2019-11-28


MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA (Aula II na USRM)
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS
…ou de como esta relação de séculos, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


Ao falar do relacionamento entre a RP da China e Portugal é inevitável inserir Macau na equação. E agora, quando se aproxima a data dos 20 anos da transferência de Administração, 19 para 20 de Dezembro de 1999, é uma ocasião propícia para rever a história mais ou menos recente. Macau foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a mais duradoura. E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que, sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que se compôs uma aula da disciplina de Relações Internacionais na USRM – Universidade Sénior Rotary de Matosinhos – dizendo e ouvindo poemas de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha; Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos, professores e convidados que disseram poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins, Jorge Reis e Alice Santos. Grato ao Miguel Sena Fernandes e ao João Gomes pela tradução de alguns poemas.


Entrecortando a nota expositiva sobre o relacionamento de séculos entre Portugal e a China, os «Poetas» de Macau foram fazendo ouvir a sua «voz». O primeiro foi ADÉ com CIDÁDI DI NÓMI SÁNTO:  
«Nôsso Macau, nómi sánto,
Vosôtro olá!
Qui ramendá unga jardim;
Fula fresco na tudo cánto
Sã pa ispantá.
Sai semeado, nom têm fim».
Traduzindo, quer dizer:
«Nossa Macau de nome santo,
Vede, vede todos bem!
parece um jardim;
Por todos os cantos flores frescas
É de pasmar.
Saem plantadas, sem fim».
Grande parte da vida, ADÉ dedicou-a à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro e operetas, que também ensaiava e dirigia. Durante muitos anos foi um ativo colaborador de muitos programas de Rádio.
         E depois de Adé, incontornável, lembrou-se LEONEL ALVES (Pai) com o soneto FILHO DE MACAU:

Cabelos que se tornam sempre escuros,
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.
Nascido e falecido em Macau (27 de Janeiro de 1921/10 de Outubro de 1982), Leonel Alves foi funcionário dos Serviços de Saúde. Colaborou em vários jornais de Macau com poesia e charadas.
         De CAMILO PESSANHA recordámos VIOLA CHINESA, de 1898, manuscrito no seu «caderno de capa preta»:
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
De alguma forma, são ainda nebulosas as razões da saída de Pessanha de Portugal, mas aventa-se como hipótese plausível um desgosto amoroso. Em Macau, Camilo Pessanha permanece de 1894 a 1926, ano da sua morte, tendo vindo à «metrópole» quatro vezes. De acordo com as suas confidências, foram vinte e seis anos de «degredo», pois ele nunca se adaptou ao ambiente de Macau, onde lecionou várias disciplinas no Liceu, ocupou o lugar de conservador do Registo Predial e exerceu as funções de juiz.
          Interessante a figura de GRACIETE BATALHA que viveu em Macau de 1949 a 1992. No poema que selecionámos deixa nitidamente transparecer a «angústia» de que já falámos na crónica anterior. ONDE QUE TU VAI, MACAU?
Onde que tu vai, Macau?
Qui de amanhã ocê tê?(…)

(…)Meu povo chora càlado.
Que nã sabe ele-sa fim …
 
Filho de Macau largado
Qui de amanhã para mim?


Numa tradução livre de João Gomes, podemos ler:
Para onde vai Macau?
Que amanhã você tem?(…)
(…)Meu povo chora calado
Por não saber seu fim…
Filho de Macau abandonado
Que amanhã para mim?
Sem esquecer o ensino primário em Macau, na Universidade de Hong Kong Graciete Batalha regeu a disciplina de Língua Portuguesa, em 1958-1959. Desenvolveu depois a sua atividade docente no Liceu Nacional Infante D. Henrique, em Macau. Lecionou igualmente na Escola do Magistério Primário de Macau, de que foi diretora de 1967 a 1969. Professora e pedagoga, conferencista, investigadora e ensaísta, é reconhecida como “uma das personalidades mais marcantes no panorama da cultura contemporânea de Macau”. Foi ainda membro do Conselho Legislativo de Macau, da Assembleia Legislativa de Macau e do Conselho Consultivo do Governador de Macau. Foi também membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. 


