve alimentar a esperança! Apesar de ser uma relação difícil esta, entre quem escreve e quem representa os poderes, como vimos no pensamento de Manuel Teixeira Gomes.
A relação entre quem tem a liberdade de pensar e de dizer e quem tem o poder da censura. O tempo atual, há uns bons anos a esta parte e embora possa não parecer – é até paradigmático. Por motivos diversos…e os mais importantes até nem serão demasiado óbvios.
         Luís Veiga Leitão, um dos grandes poetas do século XX português – beirão de gema que amava o Douro e o mundo – e que memorizava os poemas nas masmorras da PIDE ou nas celas do Aljube e de Caxias, porque não lhe davam papel e lápis…escreveu em 1984:- “Dizem que os poetas são o sal da terra. Hoje, como nunca, necessários são para que o mundo não apodreça mais ainda”.
         Nessa perspetiva…vir e estar no Algarve sem falar em e de ANTÓNIO ALEIXO, é provavelmente como ir a uma casa de fados e não sentir a melodia.
Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P’ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.
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Descreio dos que me apontem
Uma sociedade sã:
Isto é hoje o que foi ontem
E o que há-de ser amanhã.
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Se o hábito faz o monge
E o mundo quer-se iludido,
Que dirá quem vê de longe
Um gatuno bem vestido?
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Eu já não sei o que faça
P’ra juntar algum dinheiro;
Se se vendesse a desgraça
Já hoje eu era banqueiro.
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Tu, que tanto prometeste
Enquanto nada podias,
Hoje que podes – esqueceste
Tudo quanto prometias…
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Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.
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Elucidativas estas palavras de António Aleixo. E atuais, claro: - isto é hoje o que foi ontem/ e o que há de ser amanhã.
E as promessas…e os discursos, daqueles que detêm os poderes – bem percetíveis nas duas últimas quadras. A herança vem de longe. E pelos vistos, os que mais sofrem e mais humilhados têm sido…continuam a não ser capazes de reagir.
E poderíamos ir mais além nas quadras a selecionar.
Mas é preciso notar que não há apenas quadras na produção literária de António Aleixo. Há também interessantes incursões pelo teatro – como por exemplo no Auto do Curandeiro, no qual podemos apreciar uma cerrada crítica social, particularmente quando se dirige ao irmão mais novo: a culpa é minha e é tua, porque nós somos o povo:
(…)E o povo, a crer na mentira,
Dorme num sono profundo,
Sofre um pesadelo eterno,
Que faz com que ele prefira
O inferno deste mundo
Por medo desse outro inferno.

Fingem-se ao bem dedicados,
Muitos como os curandeiros,
P’ra não os vermos estranhos;
Porque os lobos disfarçados
Com as peles de cordeiros
Melhor destroem os rebanhos.

Quando a verdade os aterra,
Querem a moral pregar,
Prometendo no céu dar
O que nos roubam na terra.

