2019-12-31

DEZEMBRO É O TEMPO!


Dezembro é o Alfa e o Ómega do tempo.
Deste nosso tempo em desafio:

De nascer em Cristo primeiro
Do final do calendário colorido
Celebrando uma contagem diacrónica
De enterro do ano velho
Do início de uma nova esperança
Que avança
E que vamos somando e cantando
Horas a fio em cada dia.

Também em semanas e meses esforçados
Faça calor ou esteja frio
Com tristeza ou alegria acomodados
Esperança em tempo tríbulo desenhada
E construída.

É nela que a roda do tempo gira sempre
Até Dezembro
No sentido dos ponteiros de um relógio
Imaginado mais brilhante.


=== António Bondoso
Dezembro de 2019. 

2019-12-30


CONCEITOS…
De treinador de futebol a «herói» nas TVs…ou a confusão de conceitos que se espalha por algumas «cabecinhas» que se dizem jornalistas ou apresentadores de telejornais. 


O «problema» não está em qualquer caso particular. Nem sequer coloco em causa a distinção a Jorge Jesus. O caso está na «cultura», sobretudo na falta dela, dos média e de quem os vai representando. O homem e a sua circunstância…cada vez mais nas «ondas» da amargura.
         Abrir um telejornal do canal público com a «tirada» de herói para «promover» a entrevista com o treinador, não me parece um bom caminho. Mas a isso já estou habituado.
         E a propósito de «heróis»…vale a pena recordar um expressivo texto de Vergílio Ferreira ao qual deu o título de “Um País de Canalhas”:
«Pensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?»
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'

Quanta atualidade no texto. Subscrevo por inteiro e um dia destes até poderei «rever e aumentar». 


António Bondoso
Dezembro de 2019. 


2019-12-29

A Rádio…amputada de mais um Amigo. 

Celso Santos

A Rádio…amputada de mais um Amigo.
Magicava eu sobre as últimas palavras de 2019 quando o telefone dá sinal. Atendo e fico a saber a triste notícia do falecimento de mais um camarada da Rádio. O Celso Santos, 74 anos de idade, aposentado da RDP. Tínhamos em comum a Rádio – onde ele começou a trabalhar bem mais cedo do que eu, em 1964. E a cidade do Porto, claro, e Vila Nova de Gaia, onde residia, e também a beleza de S. Tomé e Príncipe – país a que ele se deslocou algumas vezes em trabalho de cooperação técnica. O Celso – todo ele – receberá com a gentileza de sempre os amigos, na Igreja da Lapa, para mais um abraço. Sentidamente endossado a toda a Família enlutada. Até amanhã camarada! 

Celso e alguns camaradas da Rádio e dos almoços das quintas-feiras. Este, «fora de portas»

António Bondoso
29 Dez 2019. 

2019-12-26

  Se tudo fosse perfeito…ou de como – parafraseando Aquilino Ribeiro ao escrever sobre o que chamou Terras do Demo: - «a justiça é para a aldeia a mais voraz das sanguessugas. Concebida para proteger o órfão, deixa o órfão sem coiro e o viúvo sem camisa». 


