2020-11-25


O QUE FOI, ONDE ESTÁVAMOS, O QUE FIZÉMOS?

Falar do 25 de Novembro de 1975 ainda implica riscos de imprecisão histórica. Dizer por exemplo que esse movimento militar terá sido um 11 de Março ao «contrário». Não foi, certamente, pois as motivações devem ser enquadradas numa sucessão de acontecimentos plenos de anarquia social, política e militar. Era a «revolução»! Repare em dois documentos datados de Julho de 1975. 



E no final deste texto vou incluir um «link» que nos remete para um outro texto já escrito em 2013 e no qual pergunto “Onde Estava no 25 de Novembro?”. Por outro lado, talvez essas «imprecisões históricas» travem ainda – 45 anos depois – o estudo aprofundado da matéria nas escolas portuguesas. Mas o «estado da arte» é já suficientemente completo para permitir análises interessantes.

Contudo, prevalece a ideia de que AINDA É CEDO PARA, em termos históricos, definir os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. Diz-se muito, escreve-se muito, mas não tem sido fácil aceitar uma ideia concreta. Golpe, contragolpe, reposição do ideário do 25 de Abril de 1974, resposta da direita e dos «moderados» aos acidentes de percurso que foram os «desastres» da maioria silenciosa de 74, o 11 de Março de 75 e o verão quente de 75. Para aquilatar das dificuldades em saber, podemos dizer que tudo isto entra na equação, tal como as lutas pelo poder – quer no seio dos militares que, de formas distintas, não queriam trair a promessa de o devolver ao povo, quer na sociedade civil representada pelos partidos políticos, sobretudo pelos seus líderes mais carismáticos como eram Cunhal e Soares, sem excluir de todo Sá Carneiro. Imperativo é, igualmente, perfilar os militares com poder: Costa Gomes, Otelo, Rosa Coutinho, Fabião, Vasco Lourenço, Melo Antunes, Pires Veloso, Jaime Neves e Ramalho Eanes.

         Do Copcon ao Grupo dos Nove, dos spinolistas aos otelistas, da marinha ao exército, da reforma agrária às campanhas da 5ªdivisão, do MFA ao Conselho da Revolução, do cerco à Assembleia Constituinte à CAP de Rio Maior, Da descolonização aos «retornados», tudo é aproveitado para baralhar e dar de novo.

         Será interessante, por exemplo, seguir os passos da historiadora Raquel Varela, para quem o período que medeia as duas datas é marcado pela existência de poderes paralelos, concluindo que a democracia não é filha da «revolução» de Abril de 74. Daí terá nascido a «democracia direta», ao passo que a «democracia representativa» terá começado a ser construída em Novembro de 75. Começou, de facto, a ser construída aí, mas não se livrou imediatamente dos tais poderes paralelos, uma vez que o Conselho da Revolução se prolongou por mais 7 anos.

         Por outro lado, não podemos esquecer o significado de «revolução». Ela acontece quando, de facto, há mudança de regime. E o «regime», ou «regimes» se quiserem – como propõe Raquel Varela – sofreu alterações profundas depois do golpe militar de Abril de 74. Nesta perspetiva, talvez não se possa esquecer que a «democracia», prevista nos documentos do Movimento dos capitães e depois no programa do MFA – mesmo com todos os desvios e ziguezagues – começou a ser construída em 74.