ANTÓNIO CORREIA é um «Beirão» do sul do Douro – Resende – e dali levou para Macau uma sensibilidade telúrica muito própria e moldada na sua função de homem de leis. Poderia eu ter selecionado – agora, que também chove muito em Portugal – o poema PORQUE CHOVE EM «OU MUN». Mas a sequência da «aula» levou-me a preferir o soneto FAROL DA GUIA, monumento pelo qual também eu nutro uma particular afeição. Tem «luz» e indica «presença»:
Português lampião no sul da China,
o primeiro entre os mais, Farol da Guia,
guia-nos na procela em cada dia,
co´a luz, que à noite tens diamantina.(…)
(…)Brilha e rebrilha ao céu e mar sem fim,
que a luz de Portugal, luzeiro amigo,
dá-se aqui, sem se impôr, a todo o chim.
António Correia radicou-se em Macau em 1980 e saiu em 1997. Poeta, contista e romancista com colaboração em jornais, revistas e na rádio em Macau. Foi Advogado, Notário Privado, Gestor de Empresas e Deputado. Foi membro do Conselho Superior da Advocacia, Conselho de Cultura e Conselho Consultivo do Governo de Macau. Em Macau publicou os seguintes livros: Miscelânea, 1987; Conjugando o Verbo Amar, 1989; Folhas dispersas, 1989; Ngola, 1990; Amagao, meu amor, 1992; Deideia, 1992; Fragmentos, 1994 (1.ª edição), 1996 (2.ª edição) (3); Contos de Ou Mun, 1996.
         JOSÉ SILVEIRA MACHADO nasceu em S. Jorge, nos Açores, e viveu mais de 70 anos em Macau, tendo publicado o seu último livro aos 87 anos de vida (2005) com o título O OUTRO LADO DA VIDA. Uma obra de forte crítica social:
(…) As grades não prendem
O voar do pensamento
As grades não seguram
a distância do vento

No encanto dessa idade
há de haver felicidade
p´los cristais da quimera
Há de entrar primavera
Mais conhecido por "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores", Silveira Machado foi professor, cofundador e e jornalista do semanário católico "O Clarim", para além de comentador, animador cultural, dirigente desportivo e escritor. Este seu último livro é uma compilação de textos e de comentários por si publicados ao longo dos anos em O Clarim e tem por tema principal o que chamou de "lado preto da vida" – o das "crianças que morrem de fome, doentes, pobres, drogados, desempregados ou imigrantes". O autor, um católico convicto, quis igualmente lançar um apelo à preservação e à divulgação da cultura portuguesa em Macau.
         ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA foi, como é usual dizer-se, um cidadão do mundo: Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Macau, remontando os seus primeiros versos aos 18 anos de idade. Do seu livro de 1988, Diálogo do Silêncio retirei este poema inteiro:
«é um impacto neutro
uma porta já aberta
e cai-se
num silêncio
intemporal
e profundo
como se
por artes mágicas
entrássemos
noutro mundo…
algumas pancadas na porta grande
a velha casa tremeu
silêncio».
Em Macau, onde viveu de 1982 a 2001, e sob a chancela do Instituto Cultural, Estima de Oliveira publicou a maioria dos seus livros, todos eles de poesia, colaborando também nas revistas Macau Revista de Cultura. O Poeta está traduzido em chinês e em inglês, nomeadamente na coletânea com o título Fly, publicada em Portugal em 1986 e apresentada pelo autor, nesse mesmo ano, no 1º Festival Internacional de Poesia de Las Palmas, Gran Canaria, no qual também representou o território de Macau. Em 1997, o ACTO/Instituto de Arte Dramática, adaptou uma das suas obras O Corpo (Con) Sentido e levou-a à cena, em três sessões, no Teatro Municipal de Estarreja. Faleceu em 2008.
Tal como Estima de Oliveira, de ANTÓNIO BONDOSO também se pode dizer que foi um cidadão do mundo, pois da sua geografia sentimental e de trabalho fazem parte Moimenta da Beira, S. Tomé e Príncipe, Angola, Porto e Macau. Foi ali que publicou o seu primeiro livro em 1999. De poesia e com o título EM MACAU POR ACASO. E dele foi selecionado o poema LEQUE VERMELHO:
O leque é vermelho
Invariavelmente vermelho (…)
(…) O leque é vermelho…
E trinta vezes repetido
Enche de cor o horizonte
Agora sombrio da minha janela.(…)
A Rádio foi e é a sua paixão – Rádio Clube de STP, EN, RDP e Rádio Macau – tendo colaborado na RTP e na RTV. Foi colunista nos jornais Correio Beirão e Jornal Beirão, fundados em Moimenta da Beira.
Entre poesia e prosa, António Bondoso publicou já mais de uma dúzia de títulos desde 1999. Colaborou igualmente em diversas Coletâneas de poesia, e em 2019 já publicou TERRA DE NINGUÉM ou Variações sobre o País Real, com a editora Edições Esgotadas. Realizou, em 1999, para a TDM-Rádio Macau uma série de 31 Programas (MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA) para assinalar a Transferência da Administração Portuguesa de Macau para a RPC, os quais foram transmitidos em algumas dezenas de Rádios Locais em Portugal. 