E é tudo tão simples como o valor das cheias. Ou de como a TV aliena mais do que forma e informa. Vende-se a desgraça e o sofrimento como simples entretenimento. Como acontece com os incêndios, com os acidentes nas estradas ou com os fait-divers extra futebol. As televisões, concretamente os chamados «canais de notícias», são multiplicadores maléficos de um qualquer «ópio do povo».
         Se tudo fosse perfeito, o que alimentaria esses sorvedouros do que ainda resta da nossa sanidade mental?
         Se não tivesse havido cheias, não teriam praticamente «desaparecido» temas cruciais do que verdadeiramente importa a uma sociedade organizada. A corrupção e os tentáculos do sistema; a regionalização, que – por ironia eventualmente – veio colocar a nu as causas de uma pronta resposta aos problemas. E muitos continuam a teimar numa «descentralização» incapaz, inócua, saco sem fundo e sem fundos para colocar no saco. Ou até mesmo numa dita «desconcentração» que, ao fim e ao cabo, não passa de uma redundância semântica das tarefas que já competem – pela sua natureza básica – a um Estado dito organizado.
         E no meio de tudo isto vem a galopante sociedade consumista do Natal, do Fim d’Ano, das Janeiras e dos Reis, apenas minimizada pela coragem voluntária de quem ajuda os que verdadeiramente precisam. Só não conseguem chegar aos que ficam sem casa e sem rendimentos por dívidas ao fisco. Alguns…apenas de algumas dezenas. Aos que devem milhões pouco importa. É o rosto dos «mercados» e dos donos do dinheiro a determinar as regras.
         Fisco penhora 48 imóveis e 175 salários por dia! É um título do JN. Apesar da brutalidade dos números, acrescentam que a «tendência» tem vindo a diminuir e, como no caso particular das pensões, tem estabilizado: São 17,7 pensões retidas por dia, em média, contra as 18,9 penhoras destas prestações que se registaram no ano passado. Em 2018, foram penhoradas 6924 pensões. Os números de 2019, aos quais falta ainda o mês de dezembro, caminham assim para acompanhar a tendência observada no último ano”.
         Como tinha razão Aquilino Ribeiro ao escrever sobre o que chamou Terras do Demo: - «a justiça é para a aldeia a mais voraz das sanguessugas. Concebida para proteger o órfão, deixa o órfão sem coiro e o viúvo sem camisa».
         Que haja «JUSTIÇA» EM 2020. No sentido mais amplo do termo! Como dizem os fiéis no final da prédica do pároco da aldeia…assim seja!


António Bondoso
Dezembro de 2019


2019-12-19

MACAU – UMA PÉROLA DA (E NA) DIPLOMACIA PORTUGUESA…ou de como um pequeno território consegue manter e consolidar pontes entre o Império do Meio e a ponta ocidental da Europa. (PARTE 1). 


Durante mais de 400 anos e perspetivando-se ainda alguns mais no horizonte. Entre alguns dos momentos da «história recente» e que podem ser considerados fundamentais para perceber as diferenças e a «singularidade» de Macau, há para destacar a inteligência e a rara sensibilidade de um dos maiores diplomatas portugueses – José Calvet de Magalhães que foi nomeado cônsul em Cantão no Verão de 1946, numa altura já muito delicada, quer para o governo «nacionalista» do Kuomintang, quer para os diplomatas estrangeiros. Não recuando demasiado no tempo, assinala-se em 1887 o Protocolo de Lisboa, ainda na Dinastia Qing. Não foi mais do que um Tratado de Comércio e Amizade no qual se reconhecia a soberania portuguesa no território. 