O mundo está na infância,
E adulto só pode ser
Quando desaparecer,
Do povo, a ignorância.
Viajámos, assim, pela alma deste grande António Aleixo…que, por esta época (embora não pareça e talvez não se tenha feito assim tanto por isso), já ultrapassou a barreira algarvia. Quem o tem lido, quem o tem percebido = rapidamente abarcou e se deixou envolver pela universalidade da sua palavra e das suas ideias. Como há uns anos JOÃO VENTURA, da Fundação que leva o nome do poeta: 
António Aleixo é, sem dúvida, um poeta que extravasa em muito a restrição que o cataloga como poeta popular. É talvez um dos grandes poetas deste século pela jactância, pela sua capacidade de improviso e pela sua visão do mundo que, nesta curva do milénio, continua a ser o mesmo. Neste sentido, está ao mesmo nível de dois outros grandes poetas que com uma cultura mais erudita, também se distinguem nesse aspecto: o Fernando Pessoa e o Vitorino Nemésio.
Hoje, o nome de António Aleixo está consagrado na toponímia de diversos lugares do país – de Coimbra a Paço de Arcos, de Setúbal a Albufeira, passando pelo Liceu Católico de São Paulo, no Brasil – tal como o Liceu de Portimão ganhou a designação de Escola Secundária Poeta António Aleixo.
Igualmente algarvio, natural de Portimão, é o poeta NUNO JÚDICE. Distinto académico, poeta erudito, consagrado e reconhecido, Nuno Júdice diz que escrever um poema é um trabalho que faz parte da sua vida. Mas não atribui grande sentido político à literatura – apesar de reconhecer que ela tem sido diminuída e atacada. Júdice afirma que “a grande literatura é uma resistência, não no sentido político mas no sentido de lutar para manter os grandes valores estéticos que vêm do passado”.
Nesta linha de pensamento – e para quem leu o ensaio sobre a definição de poesia de Nuno Júdice (AS MÁSCARAS DO POEMA, de 1998) – diria que ao poeta talvez não fosse fácil enquadrar ou classificar António Aleixo. Clássico, barroco, romântico? Popular?
Se nos lembrarmos da ideia de João Ventura – que ousa colocar António Aleixo ao nível de Pessoa e de Nemésio, pela sua jactância, capacidade de improviso e visão do mundo…o que poderia dizer Nuno Júdice?
É certo que ele não apresenta uma orientação fechada da criação poética, dizendo mesmo que o poema se define a partir de algo que tem uma realidade não exclusivamente linguística. E que o sentido do poema decorre de algo que não se encontra exclusivamente na esfera da linguagem – incluindo um universo de sensações, emoções, ideias e imagens, o qual implica toda a vivência humana.
É ainda nesta ligação à vida que Cristina Carvalho coloca a poesia. Acrescenta-lhe a arte: - a poesia pode dizer tudo o que quiser. É uma arte. E como toda a arte tem uma linguagem que permite tudo, sempre. Talvez na senda de seu pai, António Gedeão – e o mundo a avançar nos pulos dos sonhos como bola colorida…..
E assim…o que importa perguntar é se todas essas particularidades da vivência humana não poderão determinar, em certas circunstâncias, uma ligação – conflituosa ou não – do poeta e do poema às mais diversas formas de poder?
         Quando D. Manuel Martins refere que “o Poder, normalmente, aparece frio, insensível, mas, ao mesmo tempo insaciável // e que o Poema, pelo contrário, nos aparece quente, sonhador, aventureiro, solto”…igualmente se pode colocar a questão de saber se – perante essas variáveis de frio, insensível e insaciável, atribuídas ao poder – os poetas e a poesia devem privilegiar apenas a estética ou assumir um papel de comprometimento e de intervenção. Talvez entender a vida/mergulhar na alma do mundo. E cito de novo: “uma das grandes condições para entender a vida é ser poeta”.
E em situações de conflito social permanente – e o nosso espelho é universal – podemos ver como a poesia é avessa ou inimiga de qualquer poder, simbólico ou não, no dizer de Luís Veiga Leitão;
…Que a honra da poesia foi ter saído à rua e que ela é uma insurreição, como afirma Pablo Neruda. Não se ofende o poeta porque o chamam subversivo;
…Os verdadeiros versos não são para embalar mas para abalar – comenta Mário Quintana, o brasileiro que um dia disse: “Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo...
…ou então, ouvir José Carlos Ary dos Santos dizer a força que tem um verso. Para ele, a poesia é, ou devia ser, um pouco como uma flor que nasce, uma árvore que irrompe, uma pedra que se levanta. Poeta castrado…não!
         Como Fernando Pessoa, que nunca deixou de glosar O Estado Novo e Salazar. E Joaquim Namorado, militantemente do contra, dizia que os poemas não se servem frios. Ou Jorge de Sena…que já em 1956 dizia que não havia de morrer sem saber qual a cor da liberdade! E soube, embora longe.
…há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não! – corrobora Manuel Alegre; E Reinaldo Ferreira dava até uma receita para fazer um herói.
…O poder teme a poesia. Um poder que esteja de consciência tranquila, nunca poderá temer um poeta – salienta Pedro Barroso;
E Natália Correia: Poetizar as mais fundas aspirações humanas arrancando-as do peito dos homens distraídos é o que se deve entender por mensagem do poeta.
Curioso é notar que, no meio de tantos contras, e sobretudo com o cenário da guerra colonial, aparecem muito poucos poetas engajados com o regime do Estado Novo. Contudo – e como já veremos – os que existiram parecem desmentir de alguma forma a ideia de Eugénio de Andrade, que não vê qualquer relação entre a poesia e o poder. Talvez com o contrapoder! E assim…e sem esquecer Fernando Farinha e o seu Fado das Trincheiras; Marcha do Soldado Português, na voz de João Maria Tudela ou Na Hora da Despedida, na voz de Ada de Castro – houve um, Santos Braga, que produziu talvez o mais marcante desse período: Angola é Nossa! Era a joia do Império…e Santos Braga dizia –
Angola é nossa gritarei
É carne, é sangue da nossa grei
Sem hesitar, p'ra defender
É pelejar até vencer

