2019-09-30

VISEHRAD – A Ponte do Suicídio”, de Hélio Bandeira, um «romance gourmet»…ou de como estamos a gostar da ficção na nova literatura de São Tomé e Príncipe ou ainda e sobretudo, de como podemos retomar o gosto pela leitura – exatamente quando se identificam sinais de crise na literatura mundial. 


No seu prefácio a este novo romance de Hélio Bandeira, Abílio Bragança Neto escreve que algo de bom está a acontecer na literatura santomense. Pela escrita e pela edição. No fundo, a constatação da «evolução e da consolidação de uma literatura que já pedia novas vozes capazes de trazer novas abordagens, novos olhares e novos desafios temáticos e estilísticos».


Segundo a minha leitura estamos perante um «Romance Gourmet». E não fui buscar a ideia apenas à gastronomia, particularmente à gastronomia são-tomense que nos oferece a tentação de um divinal peixe com banana ou um não menos sublime calulu. Não! A minha ideia prende-se com a QUALIDADE que o Helio Bandeira coloca na sua ficção. Uma confeção quase perfeita, combinando os bons e indispensáveis ingredientes de um romance: - como a capacidade narrativa, que nos coloca sem esforço no centro da «história»; um enredo credível, que facilmente poderemos situar no espaço e no tempo da história recente de STP - mais precisamente no último quartel da década de 1980 e no início dos anos 90 do século XX, tendo em conta a datação pormenorizada dos subcapítulos.
Nessa perspetiva…o autor aborda sem tabus alguns temas de perfeita atualidade como o racismo, de raízes bem cimentadas nos males do colonialismo; críticas naturais à colonização portuguesa, patentes por exemplo na expressão leveleve – a que alguns pretendem retirar o seu sentido «original» mas que, no recente Dicionário Livre do “Santome – português ou Santome – putugêji”, tem precisamente como significados os termos «assim-assim, devagar e mais ou menos»; a Religião, com todos os seus dilemas e angústias, sem conseguir desligar-se da fragilidade humana (consubstanciada na relação entre um médico e uma freira, por sinal enfermeira) e, por fim, a superstição do velho curandeiro como recurso último para tentar travar a doença que começava a ameaçar a humanidade – a SIDA.
Para além, naturalmente, da nova estrutura da sociedade são-tomense pós-colonial, ciente da sua inquestionável independência mas – de alguma forma – não afastando uma pequena dose saudosa do tempo antes: Téla sé na bilá tê piada máchi fá! Pelo meio, ainda, uma pitada de crítica aos governantes e à forma de governar, misturada de certa forma com a hipocrisia político-partidária.
Uma última nota para referir uma significativa «universalidade» espacial da história que nos apresenta Hélio Bandeira, identificando com rigor na sua narrativa, quer o Reino Unido (onde estudou e onde permanece), quer a Austrália e Angola, STP e Portugal, ou os EUA e particularmente a então Checoslováquia – país onde o autor situa não só o monumento que dá origem ao título do livro (a Ponte do Suicídio, em VYSEHRAD) mas igualmente a personagem «mistério» do romance – a noviça Marta, enfermeira de profissão e que se vê envolvida num turbilhão de angústias e de emoções.
A esta «universalidade» chama Abílio Bragança Neto o redimensionar da santomensidade, onde a diáspora ganha representação e peso, onde «nós, santomenses, somos olhados por outros, por estrangeiros, no estrangeiro».

António Bondoso, jornalista e Mestre em R.I.
Setembro de 2019. 

2019-09-21


 LINHA DO DOURO…merece um comboio melhor! 
Não para «turista ver» mas para gáudio e prazer dos utentes de todos os dias!


O que é um comboio melhor? É por exemplo ter carruagens limpas, embora modestas – sabendo que o Douro é uma zona turística de grande impacto. É por exemplo ver os vidros das janelas minimamente limpos, não para que os utentes possam conseguir boas fotografias mas para melhor apreciarem a paisagem magnífica. É por exemplo ter as grades, nas quais se deposita a bagagem, em condições mínimas de conservação e com os parafusos devidamente apertados, para não termos o incómodo de um barulho ensurdecedor e ter que presenciar os passageiros a tentarem colmatar a deficiência com a aplicação de papel ou cartão dobrado a servir de cunha.
         O que se pede a quem de direito é atenção à limpeza. Das carruagens, como disse, mas igualmente das estações onde param os comboios. Na da Régua, por exemplo, há muitas ervas a desfear o espaço de rara beleza e há objetos em degradação absoluta a merecer a intervenção urgente de arquitetos paisagistas. 


         Já nem peço que a linha seja eletrificada. Teríamos eventualmente um comboio menos poluente e mais cómodo, mas não seria a mesma coisa! Tal como já nem peço a instalação de uma via dupla. O comboio seria mais rápido, sem dúvida, mas não teria o mesmo encanto!
         O que é um comboio melhor? Uma composição a merecer seguramente a existência de um «bar», um espaço acolhedor e sem luxos. Talvez não para servir refeições – o percurso não é assim tão longo – mas para que os passageiros, turistas ou não, possam apreciar a paisagem única, saboreando por exemplo um «porto tónico».
         E depois, viajar na linha do Douro não é só ver as uvas ao alcance da mão e o rio a dois metros do comboio mais os barcos que ali navegam. É também olhar os montes e perceber o encanto da vida nas e das encostas, para além de saber que a vida de muitos que ali habitam nunca é fácil. Sempre foi dura, como sabemos de Torga!
António Bondoso
Jornalista
Setembro de 2019. 




2019-09-05


Apenas para deixar um abraço a Domingos Gomes. Um amigo. 


Apenas para deixar um abraço a Domingos Gomes. Um amigo.
Com ele aprendi muito. Por exemplo…a confirmar o significado da palavra disponível.
Uma simplicidade de ser e de estar. Que gerava – ainda gera – empatia e simpatia. Uma figura incontornável na vida de algumas gerações de jornalistas. Pelo menos na minha.
Para não falar de entrevistas ou de comentários mais elaborados, Domingos Gomes nunca me recusou uma breve declaração que fosse. Tal como – qual João Semana do final do século XX e princípio do século XXI – sempre esteve disponível para atender as minhas solicitações em casos de doença. Até de familiares meus. E de amigos e de camaradas de trabalho! Sei bem! E os problemas do F.C. do Porto, que foi a sua casa de trabalho durante quase 30 anos, nunca se misturaram.
Para cada caso, Domingos Gomes teve sempre uma solução distinta. E continua a ser assim, agora que está a completar 50 anos de atividade médica.
Grato por ter sido – e continuar a ser – meu amigo! As amizades não se vendem, não se compram, não se pagam. Cultivam-se. Como foi notório na homenagem de ontem.
Um abraço…à dimensão de todo o mar de memórias que sabemos. Extensivo à Família, claro.


António Bondoso
5 de Setembro de 2019.