1912 = Criação da República da China. SUN YAT SEN.
Tal como em Portugal… essa 1ª República foi marcada por conflitos permanentes, entre grupos de militares e entre comunistas e não comunistas que não reconheceram a vitória eleitoral do KMT (Kuomintag/Partido Nacionalista). Os «senhores da guerra» continuaram a governar em Pequim, com o apoio do Japão.
         1925 = O KMT estabelece um governo em Cantão, no sul.
         1927/1928 = Colapso da economia do norte.
Sun Yat Sem morre e, em 1928, CHANG KAI-SEK assume o poder, com apoio da União Soviética derrota os senhores da guerra (apoiados pelo Japão) e estabelece um Governo de Unidade Central em Nanjing. MAS as guerras «intestinas» prosseguiram e tudo ficou latente durante a Guerra com o Japão e a II Guerra Mundial, entre 1937-1945.
         1946 = Logo a seguir ao final da guerra há negociações para a renúncia dos direitos de extraterritorialidade*, mas o governo de Lisboa recusa. A China, contudo, consegue fazer assinar, em 1947, um Acordo sobre essa temática, intensificando-se de seguida nos jornais de Cantão e de Hong Kong a campanha para a restituição de Macau à China. No entanto, CHANG-KAI-CHEK trava quaisquer intenções governamentais nesse sentido.
·        (Os portugueses seriam sujeitos, no território da China, às leis e à jurisdição do Tribunal da República da China.)
É neste período que é nomeado para Cantão José Calvet de Magalhães quando, no dizer de Pedro Aires Oliveira, até Salazar já dava como perdida a questão de Macau: «Gozando de instruções bastante abertas, o novo cônsul rapidamente revelou notável desembaraço na condução de uma série de iniciativas visando esvaziar a pressão desses sectores mais militantes, desde a organização de uma visita de jornalistas cantoneses a Macau ao estabelecimento de um relacionamento pessoal com T. V. Soong, governador de Guangdong, cunhado e antigo ministro das Finanças de Chiang Kai-shek, junto do qual foi capaz de garantir um acordo para o fornecimento de arroz a Macau – proeza tão mais assinalável quanto a guerra civil em curso viera trazer enormes dificuldades ao abastecimento de Cantão e outras cidades».
         Esta visão de Calvet de Magalhães acabaria por se consolidar, mas a vitória comunista de Mao, em 1949, deitaria tudo por terra. E o diplomata português ficou retido um ano em Cantão, só deixando a China quando já decorria a «guerra da Coreia». Das peripécias e provocações então vividas, falaremos depois. Voltando à cronologia, salienta-se em 1949 a criação da RPC, sob a liderança de Mao Tsé Tung e do Partido Comunista Chinês. Portugal reconhece o Governo de Taiwan.
==== E mesmo sem «relações diplomáticas oficiais» é interessante verificar que a RPC não «rasgou» (apesar do 1,2,3 de 1966) o «compromisso» de permitir aos portugueses continuar a administrar o território.
         === E após o corte de relações entre a RPC e o Vaticano (1951), Macau, como HK, serviu de plataforma para o relacionamento não oficial entre a China e o Vaticano.
***** Terá sido nesse período de turbulência da «Revolução Cultural Chinesa» (tempos difíceis para a Administração Portuguesa de Macau), que se perdeu o precioso CADERNO (de capa preta) com poemas de Camilo Pessanha, que, segundo Fernando Pessoa, é um dos três poetas do Séc. XIX que merecem a designação de «Mestre».
         Em 1975, depois do Golpe militar dos «capitães» em Abril de 1974, Portugal reconhece o Governo de Pequim. Corta Relações Diplomáticas Com Taiwan – território que reconhece como parte integrante da RPC.



António Bondoso
Jornalista e Mestre em Relações Internaconais
19 de Dezembro de 2019.

2019-12-12

ONDAS DE CALOR…OU 70 ANOS DE RÁDIO NO EQUADOR!
12 DEZEMBRO 1949 – 12 DEZEMBRO 2019.


Aqui, Rádio Clube de São Tomé…
Escutam o Emissor Regional da Emissora Nacional em
 São Tomé e Príncipe…
Em Onda Média e FM escutam a Rádio Nacional
de São Tomé e Príncipe…
Tem sido assim, ao longo de 70 anos. Longa vida à Rádio nas Ilhas do Meio do Mundo.
«As ondas da Rádio projetam-se.
Ora se misturam com as ondas do mar
ora se confundem com as nuvens do céu.
E amam-se
Como só os corações da Rádio sabem amar.(…)
António Bondoso – 2018. 


De parte de um meu poema...à síntese perfeita da São Lima:
 “ De Rádio Clube a Rádio Nacional - Presença, memória e nova emergência nas casas, nas mentes e nos corações.”
Conceição Lima – 2019.


E deixo ainda, por agora, o resumo sentido do João Carlos:
"Nasci em 1959. Cresci a ouvir a Rádio Clube de São Tomé e Príncipe. Foi neste percurso que fui ganhando o fascínio pela rádio, aquela caixinha mágica que iludia os meninos ingênuos das ilhas. Veio a independência mas ficou em mim a memória da "Grândola Vila Morena", a canção que anunciara antes o fim do regime colonial, após o 25 de abril de 1974. Independente, ganhei responsabilidade e maturidade como um dos quadros jovens nas fileiras da Comunicação Social São-tomense. A Rádio Nacional ficou em mim e dela guardo experiências e memórias que até hoje guiam o meu percurso profissional como jornalista radicado em Portugal. "
João Carlos – 2019. 