Mas a grande força do poema estava no clamor do refrão, com a música de Duarte Pestana. Compassadamente em crescendo…repetia-se Angola…é nossa!...Angola…é nossa! 46 SEGUNDOS em crescendo…repetindo sempre.
         Aliás, neste período, o engajamento era nota principal no outro lado da guerra, com a grande poesia de Agostinho Neto, António Jacinto, Viriato da Cruz, Alda do Espírito Santo ou Marcelo da Veiga.
         Tal como na América da Guerra Fria, da guerra do Vietnam, da luta pelos direitos cívicos da população negra – tudo temas poetizados e cantados por Bob Dylan, um longo caminho até ao reconhecimento do Nobel da Literatura que ele viria a desvalorizar, depois da estéril e corporativista polémica no seio dos literatos e eruditos, que nunca devem ter percebido o alcance das lutas de Bob Dylan. Há ou não…um poder dos poetas?
         E onde estão eles…sobre a Síria? Sobre o Iraque, todo o médio oriente? E o que dizem hoje os poetas africanos sobre o Mali, as Guinés, a Nigéria, Congo ou Angola? Quem os ouve?
…e no meio de tudo isto, claro, a poesia e a loucura, que nos é apresentada por José Eduardo Agualusa: Se é para ser poeta, não há que temer a loucura. Se é para ser louco, que seja com poesia. Sim, eu acredito que se não for a poesia a salvar o mundo, o mundo está perdido.
…É assim, também, que a alma do poeta tem uma porta de entrada escancarada e não deve ter uma porta de saída vigiada. – Isto digo eu, modestamente como calculam, neste livro/ensaio O PODER E O POEMA, que fiz publicar em 2012, e sobre o qual levei o Prof. Doutor JOEL MATA a retirar uma última ideia: “o poeta também é um construtor de pátrias, apelando ao inconformismo, da mesma forma que Almada Negreiros o fizera, com o Ultimatum Futurista às Gerações do Século XX: «O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades»”.


Tudo começa no princípio. O nascimento e a morte. O Poema vem no fim – como diz Luís Veiga Leitão: 
Por ti
Mão de céu
E mão de mar,
Por ti…mão de ser
E mão de amar!
Por ti
Mão de rio
E mão de faina,
Por ti
Que és mão de dar…e receber
Por ti
Mão de mim que nada espera
Por ti
Mão perdida e mão achada
Por ti
Que és mão amiga
E não fechada.

Por ti
Mão segura…e mão de abrigo
Por ti
Mão que acena ao ver partir
E ao ver chegar,
Por ti
Mão ilustre que eu aperto
Sensível, serena, solidária.
Por ti…
Mão.
ASSIM SE CHAMA O POEMA…


António Bondoso
Jornalista
Nov 2016

2016-11-21



ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.




Foi no Sábado ao final da tarde. No Espaço Quadras Soltas, na Miguel Bombarda, no Porto. 
Conversa sobre:
"ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE".

Obg pelo convite da PORTA XIII (Cerveira), que colaborou com Quadras Soltas e com Plataforma Cafuka neste Porto Africano de 2016.
Apesar da chuva...apareceram alguns amigos, entre os quais uma jovem estudante de STP; um artista plástico consagrado, natural do Príncipe e dois luso/são-tomenses. 