         Por fim…e como nos aproximamos rapidamente da «quadra natalícia», entendi por bem recuperar um outro belo poema de Adé do Santos Ferreira sobre o Natal. NATAL! NATAL! – é um poema, diz-nos o Miguel Sena Fernandes, que serviu de letra, em «Patuá», para um clássico de Natal de Adolphe Adam de 1847, “O Holy Night”. Os Doci Papiaçám di Macau cantaram a música com esta letra do Adé na missa do galo de 2000:
Perto di Céu,
N´acunga nôte sánto,
Ung´estréla já sai pa lumiá.(…)
(…)Glória pa Dios! dôs ánjo cantá,
Natal, Natal,
Luz di paz ta deramá …
Natal, Natal,
Amor nádi falta!
Numa tradução livre do Miguel Sena Fernandes, deixo-vos o poema completo que foi dito, nas duas versões, pela Alice Santos:   
(NATAL, NATAL ou PERTO DI CÉO)
“Próximo do Céu
Naquela Santa noite
Uma estrela veio para iluminar

Abaixo do Céu
Cheio de encanto
Uma doçura de voz nos chamou para ver

O lugar sagrado que Deus escolheu
Para o Filho Santo do Céu nascer

Gloria a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Amor não faltará

Glória a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Luz de paz a derramar
Natal, Natal,
Amor não faltará “
E assim, na simplicidade de uma aula sobre R.I., se falou do triângulo Portugal/Macau/China e de uma relação de séculos que, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


António Bondoso
28 de Novembro de 2019. 





2019-11-27



MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA!
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS!
...ou de como, em 20 de Dezembro de 1999, Macau passou a ser diferente mas não deixou de ser Macau. 