E há também o «bichinho» da Rádio que não larga a Lourdes Costa: 
"A viagem das ondas hertzianas do Rádio Clube de S. Tomé que passou em 1975 para a Rádio Nacional de S. Tomé e Príncipe, nas ilhas do Meio Mundo, na linha do Equador, deixa o marco inesquecível dos anos em que, na memória jovem, me fiz profissional. Lembranças salutares, histórias marcantes vividas, amizades sólidas perduram ainda dentro de mim como o "bichinho" dessa estação emissora. São experiências, memórias, recordações nunca esquecidas." 



Intervalo para o seu almoço…e música para o seu jantar... na companhia da Rádio.

António Bondoso
Jornalista.
Dezembro de 2019 


2019-12-06

Escrever em blogues pode não significar obrigatoriamente ser «influencer», antes poderá querer dizer apenas ter o gosto de conversar com as palavras e de viajar com as ideias. Vem a propósito do meu PALAVRAS EM VIAGEM e de alguns números que marcam as publicações.


Não sou nem pretendo ser um «influencer», agora tão na moda! O meu blogue, como o próprio título indica, quero que tenha apenas a virtude de trazer e de levar «palavras em viagem», sempre à volta de livros – poesia e prosa, tanto faz – embora não possa passar ao lado de questões políticas e sociais. E depois, a viagem das palavras leva-me sobretudo ao meu «país do sul», S. Tomé e Príncipe – o paraíso do chocolate e das praias com sol e areia branca, de gente boa e simpática – e ao meu «Oriente da História», esse território de Macau onde reganhei o prazer de trabalhar na Rádio e onde vivi «felicidade».
         E não faço disto profissão, apesar de quase todos os dias me virem propor negócios e para além de saber que tenho apenas 20 (vinte) seguidores. Poucos, mas fiéis.
         Porque o meu cotidiano gira à volta de outros interesses e de outros afazeres, felizmente ainda sou «formador» no Instituto Multimédia no Porto, também faço voluntariado lecionando na Universidade Sénior Rotary de Matosinhos e ainda vou imaginando e escrevendo livros (nem todos foram publicados até esta data), o que me chama ao blogue tem que me tocar o coração e o caráter. Para os «faits divers» há outros espaços em plataformas diversas – as conhecidas redes sociais como o facebook ou o twitter.
         Por isso é que só publiquei até hoje 740 «crónicas» ou escritos, que mereceram mais de 51 mil visualizações. Para mim é um número mítico. E, com um pouco mais de vida, talvez venha a atingir as cem mil. Quem sabe! Mas gostaria hoje de agradecer aos que me têm acompanhado fielmente, sobretudo em Portugal mas igualmente nos EUA, em STP, no Reino Unido, na Irlanda e no Brasil.
         E quando não gostarem, não se inibam de deixar o respetivo comentário. Será publicado apesar de desfavorável e desde que não seja ofensivo.
         Muito grato a todos pela «paciência» de me lerem e pelo gosto de viajarem com as palavras. Até sempre!



António Bondoso
Jornalista
Dezembro de 2019.

2019-12-05

DOS VENTOS DE LOUCURA e do INCONFORMISMO, do CANTO NEGRO até à desilusão de CONTRATEMPO…a poesia são-tomense de Alda do Espírito Santo foi o destaque na «Hora da Poesia» da Rádio Vizela. Conceição Lima deu ainda voz às Ilhas…chamando Albertino Bragança.