E foi com este belo cenário (África, de Manuel Xavier), em fundo, que eu respondi ao desafio de falar sobre um escritor de S. Tomé e Príncipe, tendo escolhido ALBERTINO BRAGANÇA. A prosa em destaque, embora não tivesse faltado a poesia em momentos oportunos, numa escolha dos elementos da Porta XIII - Alda do Espírito Santo e Francisco José Tenreiro. 



ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.

Conheci Albertino Bragança – ou melhor, via-o e ouvia falar dele – quando entrei para o Liceu em S. Tomé. Já ele era um dos mais velhos ao lado de Pôa, Vargas, João Santiago, Luís Moura…e, também por isso – por ser o mais velho – infundia respeito. Uma forte característica africana que, nestes tempos modernos de uma globalização tragicamente desumanizada, se tem vindo a perder. Talvez o último, mediaticamente falando, tenha sido Mandela – o Madiba. Mas como dizia, já nesse tempo (finais dos anos de 1950, princípio dos anos 60) o chamavam de “Doutor”. Albertino Bragança tinha queda para as ciências e também era um mestre na ciência de jogar à bola. Quer no Liceu, quer no Sporting (tal como mais tarde no União de Coimbra e até numa seleção militar portuguesa), jogava em souplesse, com habilidade e leveza, sem recorrer ao tradicional Xingá, jogava portanto de forma lenta, mas segura, tal como lento e seguro tem sido o seu tempo de escrita. Um artista, no lato sentido do termo. O período dos seus estudos em Portugal não coincidiu com o meu percurso de vida, circunstância que fez com que os nossos caminhos se voltassem a cruzar apenas uns bons anos mais tarde – já estava em curso o tempo da mudança social, económica e política no novo país africano de língua oficial portuguesa.

ALBERTINO BRAGANÇA

De Doutor em Coimbra (mais propriamente engenheiro) ao seu Riboque de sempre – moladô que foi – proponho então uma pequena viagem pelas palavras que Albertino Bragança trabalha e adoça, serena, poética e pausadamente, para descrever o seu país – de antes e de hoje – oferecendo histórias deliciosas. Lugares e acontecimentos, homens e mulheres de S. Tomé e Príncipe – sobretudo mulheres, como Rosa do Riboque e Aurélia (de vento), projetando um Clarão (de protesto e de esperança) Sobre a Baía. Albertino Bragança – de seu nome completo Albertino Homem dos Santos Sequeira Bragança – apesar do engajamento político e das longas pausas na escrita – ainda se debruça com muito jeito sobre a Música Popular Santomense, transformando em livro um excelente texto de uma palestra em Lisboa, na UCCLA, em 1999. 
         Chamando a atenção para o facto de não se considerar musicólogo ou mesmo um simples especialista nesse domínio das artes, o facto é que o seu ensaio – com o objetivo inicial de celebrar a figura ímpar do cantor e compositor AIDÉ (HYDER) ÍNDIA (Vaz da Conceição), o qual completaria nessa data 70 anos de vida e que foi visto como o homem da voz que é povo – o facto é que, dizia, o estudo de Albertino Bragança teve o condão de perpetuar no papel nomes de artistas e de grupos musicais de grande relevo em S. Tomé e Príncipe. Nomeadamente Quintero Aguiar, Sousa Barros (Barrinhos, como era conhecido), José Aragão, Leonel Aguiar, Álvaro Morais, Paulo Leite, Leovigildo Mascarenhas, João Seria, ou Álvaro Trigueiros, que deram corpo por exemplo aos CTT, Leonino (de onde saiu José Aragão para os Untués), Vitória, Leonenses, Sangazuza, Maracujá, África Negra, Amigos da Cultura.   
E poemas de sentido libertário, pelo menos crítico, como Gandu ou Fôça sá Pêtu.
Diz Albertino Bragança que, para os povos africanos, a importância da música ultrapassa o simples quadro do fenómeno cultural…para se confundir com a própria vida, tornando-se num símbolo de comunhão, de fraternidade entre os membros da comunidade. Tanto na solidão como no convívio, quer em liberdade quer sob a mais feroz opressão – acrescenta Bragança – o homem canta e é pela música que extravasa a alegria e a dor. E em S. Tomé e Príncipe, salienta, foi de primeira grandeza o papel social da música, assumindo-se como a grande tradutora dos complexos estados de alma e, através da sátira mais mordaz, como espaço crítico por excelência.
         Mas havia coisas que a razão do colonialismo desconhecia. GANDU, por exemplo, originariamente escrita e cantada pelo Leonino, viria a ser proibida, apesar de o poema ter aparecido sem carga satirizante. Ganhou-a posteriormente – sobretudo pela primeira estrofe, que dizia simplesmente: Dêçu fé omali / Patxi da pixi an / Gandu cu tê fama/ Só fé uê lizu/ Tomá cuá dê an …. DEUS FEZ O MAR/ e repartiu-o por todos os peixes/ O tubarão que tem fama / Após luta tenaz / Ficou com toda a parte.  