Foi este o tema que escolhi para uma «aula» de Relações Internacionais – a última deste ano de 2019 – na Universidade Sénior Rotary de Matosinhos (USRM), em Leça do Balio. Uma oportunidade para recordar o relacionamento entre chineses e portugueses através de Macau, numa altura em estamos próximos da data que assinalou a transferência da administração do território para a RPC. Momentos de «história» antiga e recente, imagens, testemunhos e emoções, pela poética, de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha; Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos e professores, que escutaram e participaram – nomeadamente dizendo poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins e Jorge Reis. Um abraço particular ao engº António Rosado que me facultou quase duas dezenas de fotografias sobre a evolução dos trabalhos da construção do aeroporto de Macau e que estão, algumas, expostas no átrio da Universidade. Reconhecido igualmente a convidados que testemunharam vivências mais ou menos recentes, como por exemplo a Alice Santos – que também disse poesia – a Maria do Amparo e o Major-General Jorge Santos, engº e militar, que recordou – numa síntese brilhante – a azáfama dos últimos anos da presença portuguesa em Macau, falando particularmente da construção do aeroporto e do Centro Cultural, infraestrutura onde decorreu a cerimónia da «transferência». Deixou inclusive uma nota de humor quando referiu um episódio ocorrido a poucos dias da «cerimónia»: chuva intensa e ventos fortes obrigaram um colaborador seu a dizer-lhe «Jorge Sampaio tem os pés molhados», querendo significar que, no lugar onde ficaria sentado o Presidente da República Portuguesa, caía chuva. Ao que Jorge Santos retorquiu «agora, só nos resta rezar para que não chova mais». E o assunto resolveu-se assim. Como foram sendo resolvidos outros momentos ao longo de séculos, nomeadamente os tempos difíceis do «1,2,3» de 1966, em plena «Revolução Cultural» na China de Mao, ou os períodos de angústia dos naturais de Macau (particularmente os de ascendência lusa) que se seguiram à assinatura da «Declaração Conjunta» Luso-Chinesa, em 1987, sobre o futuro do território. Que, na perspetiva da RPC, nunca foi uma «colónia». Visão sábia de quem, pacientemente, analisa e projeta o tempo futuro, eliminando essa tese no âmbito das Nações Unidas e pela qual não poderia haver «descolonização». A RPC, com olhos postos na «reconstrução» da «Grande China», depois do retorno de HK, Macau e Taiwan (que ainda demora), não poderia aceitar uma eventual e consequente hipótese de, descolonizados, aqueles territórios pudessem ascender à «independência». Entenderam, por isso, designar os momentos de 1997 e de 1999 como de «Retrocessão». Isto é, o ato de ceder o que se obteve por cessão.
A Declaração Conjunta, apesar de habilmente elaborada, não «oferecia» uma evidente tranquilidade quanto ao futuro. No entanto, nela estavam escritas palavras e ideias como «alto grau de autonomia da RAEM», dotada de um governo próprio e na qual se manteriam «substancialmente inalterados» os sistemas social e económico durante 50 anos. No fundo, ideias que balizavam a semântica do estabelecido no Tratado de restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a RPC, de 1979, o qual reconhecia o princípio do mútuo respeito pela soberania e integridade territorial”.
Os altos e baixos do processo de transição, sobretudo a seguir ao «caso Melancia», condicionaram de alguma forma a eficácia da localização de quadros e do ensino do Mandarim como língua oficial, mas – apesar disso – o governo de Macau e os representantes portugueses no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês que «negociaram» o futuro, foram capazes de assumir a importância do Aeroporto para a autonomia do território e de formalizar outras questões fundamentais, como as bases do Direito e a permanência da língua portuguesa – pelo menos até 1949 – o que permitiu aprofundar as relações no âmbito da Lusofonia, uma ideia iniciada pela Administração de Rocha Vieira e mais tarde concretizada pela RPC ao criar o «FÓRUM de Macau» em 2003.
Finalmente, a inevitável e sempre considerada comparação entre os casos de Macau e de Hong Kong. Quer pela dimensão, quer pela história, o que nos apresenta Macau como um quadro singular. Há dias, a historiadora Catherine Chan See disse à Agência Lusa que «O fosso político entre Macau e Hong Kong já vem dos tempos da Revolução Cultural chinesa». A Lusa concluiu que, depois de ouvir vários dirigentes de grupos “não alinhados”, «Duas décadas após a transição, a população de Macau permanece desinteressada da política, graças à educação que não favorece o espírito crítico, devido à melhoria do nível de vida ou ao receio de represálias». Os casos foram e são diferentes, sem dúvida. E outra das explicações pode estar nesta ideia de Ron Lam U Tou – presidente da Associação da Sinergia de Macau e o último candidato a ficar fora da Assembleia Legislativa nas últimas eleições, em 2017: “quase metade da população de Macau nasceu do outro lado da fronteira e os mais velhos “ainda se lembram de quando, na China, não havia nada para comer”. “Nos anos 1990, muitos dos meus colegas de liceu viram os pais ir trabalhar para Taiwan de forma ilegal ou na construção civil”.
Também por isso, mas não só, Macau é diferente. E foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a mais duradoura.
E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que, sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que esta aula na USRM se revelou, dizendo e ouvindo poemas – matéria que deixaremos para a próxima nota neste blogue.
Apesar do inevitável «prazo de validade»…Macau passou a ser diferente mas não deixou de ser Macau.


António Bondoso
Jornalista e Mestre em R.I.
27 de Novembro de 2019

2019-11-11


A ILHA É UMA LUPA…ou de como Maria José Nazaré amplia o substrato de uma ILHA CORAÇÃO, abrindo janelas de emoções por onde saem pessoas de sentimentos diversos, de realidades diferentes, nas ilhas do «Meio do Mundo» ou do «Chocolate», que o mesmo é dizer S. Tomé e Príncipe.  