Das ilhas do chocolate que foram de escravidão, penso a cada instante e escrevo permanente, escutando quando dizem poemas de amor e dor.
Mais uma vez sintonizei as palavras ditas nas vozes de quem me toca, na ordem de quem escreve e de quem seleciona. Tudo tão doce quando se atravessa o oceano azul para ouvir a esperança, a certeza de um tempo novo ou a desilusão de promessas incumpridas. Duas Ilhas e um País que foram de Alda do Espírito Santo, combatente da liberdade, Poetisa maior de S. Tomé e Príncipe que a «Hora da Poesia», nas ondas da Rádio Vizela, trouxe à primeira fila desta emissão semanal.
         E foi bom ouvir de novo a Conceição Lima a viajar pelas palavras e pelo sentimento da língua portuguesa além do mar. E foi bom escutar a força com que a Alzira Santos e a Lourdes dos Anjos disseram e valorizaram os poemas. E como foi retemperador escutar a emoção de Albertino Bragança, companheiro de letras e de cidadania ativa de Alda Espírito Santo. Dois dos fundadores da UNEAS – União Nacional dos Escritores e Artistas de S. Tomé e Príncipe – militantes empenhados na construção do país novo até que os caminhos da «partidarite» divergiram e chegou a desilusão. Albertino em 2005 com o romance UM CLARÃO SOBRE A BAÍA, Alda em 2006 com o poema CONTRATEMPO:«Hoje, há oceanos em turbilhão/ nas mentes do luchan do meu país africano» (…).Este foi um dos que pudemos escutar na Hora da Poesia de ontem. Mas podemos recuar no tempo e chegar a 1953 – humilhação, tortura e morte, da Trindade a Fernão Dias, e reler ONDE ESTÃO OS HOMENS CAÇADOS NESTE VENTO DE LOUCURA: «O sangue caindo em gotas na terra/ homens morrendo no mato/ e o sangue caindo, caindo…/nas gentes lançadas no mar…(…)». Não foram ditos todos como é natural, pois o tempo é precioso, sobretudo na Rádio. A Rádio que Alda do Espírito Santo escutava em 1958 quando escreveu INCONFORMISMO: «Contemplando a criançada atirada aos caminhos/ Encostada ao burgo onde moro/ Acenando aos carros circulando pelas estradas poeirentas/ Ouvindo as notícias chegadas pela rádio/ Doutros mundos distantes/ De pugnas, lutas, invenções/ Do progresso da vida no mundo da ciência/ Das artes, das letras, da conquista do cosmos/ Da ânsia de resolver os problemas do planeta/ Sentimos a inutilidade das mesquinhices do dia-a-dia/ Dos complexos criados pelas nossas futilidades/ E analisando a vida vazia/ Um clima de angústia se levanta sobre as nossas cabeças/ Gritando a nossa inércia permanente/ Condensada em lugares comuns latentes» (…).
         Para vós, todos, que amais a Poesia, atentai na esperança deste «Inconformismo». 


Link: www.radiovizela.pt/programa-hora-da-poesia

António Bondoso
Jornalista
Dezembro de 2019

2019-12-02



CONSULADO DE STP na Região Centro de Portugal transferido de Coimbra para Cantanhede.



“Portugal tem que chegar primeiro a S. Tomé e Príncipe”…ou de como a inauguração de um Consulado em Cantanhede coloca as relações entre os dois Estados e Povos já a um nível de «relações familiares».

         A ideia foi hoje cimentada pelo Embaixador de STP em Lisboa, Dr. António Quintas do Espírito Santo, no ato da inauguração das novas instalações do Consulado Honorário daquele país para a região centro de Portugal em Cantanhede, substituindo a localização de há muitos anos em Coimbra. Razões de «proximidade» entre a «missão» e a residência do Cônsul levaram à mudança. José Diogo vai agora ter como vice-cônsul a Senhora Maria de Fátima Loureiro.

          A cerimónia da inauguração das novas instalações, junto ao Quartel dos Bombeiros, começou no exterior com os hinos de Portugal e de S. Tomé e Príncipe, acompanhando o momento do hastear da Bandeira daquele país africano de língua oficial portuguesa. Já no interior, o Padre Miranda procedeu à bênção do espaço, referindo ser um lugar de acolhimento daqueles que pretendem viver aqui, depois de terem saído da sua terra para procurar uma nova esperança. 



         A Presidente da Câmara Municipal de Cantanhede, Helena Teodósio, recordou as excelentes relações de há muitos anos com STP e disse que esta nova situação valoriza e reforça as relações de cooperação, referindo a disponibilidade do município – nomeadamente para a formação de quadros daquele país em vários domínios de atividade. José Diogo agradeceu mais uma vez o apoio da autarquia, particularmente no decorrer da EXPOFACIC, e destacou satisfação pela presença do Embaixador António Quintas. Na resposta às intervenções anteriores, o diplomata são-tomense realçou o facto de ser este novo espaço uma plataforma estratégica para todos os cidadãos de STP na «diáspora», mas também para os cidadãos portugueses que pretendam deslocar-se em turismo ou em negócios ao seu país – nomeadamente aqueles que no século passado nasceram, viveram e trabalharam nas Ilhas do Meio do Mundo. Esses, disse António Quintas, «também pertencem à diáspora são-tomense», frisando que Portugal é um espaço aberto à multiculturalidade e que as «relações familiares» já ultrapassam as normais relações institucionais entre os dois Estados.

