2019-10-27

ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA…e os «guias turísticos» em Lisboa, ou de como todos os ofícios são dignos, desde que sejam exercidos com seriedade e competência. 
Quero apenas referir que há por aí quem se diga «guia turístico» e se aventure, sem seriedade, por caminhos da «história». E o mais grave…com uma certa «cobertura» de historiadores que se apresentam como sérios.
Abolição da escravatura? Os portugueses «mentiram»? Admitindo que sim, sempre direi que, provavelmente, não fomos os primeiros mas também não teremos sido os últimos, mesmo tendo em conta o posterior movimento dos «contratados».
O que se pode ler a seguir foi publicado em 2005, em ESCRAVOS DO PARAÍSO (MinervaCoimbra), e é exatamente da autoria de um britânico, James Walvin:


ESCRAVOS DO PARAÍSO
António Bondoso
Com MinervaCoimbra
2005



2019-10-16

COESÃO…
…ou de como os habituais «profetas da desgraça» olham para o país e para o novo governo.


Ontem e hoje – passe a Catalunha e os Curdos da Síria, pois ninguém se lembra de África – o grande tema nos títulos dos jornais, na rádio e nos comentários das televisões tem sido o governo. Contornando as previsões de muitos, António Costa manteve Centeno e Van Dunem e «politizou» o núcleo duro. Mas eis que alguns membros do chamado «4ºpoder» ou «contrapoder», deixo à escolha, logo «descobriram» algumas brechas para alimentar a «escrita» e o «paleio»: os poderes que Centeno terá perdido – já dizem que vai durar no máximo dois anos – a ousadia ou teimosia em manter os da Educação e da Saúde e, vejam lá, o desplante em promover a ministra uma simples presidente da CCDRC, com a «pasta» da Coesão. Sabe-se como é um tema caro a António Costa. E conhecem-se algumas tentativas para dinamizar a ideia, apesar de nem ter corrido bem. Não por falta de ideias mas por falta de vontade política. O primeiro-ministro não conseguiu casar o seu projeto com as limitações da conjuntura herdada e que era fundamental ultrapassar. Mas agora acredita, embora eu seja cético, e por isso acrescentou importância à «Coesão».
         O meu ceticismo é velho de muitas décadas. Tantas quantas já passaram depois do 25 de Abril. E a falta de coesão, que motivou a desertificação e foi causa maior da emigração, vem até de muito antes. Nunca fomos um país «inteiro». Como eu escrevo e demonstro no meu recente livro TERRA DE NINGUÉM (Edições Esgotadas) e sobre o qual vos deixo alguns pontos de reflexão, particularmente nas páginas 22 e 23:
Falar, hoje, em “reforma do Estado” sem promover a Regionalização...parece-me ser pior a emenda do que o soneto! Racionalizar não significa propriamente apenas “cortar” mas sim tornar mais eficaz e produtivo (…)
Porque não se cumpre a Constituição? É costume alguns responderem com a pequenez do território e outros refugiarem-se na pequenez de mentalidades. Desconcentração, descentralização, regionalização – enquanto se definem e alinham conceitos ao sabor das circunstâncias, o país vai-se mantendo assimétrico, desordenado e cada vez menos coeso (…)
Assimetria “maior”? Tudo é diferente “lá” no litoral...e em “dó” maior no interior ou nos designados territórios de baixa densidade. 
Interior? Armamar, Lamego, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Tabuaço ou Tarouca?
Territórios de baixa densidade? Vila Nova de Paiva, Penedono, Resende ou Cinfães?
Também Lisboa e o Porto (ou Braga e Coimbra) têm os seus interiores, tal como possuem os seus arrabaldes. O que os distingue verdadeiramente…é a falta de coesão (…)”.
Esperemos então que a nova ministra e o novo governo possam ultrapassar os eternos condicionalismos da pequenez e da falta de visão estratégica. Se falhar mais uma vez…não será caso para desistir. Mas será uma perda muito grande e uma ferida que tardará a sarar.  