JOSÉ ALBERTO, da Porta XIII, dizendo O MAR, de Francisco José Tenreiro.

Retomando Albertino Bragança, Rosa do Riboque – o seu primeiro livro – o romance AURÉLIA DE VENTO e Um Clarão Sobre a Baía, são talvez as obras mais emblemáticas do autor. Não tanto pelos fatores de classificação literária – essa será a meu ver uma questão menos relevante – mas sobretudo pelo significado da mensagem, quer no espaço, quer no tempo. Literariamente, a escrita é apelativa, de uma erudita simplicidade: como no início do capítulo II de Rosa = A noite aproximava-se enfadonha e pesada. Uma modorra enervante impelia as pessoas para o tédio. Noctívagos incorrigíveis preparavam-se para desafiar a placidez da noite, buscando sensações fortes que pudessem contrariar a apatia que persistia em se apossar de tudo. Até porque noite de sábado [e hoje é sábado!] não era hora de ficar em casa, muito menos quando, na sede do Coimbra Nova, o famoso agrupamento se preparava para receber a visita do rival Eco da Madrugada.
         Ou no capítulo VI de Aurélia de Vento, quando escreve: As raparigas como que se deixavam contagiar pelo entusiasmo do anfitrião. O tronco inclinado sobre a mesa, Lenita aproximou-se dele e beijou-o suavemente… o rosto arrebatado pela volúpia daquele som apelativo como nenhum. Enquanto isso, Elsa estendia, apreensiva, o olhar pelo local da festa, como se estivesse à espera de que algo de inesperado pudesse vir a acontecer.
         Não sendo um homem de letras, por formação, Albertino Bragança esteve ligado à educação e à cultura desde os primeiros tempos da independência de S. Tomé e Príncipe. Não terá sido dos primeiros a regressar, mas voltou à terra no seu tempo próprio. E foi um dos fundadores da UNEAS – a União Nacional dos Escritores e Artistas Santomenses – e já em 1984 foi co-fundador da primeira editora do país, GRAVANA NOVA, com Frederico dos Anjos e Armindo Aguiar. Foi aí que iniciou a aventura de publicar Rosa do Riboque. Albertino Bragança, como um dos mais velhos, e mesmo não estando engajado nessa altura com a chamada política ativa de alto nível, nunca perdeu a noção do seu entendimento de cidadania, tendo a revelação de que era fundamental deixar às novas gerações elementos essenciais da história do país. E num mar de poetas, que já havia desde o século XIX, Bragança teve o discernimento de sistematizar a prosa – seja conto, seja romance ou ensaio – emprestando-lhe visibilidade.

 ANTÓNIO OLIVEIRA, da Porta XIII, a dizer PARA A TÂNIA, de Alda do Espírito Santo. 