          Salientando que é necessário passar o relacionamento entre os dois Estados para outro nível, as autarquias – o Poder Local menos burocrático – surgem como um fator estratégico, pois as relações diplomáticas não podem ser um peso. É preciso animar os negócios entre os países e os povos. Os empresários são fundamentais e Portugal, devendo chegar primeiro, tem que mostrar interesse nos concursos internacionais já abertos ou a abrir naquele país africano, exatamente para poder marcar a diferença! Concretamente nos setores da Formação, da Construção Civil, do Turismo e da Cultura. 

         Por último – e antes de rumar ao Porto para acompanhar a Ministra dos Negócios Estrangeiros numa missão de captar investimento – o Embaixador António Quintas agradeceu a particular dedicação do Cônsul José Diogo, figura ímpar ao longo de muitos anos, contribuindo de forma intensa para elevar o nome de S. Tomé e Príncipe, antes de convidar a Presidente da C. M. de Cantanhede, Helena Teodósio, a visitar o país para melhor conhecer as oportunidades de STP.

António Bondoso
Jornalista

2 de Dezembro de 2019. 


2019-11-28


MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA (Aula II na USRM)
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS
…ou de como esta relação de séculos, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


Ao falar do relacionamento entre a RP da China e Portugal é inevitável inserir Macau na equação. E agora, quando se aproxima a data dos 20 anos da transferência de Administração, 19 para 20 de Dezembro de 1999, é uma ocasião propícia para rever a história mais ou menos recente. Macau foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a mais duradoura. E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que, sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que se compôs uma aula da disciplina de Relações Internacionais na USRM – Universidade Sénior Rotary de Matosinhos – dizendo e ouvindo poemas de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha; Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos, professores e convidados que disseram poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins, Jorge Reis e Alice Santos. Grato ao Miguel Sena Fernandes e ao João Gomes pela tradução de alguns poemas.


Entrecortando a nota expositiva sobre o relacionamento de séculos entre Portugal e a China, os «Poetas» de Macau foram fazendo ouvir a sua «voz». O primeiro foi ADÉ com CIDÁDI DI NÓMI SÁNTO:  
«Nôsso Macau, nómi sánto,
Vosôtro olá!
Qui ramendá unga jardim;
Fula fresco na tudo cánto
Sã pa ispantá.
Sai semeado, nom têm fim».
Traduzindo, quer dizer:
«Nossa Macau de nome santo,
Vede, vede todos bem!
parece um jardim;
Por todos os cantos flores frescas
É de pasmar.
Saem plantadas, sem fim».
Grande parte da vida, ADÉ dedicou-a à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro e operetas, que também ensaiava e dirigia. Durante muitos anos foi um ativo colaborador de muitos programas de Rádio.
         E depois de Adé, incontornável, lembrou-se LEONEL ALVES (Pai) com o soneto FILHO DE MACAU:

Cabelos que se tornam sempre escuros,
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.
Nascido e falecido em Macau (27 de Janeiro de 1921/10 de Outubro de 1982), Leonel Alves foi funcionário dos Serviços de Saúde. Colaborou em vários jornais de Macau com poesia e charadas.
         De CAMILO PESSANHA recordámos VIOLA CHINESA, de 1898, manuscrito no seu «caderno de capa preta»:
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
De alguma forma, são ainda nebulosas as razões da saída de Pessanha de Portugal, mas aventa-se como hipótese plausível um desgosto amoroso. Em Macau, Camilo Pessanha permanece de 1894 a 1926, ano da sua morte, tendo vindo à «metrópole» quatro vezes. De acordo com as suas confidências, foram vinte e seis anos de «degredo», pois ele nunca se adaptou ao ambiente de Macau, onde lecionou várias disciplinas no Liceu, ocupou o lugar de conservador do Registo Predial e exerceu as funções de juiz.
          Interessante a figura de GRACIETE BATALHA que viveu em Macau de 1949 a 1992. No poema que selecionámos deixa nitidamente transparecer a «angústia» de que já falámos na crónica anterior. ONDE QUE TU VAI, MACAU?
Onde que tu vai, Macau?
Qui de amanhã ocê tê?(…)

(…)Meu povo chora càlado.
Que nã sabe ele-sa fim …
 
Filho de Macau largado
Qui de amanhã para mim?