A autora sabe – recorda e escreveu – que «Há momentos levados pelas rajadas do vento». E foi esse vento, não só mas também, que a levou para fora da «ilha» e a fez enfrentar outros mares revoltos e novas tempestades. Mas isso – e aí reside a força do seu sentir – não impediu a ligação às raízes: a magia e o ritmo do «Batuque» que a transportam para outras dimensões; as «Canções de embalar», as lavadeiras de «Amor fragmentado», a magia das crianças em «Quadra Natalícia», o exemplo – à boa maneira africana – de «Mamã Carlota», a defesa da família tradicional em «Nunca é a mesma coisa».
D. Manuel Martins entendia que «uma das grandes condições para entender a vida é ser poeta». Direi que Maria José Nazaré – tal como Federico Garcia Lorca – tem muito a ver com a ideia de que «a poesia é união de duas palavras que ninguém poderia supor que se juntariam e que formam algo como um mistério». Obrigado Maria José por ter vindo acrescentar coisas novas à literatura de S. Tomé e Príncipe.
         E mesmo sem lupa, atrevam-se a descobrir todos os mistérios nos textos de Maria José Nazaré.
         A obra vai ser apresentada pelo amigo e camarada Abílio Bragança Neto, no dia 20 de Novembro, pelas 18h30, no espaço UCCLA – Av. Da Índia, nº110, em Lisboa. O evento será abrilhantado pela atuação da IGNISTUNA – Tuna Académica do Lumiar. 



António Bondoso
Jornalista
Novembro de 2019. 


2019-11-09


O MURO…NÃO CAÍU POR ACASO. Ou de como a «Conferência de Imprensa» que os média (alguns) tanto têm vindo a valorizar, não foi apenas mais um pormenor. A chamada CORTINA DE FERRO estava rota e cheia de caruncho. Desde a sua tomada de posse, Gorbatchev sabia do «sacrifício» que o esperava e tinha noção de que era inevitável. 