          E seguindo o rasto do «operacional» de Novembro de 75, Ramalho Eanes, veremos que “no plano das convicções, foi política e militarmente igual o que me determinou no 25 de Novembro e no 25 de Abril: tudo fazer e tudo arriscar para restituir verdadeira dignidade nacional às Forças Armadas e, concomitantemente, devolver ao Povo o que só a ele, originariamente e sempre, pertenceu e pertence – o poder político soberano, a liberdade de construir democraticamente o seu verdadeiro bem-estar. O 25 de Abril e o 25 de Novembro limitaram-se, pois, a devolver a liberdade ao Povo, o senhorio soberano do seu destino”. Mas Eanes, num outro texto publicado em 2005 no JN, não deixa – de certa forma – de ir ao «encontro» da tese de Raquel Varela, escrevendo que «depois de realizado o objectivo comum de derrube do regime, é natural que tivessem emergido vários e até contraditórios projectos, e que aqueles que os defendiam os tentassem impor na sociedade. Nessa luta pela imposição de projectos, um bem definido quadro legal parademocrático em muito poderia ter contribuído para a pluralização saudável da sociedade civil. No entanto, essa definição não se fez. Na verdade, nem sequer, como se impunha, se procedeu à definição clara de um grande propósito colectivo, necessidade imperativa para a confirmação e operacionalização, obviamente de um novo regime, mas também da transição para o mesmo.» E lembra que, como militar do 25 de Abril e do 25 de Novembro, “direi que as Forças Armadas, apesar de tudo, cumpriram”.

         É isso mesmo. Como tenho dito sempre, não se condenem os «cravos». Também eu aderi à ideia e ao processo de Abril, também eu aderi e participei nos «acontecimentos» de Novembro – nessa altura como jornalista da EN no Porto, onde a Rádio «oficial» centrou a sua emissão nacional até à normalização do processo.

António Bondoso                                                                  

Novembro de 2020.

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ONDE ESTAVA NO 25 DE NOVEMBRO DE 1975?

https://palavrasemviagem.blogspot.com/2013/11/onde-estava-no-25-de-novembro-de-1975.html








 

2020-11-21

SÃO TOMÉ E O PRÍNCIPE ESPELHADOS NUM LIVRO COLORIDO…POR UM «OLHAR» DE NOVE CORES... 


SÃO TOMÉ E O PRÍNCIPE ESPELHADOS NUM LIVRO COLORIDO…POR UM «OLHAR» DE NOVE CORES – ou de como Rufino do Espírito Santo construiu uma obra poética plena de uma saudável «loucura», desenhando e entrelaçando palavras de beleza tropical num cenário de «bolas de sabão», das quais só as crianças sabem o verdadeiro significado. A «sabedoria dos adultos é cada vez mais questionável, como o autor recorda num provérbio santomense: - “se pretenderes viver com sossego neste mundo, terás de fazer-te de louco, e permitir aos outros acreditarem que são os sábios”[1].

         Para além do que escrevi no curto prefácio, que o autor gentilmente me solicitou, gostaria hoje de realçar dois ou três outros pormenores interessantes que Rufas Santo utilizou na construção deste “NOVE CORES DA BOLA DE SABÃO”. Na sua «Introdução», o autor explica detalhadamente a causa e o sentido de cada palavra, de cada ideia. Talvez tenha querido precisar a sua escrita para que não possam restar dúvidas, embora o poeta não tenha que explicar a sua poesia. Ela basta por si, está lá para ser decifrada pelos leitores. Ou como dizia Almada Negreiros, “não me obriguem a explicar nada do que eu digo”.

         Contudo, lembro que o livro está dividido em três partes, atribuindo o autor a cada uma delas – não por acaso – três cores. Na parte I, dedicada à «Insularidade», escolheu o verde (muitos verdes, dizem que são mil!) das ilhas, o azul dos céus e do mar da Lagoa Azul…e o amarelo – esta cor como que simbolizando, segundo a minha “leitura”, uma advertência a quem não tem feito o que devia, seja decisor ou cidadão comum. Por isso pergunta: “Que fazer destes filhos do coito interrompido por inação”? E por isso quer voar até “onde consiga ver o outro lado do mundo/ Conhecer onde se escondem os monstros/ Que atormentam as minhas noites…”. Nestas Ilhas de Kajumbi há também a cobra preta de viperinos silvos. Por isso quer “Que venha a chuva”, que venha muita chuva “para lavar as nossas lágrimas”.