Numa tradução livre de João Gomes, podemos ler:
Para onde vai Macau?
Que amanhã você tem?(…)
(…)Meu povo chora calado
Por não saber seu fim…
Filho de Macau abandonado
Que amanhã para mim?
Sem esquecer o ensino primário em Macau, na Universidade de Hong Kong Graciete Batalha regeu a disciplina de Língua Portuguesa, em 1958-1959. Desenvolveu depois a sua atividade docente no Liceu Nacional Infante D. Henrique, em Macau. Lecionou igualmente na Escola do Magistério Primário de Macau, de que foi diretora de 1967 a 1969. Professora e pedagoga, conferencista, investigadora e ensaísta, é reconhecida como “uma das personalidades mais marcantes no panorama da cultura contemporânea de Macau”. Foi ainda membro do Conselho Legislativo de Macau, da Assembleia Legislativa de Macau e do Conselho Consultivo do Governador de Macau. Foi também membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. 


ANTÓNIO CORREIA é um «Beirão» do sul do Douro – Resende – e dali levou para Macau uma sensibilidade telúrica muito própria e moldada na sua função de homem de leis. Poderia eu ter selecionado – agora, que também chove muito em Portugal – o poema PORQUE CHOVE EM «OU MUN». Mas a sequência da «aula» levou-me a preferir o soneto FAROL DA GUIA, monumento pelo qual também eu nutro uma particular afeição. Tem «luz» e indica «presença»:
Português lampião no sul da China,
o primeiro entre os mais, Farol da Guia,
guia-nos na procela em cada dia,
co´a luz, que à noite tens diamantina.(…)
(…)Brilha e rebrilha ao céu e mar sem fim,
que a luz de Portugal, luzeiro amigo,
dá-se aqui, sem se impôr, a todo o chim.
António Correia radicou-se em Macau em 1980 e saiu em 1997. Poeta, contista e romancista com colaboração em jornais, revistas e na rádio em Macau. Foi Advogado, Notário Privado, Gestor de Empresas e Deputado. Foi membro do Conselho Superior da Advocacia, Conselho de Cultura e Conselho Consultivo do Governo de Macau. Em Macau publicou os seguintes livros: Miscelânea, 1987; Conjugando o Verbo Amar, 1989; Folhas dispersas, 1989; Ngola, 1990; Amagao, meu amor, 1992; Deideia, 1992; Fragmentos, 1994 (1.ª edição), 1996 (2.ª edição) (3); Contos de Ou Mun, 1996.
         JOSÉ SILVEIRA MACHADO nasceu em S. Jorge, nos Açores, e viveu mais de 70 anos em Macau, tendo publicado o seu último livro aos 87 anos de vida (2005) com o título O OUTRO LADO DA VIDA. Uma obra de forte crítica social:
(…) As grades não prendem
O voar do pensamento
As grades não seguram
a distância do vento