Albertino Bragança – não só, mas sobretudo – promoveu, ajudou seguramente a promover o salto da literatura do novel país. Naturalmente, muito para além da chamada literatura oral e tradicional [Inocência Mata chama-lhe ORALITURA] que, em todo o caso, desempenhou – e em muitos casos ainda desempenha – um papel importantíssimo na recolha do saber e da filosofia dos forros são-tomenses. Compõem esse tipo de literatura (pode ler-se em Carlos Espírito Santo ou em Lúcio Amado) sobretudo manifestações culturais como o VÉSSU, ou provérbio; o AGUÊDÊ, ou adivinha; ou o CONTÁGI e a SÓIA, os tradicionais contos e histórias.
De outro modo, Albertino Bragança foi igualmente muito para além da prosa de ficção colonial e intervalar destacada por Inocência Mata, nomeadamente em autores como Fernando Reis, Luís Cajão e Sum Marky. Tal como não se pode esquecer Viana de Almeida – bisneto do 1º Barão de Água Izé – com os seus contos reunidos em MAIÁ PÒÇON (Maria da Cidade), em 1937, ou mesmo o jornalista Mário Domingues, que escreveu O MENINO ENTRE GIGANTES, em 1960. Mas, talvez à exceção de Sum Marky – perfeito conhecedor da realidade da então colónia, plenamente engajado com a sociedade local – a esses outros autores faltava-lhes a alma de ser, de perceber e de pertencer.
O autor de que falamos, ALBERTINO BRAGANÇA, quer pelo distanciamento conhecedor, quer pela maturidade, quer pela vivência, quer pela alma – embora já num quadro social e político totalmente diverso – foi mais forte do que outros (alguns bem jovens) que tentaram afirmar-se na ficção rompendo com o passado tradicional = casos de Frederico Gustavo dos Anjos, com BANDEIRA PARA UM CADÁVER, 1984; Rufino Espírito Santo, com A PALAVRA PERDIDA E OUTROS CONTOS, 1992; E Aíto Bonfim, com O SUICÍDIO CULTURAL, 1994 e com O GOLPE, 1996. De todos estes, Aíto Bonfim parece ser o caso mais consistente, até por uma arrojada incursão pela dramaturgia – sendo que Frederico dos Anjos adotou a importância da Poesia, e Rufino Espírito Santo, a quem reconheço um enorme potencial para escrever coisas muito belas, vai retardando a publicação dos seus textos.
Assim…tem sido Albertino Bragança a capitalizar as honras de um caminho esforçado e dedicado, na prosa…merecendo, sem favor, a designação de grande contador de histórias. Como são as relatadas em Rosa do Riboque (1985) ou em Preconceito e outros Contos (2014) – quase 30 anos a separá-las. Por isso, estas últimas vão muito para além do político. Mantém-se o retrato social das populações da cidade capital e arredores, mas o pensamento de Bragança tem impacto direto na necessidade premente de governantes e governados ultrapassarem a mentalidade de séculos.
O autor que aqui celebramos hoje, genuíno filho da terra, dedicado embaixador do Riboque (…Nen moçu libóquê na tê flogá fa…// Poderei traduzir esta expressão como a malta ou os rapazes do Riboque não estão para brincadeiras)… teve a coragem, embora já no chamado período da mudança, de criticar e denunciar todos os males do regime de partido único pós independência. Ditadura, arbítrio, perseguições, prisões…e mesmo a matança irracional de opositores de gabarito, como foi o caso de Lereno da Mata. UM CLARÃO SOBRE A BAÍA, escrito em 2005 para que tal não se repetisse, para que a mensagem pudesse iluminar os destinos das pessoas e do país. Abílio Bragança Neto, jornalista de uma produtora independente em Lisboa; sobrinho de Albertino Bragança e filho de Albertino Neto – outro dos sacrificados da impunidade do regime pós independência – escreveu que «Um clarão sobre a Baía» é simplesmente o mais importante romance contemporâneo santomense, porque quebra a regra do silêncio, a ormetá de latitude 0, sobre o mais tenebroso período da história política e social do país.»
E depois, há essa particularidade de Albertino Bragança escrever num português corretíssimo (como já vimos), utilizando simultaneamente e com muito a propósito, oportunas e graciosas expressões em língua forra de S. Tomé [sustentada hoje numa gramática simples compilada por Carlos Espírito Santo e até mesmo num dicionário santomense – português, da Editora Hedra de S. Paulo] …ou expressões em português com sotaque das ilhas, como esta:
“Credo, Beto! Você vê mesmo que isso é hora de chamar gente no mato escondido? Você teve sorte porque eu já estava pensar bastante coisa…”
E…finalmente, há ainda essa outra faceta de – sem rótulos, seja neorromantismo ou realismo – Albertino Bragança, humanista seguramente, escrever com ternura e com beleza, numa linguagem viva, de perfeita invenção poética. Ora projetando o som estridente do batuque do Danço Congo ou da puíta, ora fazendo ouvir o ritmo dolente e compassado de “pitu dôxi”.
Não será poesia… (há hoje nas redes sociais muito boa gente que plagia prosa transformando-a em poesia…) – (pg115 Aurélia) – não será isto poesia?
Para ele
Aqueles foram os dias mais penosos
Da sua vida.
A corrida desesperada
Os gemidos da sinistrada
Pela estrada esburacada.
A distância
Parecia aumentar a cada instante.
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A escrita ALBERTINIANA (ou Bragançana, se quisermos) está repleta de textos como estes (Aurora, pg 88):
          Fechada no seu quarto
O rumor da festa chegava-lhe
Como um pesadelo.
Pior do que isso
Incomodava-a até ao desespero
O riso mesmo por debaixo da janela.
Fechou-a com estrondo
Procurando desabafar com tal gesto
Toda a raiva