António Bondoso
Jornalista
Outubro de 2019.

2019-10-09

CONVERSAS CRUZADAS DE UMA SALA DE ESPERA NUM CENTRO DE SAÚDE PERTO DE SI

Sala cheia, entre números e vozes de chamada para a inscrição ou para a consulta. E muitas conversas cruzadas. Véspera do Dia da Saúde Mental. 


Sabe qual é a melhor hora para se vir aqui? É à hora e meia! Há menos gente.
Olhe…e como vai o seu marido? Ainda trabalha naquela casa dos leitões? Aquilo é que era um leitão! Que categoria. Mas já não o vejo há muito tempo. Ele está bem?
E a demora…
Diz outra voz: os médicos também adoecem!
E a imagem de fundo, para além das pessoas a circular, é um écran de televisão com a emissão da TVI. O tema – o suicídio!
E as vozes…só venho por causa da medicação. Faz-me falta. Vamos lá a ver se isto vai. Vamos lá ver!
Do outro lado…e o meu pai, coitado, teve que ficar sozinho, eu não posso. E foi agora operado às hérnias. E eu…é como se vê.
Prosseguem as vozes no meio do suicídio da TVI.
Há dias caí na rua…nem tive tempo para nada. Lá veio a ambulância e só dei conta a caminho do hospital. Aquilo até mete medo. É cada um!
Mais uma voz: olhe, e os seus meninos estão bem?
Bem, graças a Deus. Olhe, temos agora mais um. Foi anteontem. Um artista!
O meu é o futebol. É a paixão dele. Tem vontade mas não joga nada de jeito. Mas é cá um portista!
O meu já está um homem! E a irmã…é muito meiguinha!
Ó D. Aldina…já chamaram por si!
Já ouvi, obrigada.
E outro…que entra esbaforido, nervoso, quase a sufocar…de tão gordo que é. Onde estão as senhas? (Temporariamente fora do sítio habitual, por obras na parede antiga).
Aí, em cima da mesa!
Ahhh…obrigado.
E a TVI continua em fundo. Agora são os crimes de faca e alguidar (depois de uma breve passagem pela promoção do calcitrin): discute com a irmã e atinge o sobrinho com um tiro na cara.
Admiração sonora: - ai 75! Setenta e três tenho eu.
E chega a altura do noticiário das 13. O vai e vem dos utentes prossegue.
Um pai com um bébé ao colo, uma idosa apoiada numa bengala e que não sabe se o seu rendimento provém da pensão xis ou do complemento do idoso. O filho que a acompanha também não sabe. O papel está em casa.
E o dinheiro, que tanta falta faz: - quem me dera o totoloto! Uma boa quantia dava jeito. E se fosse o euromilhões?
A raspadinha é que é uma tentação. Às vezes lá sai 20 euritos.
Ó rapariga…isto não está pra nós!
E o telejornal: - a estabilidade que se deseja no país. À medida de cada um, claro!
Tou?...já fez o depósito?...falou no sábado?...mas já não paga há 4 meses!...faz amanhã?...veja lá, não estrague a sua vida! E volta a efetuar uma chamada: - olá, sou eu! Ele ainda não fez o depósito! Envia a carta! Em nome da estabilidade - digo eu!
E eu? De repente veio-me à ideia uma pessoa amiga: - a mim, nunca me dói nada! Sr António Augusto Bondoso! Suba ao 3º andar que a Senhora Doutora vai já chamá-lo.  


António Bondoso
Jornalista
Outubro de 2019. 

2019-10-06

A REPÚBLICA DAS MAÇÃS…
…ou de como os males da interioridade não conseguem eliminar a resiliência dos agricultores que se dedicam à cultura da maçã nesta especial região da Beira Alta situada a sul do Douro: sobretudo Moimenta da Beira, Armamar, Tarouca e Sernancelhe. 