No encanto dessa idade
há de haver felicidade
p´los cristais da quimera
Há de entrar primavera
Mais conhecido por "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores", Silveira Machado foi professor, cofundador e e jornalista do semanário católico "O Clarim", para além de comentador, animador cultural, dirigente desportivo e escritor. Este seu último livro é uma compilação de textos e de comentários por si publicados ao longo dos anos em O Clarim e tem por tema principal o que chamou de "lado preto da vida" – o das "crianças que morrem de fome, doentes, pobres, drogados, desempregados ou imigrantes". O autor, um católico convicto, quis igualmente lançar um apelo à preservação e à divulgação da cultura portuguesa em Macau.
         ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA foi, como é usual dizer-se, um cidadão do mundo: Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Macau, remontando os seus primeiros versos aos 18 anos de idade. Do seu livro de 1988, Diálogo do Silêncio retirei este poema inteiro:
«é um impacto neutro
uma porta já aberta
e cai-se
num silêncio
intemporal
e profundo
como se
por artes mágicas
entrássemos
noutro mundo…
algumas pancadas na porta grande
a velha casa tremeu
silêncio».
Em Macau, onde viveu de 1982 a 2001, e sob a chancela do Instituto Cultural, Estima de Oliveira publicou a maioria dos seus livros, todos eles de poesia, colaborando também nas revistas Macau Revista de Cultura. O Poeta está traduzido em chinês e em inglês, nomeadamente na coletânea com o título Fly, publicada em Portugal em 1986 e apresentada pelo autor, nesse mesmo ano, no 1º Festival Internacional de Poesia de Las Palmas, Gran Canaria, no qual também representou o território de Macau. Em 1997, o ACTO/Instituto de Arte Dramática, adaptou uma das suas obras O Corpo (Con) Sentido e levou-a à cena, em três sessões, no Teatro Municipal de Estarreja. Faleceu em 2008.
Tal como Estima de Oliveira, de ANTÓNIO BONDOSO também se pode dizer que foi um cidadão do mundo, pois da sua geografia sentimental e de trabalho fazem parte Moimenta da Beira, S. Tomé e Príncipe, Angola, Porto e Macau. Foi ali que publicou o seu primeiro livro em 1999. De poesia e com o título EM MACAU POR ACASO. E dele foi selecionado o poema LEQUE VERMELHO:
O leque é vermelho
Invariavelmente vermelho (…)
(…) O leque é vermelho…
E trinta vezes repetido
Enche de cor o horizonte
Agora sombrio da minha janela.(…)
A Rádio foi e é a sua paixão – Rádio Clube de STP, EN, RDP e Rádio Macau – tendo colaborado na RTP e na RTV. Foi colunista nos jornais Correio Beirão e Jornal Beirão, fundados em Moimenta da Beira.
Entre poesia e prosa, António Bondoso publicou já mais de uma dúzia de títulos desde 1999. Colaborou igualmente em diversas Coletâneas de poesia, e em 2019 já publicou TERRA DE NINGUÉM ou Variações sobre o País Real, com a editora Edições Esgotadas. Realizou, em 1999, para a TDM-Rádio Macau uma série de 31 Programas (MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA) para assinalar a Transferência da Administração Portuguesa de Macau para a RPC, os quais foram transmitidos em algumas dezenas de Rádios Locais em Portugal. 


         Por fim…e como nos aproximamos rapidamente da «quadra natalícia», entendi por bem recuperar um outro belo poema de Adé do Santos Ferreira sobre o Natal. NATAL! NATAL! – é um poema, diz-nos o Miguel Sena Fernandes, que serviu de letra, em «Patuá», para um clássico de Natal de Adolphe Adam de 1847, “O Holy Night”. Os Doci Papiaçám di Macau cantaram a música com esta letra do Adé na missa do galo de 2000:
Perto di Céu,
N´acunga nôte sánto,
Ung´estréla já sai pa lumiá.(…)
(…)Glória pa Dios! dôs ánjo cantá,
Natal, Natal,
Luz di paz ta deramá …
Natal, Natal,
Amor nádi falta!
Numa tradução livre do Miguel Sena Fernandes, deixo-vos o poema completo que foi dito, nas duas versões, pela Alice Santos:   
(NATAL, NATAL ou PERTO DI CÉO)
“Próximo do Céu
Naquela Santa noite
Uma estrela veio para iluminar

Abaixo do Céu
Cheio de encanto
Uma doçura de voz nos chamou para ver

O lugar sagrado que Deus escolheu
Para o Filho Santo do Céu nascer

Gloria a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Amor não faltará

Glória a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Luz de paz a derramar
Natal, Natal,
Amor não faltará “
E assim, na simplicidade de uma aula sobre R.I., se falou do triângulo Portugal/Macau/China e de uma relação de séculos que, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


António Bondoso
28 de Novembro de 2019.