         Não se colocando fora da equação, pois «admite falhas» em poemas espaçados, tal como as bolas de sabão, Rufas Santo abre a janela da excentricidade na Parte II. E aqui, joga com as cores vermelho, roxoranja e violeta. Por isso aparecem diversos “Quadros Na Parede”, espaçados pelas quase 200 páginas do livro, por isso o autor escreve sobre a Ilusão, sobre a Paixão e a Loucura, por isso fala do purgatório de Deuses e Demónios, da Noite da Queima dos Anjos e de uma “garrafa de vinho tinto de sempre”, sem esquecer a “lenha que alimenta essa chama”.

          A “Crioulidade” preenche a Parte III, merecendo uma reflexão sobre «nós – as pessoas», enquadradas pelas cores a preto e branco. É uma tradução incontornável da sociedade de STP. Por isso, o autor destaca ANASTÁCIA que, «cantando a insularidade, transporta numa bola de sabão a crioula origem». Por isso, Rufino do Espírito Santo pede também que VEJAM um crioulo olhar de fogo, a cobra preta e – ao alto – um «lenço branco/ Da cor do seu sorriso».

         Por último, quero assinalar o significado marcante das citações e dedicatórias que o autor revela nas suas páginas coloridas. E começa pelo princípio, isto é, pelas «mulheres». Quer às Mulheres do 19 de Setembro, quer a todas as Mulheres: “Para vós que não perdestes a força que a maternidade vos incutiu e a cada aurora vos levantais para dar o que não vos foi dado e para que não percais a força e a vontade de lutar”.  Por isso não esquece Inocência Mata e Conceição Lima – “essa alma rebelde das Ilhas do Meio do Mundo” e autora da Dolorosa Raiz do Micondó a quem presta homenagem particular. E depois aos Poetas das Ilhas do Meio do Mundo, tal como aos Artistas, aos Poetas de Sal e Sol, incluindo um recado para o Mestre Marcelo da Veiga e para Tomás de Medeiros. Por fim, uma dedicatória aos «anónimos das nossas ilhas», a todos dizendo: “Acreditem que esta é uma forma de agradecer os carinhos de amizade – Simplesmente”!

O livro, à boleia deste tempo de pandemia, ainda não foi publicamente apresentado. Mas já pode ser adquirido, quer através de contacto com o autor, quer por intermédio da própria editora “ Edições Vieira da Silva”. 



[1] - “Xi bô mêsê vivê ni mundo, sela bô finji malôkô, semple pla inem pô fla kuma inem soku sa bêtôdô” (tradução do autor na pg.70). Em «Forro» - língua maior de STP.  



António Bondoso

Novembro de 2020. 


 

2020-11-13

UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…neste ano da «Pandemia» de 2020, ou de como se «ensaia ao espelho». Provavelmente, não faria muito sentido, apesar da simpatia do número, nomeá-lo com a tradicional designação de «ano da graça de…», tão difícil tem sido a caminhada de «alertas, calamidades e emergências» devido à crise sanitária da Covid-19. Estranhamente, dirão alguns, tem sido um bom ano para publicar. 




Há já alguns dias publicitei aqui um novo livro e uma nova coleção de uma editora recente. Volto hoje ao tema para aprofundar um pouco mais a minha «leitura» de ENSAIOS DE ESPELHO, de Rui de Azevedo Teixeira.

Não o faço pelo facto de ser mencionado na obra nem tão pouco pela amizade que nos liga, sobretudo a partir de conversas sobre a Guerra Colonial, já lá vão uns bons pares de anos. A guerra – particularmente essa “guerra” – foi o tiro de partida para esta relação que me ofereceu o conhecimento de um homem de cultura vasta, de um Professor de competência reconhecida e, sobretudo, de um excelente conversador. De tudo isto à escrita, um passo natural. Tão natural como saciar a sede de partilhar conhecimento e ideias, componentes essenciais do seu ADN.

