Tal como milhões de pessoas em todo o mundo, interessei-me e assisti emocionado ao desenrolar da brilhante e eficaz operação de resgate dos mineiros chilenos, presos durante 69 dias a mais de 700 metros de profundidade.
A história foi sendo conhecida e relatada ao longo deste tempo e, por isso, não será ela o objecto deste meu apontamento.
Confesso que, apesar de inusitadamente emocionado, não era minha intenção escrever o que quer que fosse – correndo o risco de acrescentar outras banalidades à globalizante, massificante e perigosamente uniformizante catadupa de notícias. Embora em menor escala – eventualmente uma circunstância feliz – os media nacionais não deixaram de copiar praticamente todos os grandes colossos da comunicação social internacional. Mas igualmente não será este o motivo das minhas palavras aqui, talvez com uma excepção. Não resisto a salientar o que considero ser um infeliz pormenor num comentário que ouvi numa estação de referência da TV portuguesa. No meio de tanta emoção, de tanta informação técnica sobre a operação de salvamento dos mineiros, no meio de uma espiral de solidariedade internacional que o drama havia produzido – eis que um jornalista saca da sua “caxa” : - os mineiros vão defrontar-se com uma série de problemas, sendo preocupante a forma como terão que lidar com as suas amantes ! Ponto final parágrafo !
Mas o que me empurrou para a crónica, foi ter recebido pela manhã uma pequena mas profunda mensagem do meu caro amigo Jorge Bento. Transbordando felicidade e humanidade, dizia ele que a operação se tratou de uma extraordinária performance humana, sublimadora e transcendente de tanta coisa baixa e mesquinha que ainda tolhe os passos da tentativa de elevação da Humanidade. Elevemos os olhos ao céu e sonhemos outra realidade !
E então lembrei-me do Chile ! Do actual país numa via de consolidação democrática e que foi capaz de gerar toda esta onda de solidariedade internacional... mas sobretudo do seu ainda recente contraponto – o Chile da ditadura que Pinochet instaurou a 11 de Setembro de 1973 com o apoio da política externa dos EUA.
E rapidamente alcancei as histórias que o resistente dissidente Luís Sepúlveda brilhantemente nos conta na sua obra de grande alcance, tendo igualmente como pano de fundo de alguns dos seus textos os mineiros chilenos alvo da repressão. Como por exemplo neste “O General e o Juíz”, no qual aprendi o massacre do exército em 1907 em Iquique. E recordei também dois episódios da ditadura recente – o que Sepúlveda descreve como fazendo parte da ininterrupta história infame da infâmia.
1967 – Ao tempo do Presidente Eduardo Frei (pai), também no deserto de Atacama, sufocada greve dos mineiros de El Salvador em luta por melhores salários. Ataque do exército provocou oito mortos, que os jornais da época consideraram agitadores.
1968 – Cidade austral de Puerto Montt, um grupo de famílias sem casa ocupou a fazenda abandonada de Pampa Irigoin, construindo aí barracas de madeira e cartão. Ataque do exército provocou onze mortos. Justificação :- os militares haviam reposto a ordem e o respeito pela propriedade.
Para além de nunca se ter efectuado uma investigação, nunca se mencionou que o responsável pela execução dos dois massacres foi Augusto Pinochet.
Felizmente há um Chile novo que nos permite sonhar outra realidade, como sublinhou Jorge Bento. E que permite novas reflexões à leve - mas profunda - escrita de Luís Sepúlveda neste "A Sombra do que Fomos".
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