Há 12 anos – por outro lado – quando escrevi o texto que segue, ainda não se tinham registado factos que hoje são demonstrativos de que, afinal, a queda do muro de Berlim e as suas consequências imediatas não constituíram o «Fim da História» anunciado por Fukuyama. Os Estados Unidos desbarataram por mais do que uma vez o capital conquistado (Adriano Moreira disse recentemente que “A maior ameaça atual é a incultura e a leviandade do Presidente dos EUA), a UE vai marcando passo a cada passo e a Rússia voltou a ser grande, como o demonstram por exemplo os conflitos «Geórgia/Ossétia» e particularmente o da Ucrânia/Crimeia. Mais recentemente, o reforço da sua posição na Síria. E depois, a esperada e anunciada emergência da RP China e do seu projeto expansionista: África é paradigma de uma visão universal que a liderança chinesa designa agora de iniciativa «Belt and Road» ou a «rota da seda do século XXI».
         Vejamos, então, a minha «leitura» desse tempo distante, elaborada há 12 anos, como disse:
“Apesar de ainda hoje serem visíveis algumas situações de conflito herdadas da chamada “Guerra-Fria” – como por exemplo a divisão da Península da Coreia, o problema de Cuba e a questão do Médio Oriente, particularmente entre Israel e a Palestina – não tem sido possível estabelecer um consenso sobre os limites temporais, causas e definição desse período.
           No entanto, parece não haver dúvidas sobre algumas características que marcaram significativamente quase toda a segunda metade do Séc. XX (talvez não seja um acaso a designação corrente de “Século da Guerra-Fria”, atribuída ao século passado): -- para além de um confronto político, económico e tecnológico, a Guerra-Fria foi, sobretudo, um conflito ideológico travado por dois Blocos, liderados pelos EUA – a Ocidente, e pela URSS – a Leste. Os primeiros, numa tentativa de conter a expansão do Comunismo e, os outros, na expectativa de derrotar o Capitalismo Demoliberal.
          Bernard Droz e Anthony Rowley[1] parecem situar o início do confronto no seguimento da oficialização do plano Marshall (a guerra-fria cristalizou-se, inicialmente, em torno do problema alemão para, rapidamente, adquirir uma dimensão mundial) – atribuindo especial relevo à doutrina Jdanov ou dos “dois mundos antagonistas” e à questão da Coreia. Este problema é também mencionado por Maurice Vaïsse[2] - o ano de 1947 representa uma cisão – mas refere já o que chama de “primeiras fricções”, aludindo nomeadamente à célebre frase de Winston Churchill (já não exercendo o cargo de primeiro-ministro), em 1946 no Missouri (EUA) : “a cortina de ferro que, de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, caiu sobre o nosso continente”.
          O ano de 1947 volta a ser uma referência no Atlas das Relações Internacionais, dirigido por Pascal Boniface[3], no qual se considera a “clivagem Este/Oeste” decomposta em dois grandes períodos – a guerra fria (1947-1962) e a détente (1962-1979), aos quais se sucederam dois períodos mais curtos: uma nova guerra fria (1979-1985) e uma nova détente (1985-1989).
           Para Boniface, apesar de se apresentar globalmente o período de 1947-1989 como de “guerra fria” (foi tudo excepto uma guerra)esse espaço temporal comportou, efectivamente, duas etapas distintas : a guerra fria e a détente! 
           O complexo jogo de interesses, inclusive a preservação da paz mundial, levou a que o confronto nunca se desenvolvesse até ao extremo, ficando célebre o slogan de Raymond Aron “Guerra improvável, paz impossível”!
           Mas não se esgota aqui o leque de opções, destacando Adriano Moreira[4] cinco períodos na vida dessa “guerra que só podia ser evitada pelo permanente equilíbrio pelo terror”:- entre 1945-1951 a dissuasão unilateral, com o monopólio atómico dos EUA; entre 1952-1959 a dissuasão bilateral, com a entrada da URSS no clube nuclear; a disputa cósmica entre 1959-1961, já com o grupo dos cinco do Conselho de Segurança da ONU no “clube”; entre 1961-1975 a política de co-responsabilidade, com os vários tratados de limitação das armas estratégicas e a suspensão formal das experiências nucleares; e, por último, o período que vai da guerra das estrelas à queda do muro, em 1989.
           Resumindo, poderemos estabelecer a Cronologia dos Principais Acontecimentos deste “confronto” como segue:
*** 1945/1947 – A chamada Paz Falhada, em torno do problema alemão.
*** 1947 – Plano Marshall e criação do Kominform (nova designação atribuída por Estaline ao Komintern – a Terceira Internacional – Associação Internacional Operária dos Movimentos Comunistas de todo o mundo).
*** 1948 – Golpe de Praga e Bloqueio de Berlim.
*** 1949 – Tratado da Aliança Atlântica.
*** 1950/1953 – Guerra da Coreia.
*** 1955 – Criação do Pacto de Varsóvia.
*** 1956 – Crise do Suez e repressão soviética na Hungria.
*** 1961 – Nova crise de Berlim e Construção do Muro.
*** 1962 – Crise dos Mísseis em Cuba. (Juntamente com a efeméride anterior – os momentos de maior tensão da Guerra Fria). 
*** 1963 – Instalação do “telefone vermelho” e Tratado sobre interdição dos ensaios nucleares na atmosfera.
*** 1964 – Guerra do Vietnam (envolvimento dos EUA).
*** 1968 – “Primavera de Praga” e TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear).
*** 1969 – Auge da “corrida espacial” (iniciada pela URSS em 1957 com o Sputnik) com a chegada à Lua da Missão Apollo 11 – EUA.
*** 1972 – Tratado SALT 1 sobre controlo de mísseis estratégicos.
*** 1975 – Conferência CSCE em Helsínquia.
*** 1979 - Invasão Soviética do Afeganistão, Descolonização da África Negra.
*** 1980 - IIª Guerra Fria, com a ascensão de Ronald Reagan ao poder, nos EUA.
*** 1985 – Nova Détente, com a Glasnost e Perestroika de Gorbatchev, na URSS.
*** 1989 – Queda do Muro de Berlim e Fim da Guerra Fria.”
         Para além de tudo isto, há igualmente outros factos e acontecimentos que mereceriam destaque idêntico. Poderemos falar deles em outra ocasião e num contexto apropriado, como por exemplo deste «affair» de 1952:  “DC3 Affair” ou “Catalina Affair”.



[1] História do Século XX – 3º Vol, pág. 141. Dom Quixote, Lisboa, 1991.
[2] As Relações Internacionais Desde 1945, pág. 23/24. Edições 70, 2005.
[3] Atlas das Relações Internacionais. Pascal Boniface (Dir). Pág. 22. Plátano Editora- 3ªedição, Lisboa,2005.
[4] Teoria das Relações Internacionais, citada em www.iscsp.utl.pt/cepp. Consulta em 24/11/07.