Que a dominava. 
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Ainda tempo para mais um poema, e ainda de Alda do Espírito Santo, a propósito do Riboque. MARIA DO AMPARO BONDOSO, dizendo DESCENDO O MEU BAIRRO. 

E disse o que penso, embora com muitas lacunas certamente, sobre ALBERTINO BRAGANÇA – ele próprio e a sua obra. 
DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.

A.B. nasceu em 1944 em S. Tomé. 
Foi Ministro das pastas da Educação, da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, deputado e vice-presidente da Assembleia Nacional.

Obras Publicadas: Rosa do Riboque e Outros Contos (1985 e 1997); 
Um Clarão sobre a Baía (2005) e no mesmo ano  A Música Popular Santomense ; AURÉLIA DE VENTO (2011); e Preconceito & Outros Contos (2014). 
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E depois falou-se muito, de prosa e de poesia, de saudades e de Cultura. E de como a Cultura continua sendo o parente pobre - também das obrigações do Estado. Haverá até o que me dizem ser uma atenção imprópria.  Mas a Cultura nunca morre. Vai refletindo apenas como nos relacionamos com o passado e como nos posicionamos no presente. Mas o panorama é pobre, continuam a dizer-me, e há até quem entenda que "essas coisas" devem ficar lá nos livros. Talvez, por isso, uma senhora de uma ONG, que vai algumas vezes a S. Tomé - apesar de não se identificar, nem a si nem à ONG - sacou da cartola a ideia de que devemos fazer alguma coisa para que não se degrade ainda mais, e não se perca, o património cultural de STP, quer seja o Museu, o Arquivo...e, no que respeita diretamente a Portugal, o Centro Cultural instalado na cidade capital. 


Foi um prazer enorme ter cá estado
Obrigado por terem vindo. 
António Bondoso
Jornalista
Porto, 19 Nov. de 2016

2016-11-14

EM MEMÓRIA DE MIGUEL VEIGA...

MIGUEL VEIGA…da Beira Alta ao Porto – onde nasceu há 80 anos! E não se nasce impunemente no Porto, dizia. 