         Quem ler este texto, provavelmente já terá sido confrontado, mais do que uma vez, com a velha expressão depreciativa «república das bananas», uma ideia consolidada em alguns países da América do Sul há muitos anos, sobretudo quando empresas dos EUA se dedicavam à exploração abusiva desses países, comercializando exatamente esse fabuloso fruto que é a banana.
         Pois aqui, nesta região que eu destaco acima, creio não corrermos o risco de sermos avaliados negativa e depreciativamente, pois é bem conhecida a tenacidade com que os agricultores enfrentam – desde sempre – as consequências das oscilações climáticas e o esquecimento a que têm sido votados pelas políticas dos sucessivos governos. A falta de uma rede de frio eficaz foi sendo contornada mas falta ainda a atenção devida ao regadio. E não tem sido por inércia ou deixa andar. Repetidamente nos últimos anos o assunto tem sido falado e houve já projetos aprovados como o da Boavista, em Caria – integrada no plano nacional de regadio. A da Nave estará muito próxima da aprovação. Não só a quantidade importa. A qualidade da água é fundamental. 




Por isso se vai dizendo que esta região produz a melhor maçã do mundo. Daí a minha homenagem, atribuindo o título de «República das Maçãs» a este modesto texto, que me veio à ideia ontem – dia 5 de Outubro – o da implantação da República em 1910. Exatamente durante o acompanhamento que fui fazendo da apanha em pomares da região, com amigos fruticultores associados às «Frutas Cruzeiro» (passe a publicidade) e simultaneamente membros da Confraria da Maçã, criada em 2008 e com sede em Moimenta da Beira. Obrigado Zé Carlos pela magnífica viagem entre a Granja Nova e o espetacular armazém em Armamar. Toneladas de um produto magnífico a viajar pela «Rota da Maçã», nascida e consolidada nesta região da Beira Távora.

         Viva a República das Maçãs!





António Bondoso
Jornalista
Outubro de 2019.

2019-10-04




Pais Fundadores da Democracia…apenas os que arriscaram tudo no derrube da ditadura.

Não se pode, nem deve, menorizar a figura do Prof. Freitas do Amaral. Professor de Direito, fundador do CDS, líder do CDS, ministro e vice-primeiro ministro, Presidente da Assembleia Geral da ONU – alguns dos cargos que exerceu exemplarmente.
         Com todo o respeito que merece a sua «memória», não posso deixar de dizer que me espanta a designação que fui ouvindo ao longo do dia: um dos pais fundadores da democracia portuguesa.
         Quem lutou para instaurar a liberdade e, por consequência, a democracia em Portugal? Os «militares de Abril»! E todos os que morreram na «Guerra» e sofreram a tortura no Tarrafal, em S. Nicolau ou na Machava. Ou no Aljube, Caxias ou Heroísmo. Podemos juntar Álvaro Cunhal e Mário Soares em primeiro lugar. E depois de muitos outros como Salgado Zenha, Emídio Guerreiro, Arlindo Vicente, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Padre Fanhais, António Gedeão, Sofia, Ary dos Santos, as «Três Marias», Natália Correia, Snu Abecassis, podemos acrescentar Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Magalhães Mota, Mota Amaral e mais uns poucos da chamada «ala liberal».
         Freitas do Amaral, pelo facto único de ser fundador do CDS, não pode ter entrada direta no lote dos citados. E peço desculpa aos que omito no texto. Mas, em respeito pela memória das suas posições incómodas em certos momentos da vida política portuguesa, aceito sem rebuço o papel importante que desenvolveu na consolidação do regime democrático. Contudo, em honra dos que não citei, por omissão (falta de memória enquanto escrevo), não voltem a dizer que foi um dos «pais fundadores» da democracia portuguesa. Não é verdade! Mas descanse em paz!
António Bondoso
Outubro de 2019.