 E as consequências da queda do muro, claro.
= Desmoronamento da Cortina de Ferro
= Reunificação da Alemanha
= Implosão da União Soviética (URSS)
= Fim do Bloco de Leste (Pacto de Varsóvia)
= Rússia
= Criação da CEI – Comunidade de Estados Independentes
= Implosão da Jugoslávia
= Guerra dos Balcãs
= Afirmação dos EUA como Hiperpotência - «Polícia do Mundo».
= O FIM DA HISTÓRIA E O ÚLTIMO HOMEM - Francis Fukuyama escreveu o “Fim da História e o Último Homem” no começo da década de 1990 (publicado em 1992), época em que o mundo atravessava uma séria crise ideológica. Depois de aproximadamente 70 anos de avanços, o socialismo começa a perder espaço político para a democracia e o capitalismo. O modelo capitalista, a democracia e o liberalismo económico aparecem como a melhor alternativa de sobrevivência para os países recém democratizados. Mais tarde disse que foi mal compreendido pela esquerda e publicou em 2006 «Depois dos Neoconservadores – A Encruzilhada Americana», no qual critica fortemente as políticas de GW Bush.
Redemocratização do Chile – Março 1990.
Realinhamento político e económico dos países saídos da órbita soviética (à exceção da Coreia Norte, Cuba e Vietnam).
Espaço africano (Angola, Namíbia, África do Sul, Moçambique)
                              Retirada cubanos de Angola – retirada sul africanos
                              Mas as «Guerras civis» prosseguem
Democratização dos PALOP (STP, Cabo Verde – inclusive na mudança do símbolo da soberania como a bandeira – GB); tentativas de paz,várias, em Angola e Moçambique.
Crise Asiática e Compasso de Espera no Movimento dos Não Alinhados – particularmente após a implosão da ex- Jugoslávia – Índia, Indonésia e Egito.
Não é tudo, mas é uma boa parte.
António Bondoso
Jornalista e Mestre em R.I.
Novembro de 2019.



2019-11-05


HONG KONG (II) – DE VENCEDOR ECONÓMICO A DERROTADO POLÍTICO? Ou de como a RP da China vai estendendo o seu manto de «império do meio» ou, se preferirem, de um milenar, ambicioso, paciente e calculado «imperialismo silencioso».


No Capítulo I, ontem publicado, apresentei-vos a Introdução de um breve trabalho académico datado de há 10 anos. Hoje apresento-vos a conclusão, sabendo que – pelo meio – ficam as evidências económicas e financeiras da (ainda) pujante RAEHK e muitas dúvidas políticas, nomeadamente sobre os preceitos da Lei Básica.  

         CONCLUSÃO

         Sendo inquestionável a pujança económica e financeira da Região Administrativa Especial de Hong Kong – RAEHK – apesar da presente crise, a questão das reformas políticas é vista com muitas reservas e tem sido merecedora de críticas. O impasse na instauração do sufrágio universal, tal como previsto na Lei Básica, não tem agradado à maioria da população, tal como à imprensa internacional, à União Europeia, a diversas ONG presentes no território e aos vizinhos de Taiwan. A “ilha” – o último elo da engrenagem para a unificação da mãe-pátria, formando o que os analistas económicos chamam de “Grande China” – esperava já ter conseguido maiores apoios para “impor” a sua experiência democrática no desenvolvimento do processo de reunificação. A expectativa criada com a criação das Regiões Administrativas Especiais no delta do Rio das Pérolas não teve ainda a expressão desejada.
         E, de acordo com um relatório do “Trade Development Council” já do ano de 2001 – citado em 2004 pela Agência Fides [da Congregação para a Evangelização dos Povos] – o debate sobre o futuro de Hong Kong         poderá estar centrado sobretudo no “suposto antagonismo com a cidade chinesa emergente de Xangai”. O documento do TDC dizia em 2001 que estava a difundir-se, entre os agentes locais, o temor de que Xangai pudesse ocupar o lugar como hub de primeira grandeza da região asiática. A cidade chinesa, de facto, tem crescido a um ritmo impressionante e – em 2010 – vai ser palco da grande EXPO.
         Contudo, a Agência Fides [cruzando informações das Câmaras de Comércio Italiano no exterior] afirma que Hong Kong goza de uma série de vantagens notáveis, relativamente à RPC – nomeadamente um sistema legal completo e operativo, um mercado livre e competitivo sem interferência do Estado – o que lhe permitirá conquistar o difícil mercado chinês. Mas esta evidência, não afasta por inteiro os temores relativamente à grandeza e imponência de Xangai.
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António Augusto Bondoso, Abril de 2009.
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António Bondoso
Novembro de 2019.