Sem pretender, também eu, produzir aqui um eventual “ensaio” ou mesmo uma breve “recensão”, direi apenas que nestes ENSAIOS DE ESPELHO há um casamento brilhante de textos que começaram por ser dispersos. O título é forte, à dimensão do autor Rui de Azevedo Teixeira. Quem o conhece sabe da sua escrita poderosa, enleante, tão dura quanto poética. E a «obra» é tão original quanto o nome da editora que a publica, «EDIÇÕES SEM NOME», e tão distinta e eclética quanto a “coleção” que ela inicia – Heteróclita & Guerra – da qual Rui de Azevedo Teixeira aceitou ser o coordenador. Não se estranha, portanto, que a guerra e o amor sejam dois dos tópicos mais em destaque nesta obra que termina, de forma original, com excertos de uma «arguição de doutoramento» sobre “O sujeito em Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e António Ferro”. Não me sentindo capacitado para comentar a temática da tese apresentada sob o título de «crise e superação no sujeito modernista», sempre me aventuro a responder à proposta que o arguente colocou ao autor Dionísio Vila Maior sobre a questão, várias vezes referida, do homem superior:- “O que é o Homem Superior para Pessoa, Sá-Carneiro, Almada e Ferro? Tentando perceber as personalidades diversas mas, em simultâneo, reveladoras de uma conjugação narcísica e de talento exaltado, esse “homem superior” vive no íntimo de cada um deles, cabendo-lhe defender acerrimamente as ideias e a doutrina da “arte pura” e da “liberdade formal”. No fundo, modernistas e futuristas, são eles que sabem fazer e viver o momento presente e futuro.

De outro modo, como disse, são o amor (Meu Amor era de Noite, de VGM; Adeus Princesa, de CPC; ou o Amor (Im)possível, de FTR) e a guerra[1] a dominar a compilação de textos espaçados no tempo, quer soltos, quer de teor académico. Da literatura de e sobre a guerra à crítica cinematográfica – igualmente de temas bélicos – esta obra de Rui Teixeira passa também por ensaios biográficos (nomeadamente Hemingway, Alpoim Calvão e Jaime Neves) e pela crítica literária, onde se destaca o que o autor designa como o «núcleo canónico»: Carlos Vale Ferraz, Lídia Jorge e Manuel Alegre.

É precisamente Manuel Alegre que está presente no seu texto POESIA, SAUDADE E QUINTO IMPÉRIO[2], destacando em Jornada de África a «superioridade da poesia e a ideia de Portugal (e do mundo que o português moldou), na qual triunfa a saudade». Partindo desta “Jornada” e da obra Mayombe, de Pepetela, Rui de Azevedo Teixeira elabora também uma «interleitura, com aproximações e afastamentos».



[1] - «A guerra é o reino dos abismos do pavor e dos cumes do heroísmo, da dor de ser ferido e do prazer de matar, da solidão sem ranhuras e do esprit de corps, da humilhação da derrota e do êxtase da vitória» (Pgs 32 e 33).

[2] - Publicado na Revista Visão, coleção Estante Visão/Dom Quixote, 26.6.2003.



Não querendo alongar demasiado, não posso terminar sem deixar um abraço grato a Rui de Azevedo Teixeira pela bondade de me ter incluído neste seu trabalho, publicando o prefácio ao meu livro Tons Dispersos (Vega, 2003), dedicando o texto a Vasco, José e Carlos de Azevedo Teixeira. Sob o título de «A saudade da Viagem Portuguesa», o «Rui» escreve no seu prefácio que os «lugares amados (alguns detestados) de Portugal e do Império», presentes em Tons Dispersos, «ganham a densidade de espaços literários porque o poeta dá a cada um deles um espírito do lugar, tira da maioria deles portuguesíssimas saudades e transmuda em alguns parte da substância poética, que não a ideológica, de António Manuel Couto Viana».  

António Bondoso

13 de Novembro de 2020.