MIGUEL VEIGA partiu hoje, avisadamente, pois que ainda há doenças que derrubam lentamente – até mesmo um portuense dos 4 costados com raízes beirãs. Escreveu Miguel Veiga: vim nascer ao Porto, rebento único de minha Mãe, francesa, parisiense de gema, e de meu Pai, beirão dos quatro costados, de Moimenta da Beira, das cercanias das terras do Demo.
         Advogado portuense de prestígio, Miguel Veiga foi um dos fundadores do PPD, mas a questão ideológica nunca determinou em exclusivo as suas amizades. Com Mário Soares, por exemplo, no combate pelas liberdades conquistadas em Abril de 74.
         Miguel Veiga, que escreveu com rara beleza sobre o Porto em UM ADVOGADO EM REDOR DAS LETRAS…(ASA, 2002), escreveu igualmente um dos textos mais brilhantes sobre Aquilino Ribeiro (me desculpem outros ilustres Aquilinianos) a propósito daquele que considerou como “um dos maiores livros de ficção que em Português se fizeram do mesmo passo que escrevia sobre o Minho como mais ninguém” – A Casa Grande de Romarigães.
         Das suas – e minhas – raízes beirãs (o pai Luiz Veiga era natural de Moimenta da Beira) falávamos de vez em quando, na RDP ou quando se dirigia ao Clube Portuense, ali na Rua Cândido dos Reis, ocasionalmente na Casa da Beira Alta. E vinham à conversa memórias sobre o Solar de Penso, as tias que depois foram para o Brasil ou as férias na infância com o primo Luís Veiga Leitão – poeta maior do século XX português – ou ainda do afastado parentesco que nos unia, pois a minha bisavó (Luísa Veiga) pertencia a um dos ramos da sua linhagem beirã.  


        Varão ilustre e beirão dos quatro costados – como ele generosamente me chamava – nunca é demais repetir a estima e a admiração que nutria por este causídico brilhante, portuense ímpar no combate pelas liberdades, dono de uma belíssima e elegante oratória. Grato pela estima, até sempre Miguel Veiga. 


António Bondoso
Jornalista



2016-11-13


PORTO AFRICANO...OU ÁFRICA NO PORTO. 


ONDE FICA A ÁFRICA?
(...) Há, como dizia um antigo diplomata brasileiro, muitas Áfricas. Qualquer enciclopédia nos aponta as diferenças. Não pretendendo cavalgar essa verdade absoluta e deixando ao critério de cada um a busca do tesouro, sempre chamo a atenção para o que escreve o jornalista Leonel Cosme no seu livro MUITAS SÃO AS ÁFRICAS (Novo Imbondeiro,2006): «não são apenas muitas as Áfricas-nações que procuram a sua unidade, em cada território e no continente, mediante um esforço de “reafricanização”, para retomar o fio da história cortado pelo colonialismo; são também as muitas áfricas-sociológicas que existem em cada uma delas, como boas ou más heranças, conforme o olhar de quem faz a leitura dos resultados. E porque muitas são essas “áfricas”, muitos foram e ainda são os olhares, uns que vêm do passado, outros, do tempo que ainda decorre».(...)


Por isso é que o "Espaço Quadras Soltas", com o apoio da "Plataforma Cafuka" e da "Porta XIII" tem vindo a promover iniciativas culturais há uns tempos a esta parte. A Arte - as Artes - na sua diversidade. Para ver no Porto até ao final do mês, com Uma forte presença de S. Tomé e Príncipe. Manuel Xavier, Eduardo Malé, José Chambel, Osvaldo Reis, Estanislau Neto, Valdemar Dória, Litos Silva, Ismael Sequeira, Alex-Keller Fonseca, Otília Santos, Moreira Monteiro, Paulo Renato Vieira, Hugo e Joaquim Pimenta, Manuela Silva, Margarida Marinho, e Rui Duarte - para além de obras de autores desconhecidos.  


ENTRETANTO...
A próxima sessão da Porta Treze terá lugar no Porto, dia 19 de Novembro, às 16h00, no Espaço QUADRASOLTAS, Rua Miguel Bombarda, n.º 529, com a apresentação do escritor Santomense Albertino Bragança. O tema é o seguinte: «Albertino Bragança – Do real ao imaginário, uma prosa poética santomense» a apresentação será feita por António Bondoso. Esta sessão enquadra-se no convite feito à Porta Treze pela organização Quadrasoltas e está integrada nas atividades organizadas por este grupo na programação «África mostra-se». Para além da apresentação do escritor, os sócios da Porta Treze estão convidados a lerem poemas dos poetas Santomenses Francisco José Tenreiro e Alda do Espírito Santo que já foram homenageados na Porta Treze.


António Bondoso
Jornalista
Nov. de 2016