2021-07-29


 Entre a «pandemia» e o drama dos doentes da Junta Médica, a Mén Non – Associação das Mulheres Santomenses em Portugal – vai vendo crescer os resultados da sua década de existência e, simultaneamente, a responsabilidade dos projetos que tem em mãos, como a realização do seu 3º Congresso, a 19 de Setembro, e a consolidação do desejado Amolê Pedaço (ou Pedasu) – alargando o «Espaço Alda Espírito Santo» no Bairro do Padre Cruz, na zona norte de Lisboa. 

         Entretanto, de acordo com a Presidente Fatinha Vera Cruz, a Mén Non vai concentrando atenções na sua «Feira do Livro», a décima edição – mais uma vez online devido às restrições impostas pela pandemia – na qual estão representados 117 autores, o maior número já registado, entre santomenses e/ou seus descendentes e autores de outras nacionalidades que têm escrito sobre S. Tomé e Príncipe em particular ou sobre África em geral. Apesar de tudo, a iniciativa «online» leva vantagem sobre a presencial, uma vez que proporciona contactos com grande número de países. O ano passado resultou. 



A «Mén Non», que congrega 400 associados – embora a pandemia tenha vindo a “desviar” alguns – desenvolve, como é sabido, outras atividades, demonstrando uma dinâmica de louvar. Ao mesmo tempo que prossegue a sua campanha de sensibilização contra a violência e maus tratos às mulheres – apesar da falta de alguns apoios que possam ajudar a concretizar as iniciativas no «terreno», os dados que mais preocupam chegam de S. Tomé e Príncipe. Para ajudar, necessitam do apoio dos média no país, de modo a promover debates e conversas que atinjam vastas camadas da população. O objetivo é abandonar um pouco as redes sociais digitalizadas. Gostariam que a Rádio e a Televisão públicas se envolvessem mais. É preciso mudar mentalidades e as leis no país.

         Uma outra ação sistematizada é a angariação e distribuição de bens alimentares, sobretudo aos doentes da «Junta Médica» que atravessam dificuldades de vária ordem em Portugal.

         Há ainda outros projetos em preparação, nomeadamente o da consciencialização para os Direitos Humanos das Mulheres; a continuação do sucesso que foi a publicação de «Histórias e Contos Tradicionais Santomenses», agora pensando na edição em outras línguas de STP, como o «lunguiê» no Príncipe e o «anguené», na região de “Angolares”. 



         Voltando ao projeto de maior envergadura, o Amolê Pedasu, que conta com um financiamento da EU a 3 anos, está previsto desenvolvê-lo em 3 localidades do norte de Lisboa: Ameixoeira, Galinheiras e Charneca do Lumiar. Não é um projeto apenas para santomenses, pois abrange migrantes de outras nacionalidades. O objetivo é conseguir refeições diárias para 50 famílias. E, repito, abrange o tal espaço de homenagem a Alda Espírito Santo, a funcionar para já numa sala cedida pela Câmara Municipal de Lisboa, num edifício do Bairro do Padre Cruz.

António Bondoso

29 de Julho de 2021. 









 

2021-07-14

S. TOMÉ E PRÍNCIPE – um «quadro pintado para todas as cores» em tempo de eleições presidenciais. Ou as respostas que não chegaram!



Mil quilómetros quadrados, 200 mil habitantes, 120 mil eleitores, 19 candidatos = 3 mulheres e 16 homens!

         De todos estes, conheço apenas dois há muitos anos. Dos tempos de juventude vividos nas ilhas: Posser da Costa e Carlos Neves. Dos outros, apenas as referências do cotidiano, particularmente notícias relacionadas com a atividade pública de cada um ao longo dos anos.

         Sobre Posser, devo dizer que tenho um grande respeito pela memória de seu pai – o velho Celestino – uma figura querida de muitos jovens santomenses – particularmente nas décadas de 1960 e 1970 – ao serviço do desporto, quer no Benfica de S. Tomé, quer no Ginásio. Confidente e mentor dos jovens sobretudo praticantes de andebol, basquetebol e voleibol, Celestino Costa foi senhor de boa educação, bom senso, de um trato irrepreensível. Respeito igualmente a memória do seu irmão Celestino, o primeiro-ministro que conduziu a transição para o multipartidarismo entre 1988 e 1991.

         Sobre Carlos Neves, há uma amizade consolidada há muitos anos, quer seja no tempo em que desempenhou as funções de embaixador em Portugal, quer seja no período da mudança, no qual desempenhou papel preponderante na eleição presidencial de Miguel Trovoada, quer ainda nas conversas frequentes para ir acompanhando a situação política no país – nomeadamente no «golpe» de 1995, estava eu em Macau. Para além disso, e não é pouco, há também a circunstância de Carlos Neves ser tio da minha prima Carla, filha do meu primo Beto – entretanto já falecido – e que foi guarda-redes no Sporting de S. Tomé durante alguns anos. 

         Se gostaria que algum deles viesse a ser eleito? Claro que sim. Mas já lá irei. É ponto assente que não será fácil, perante uma sociedade altamente bipolarizada e condicionada pelas mais diversas razões, uma das quais está já enraizada – o tradicional «banho», traduzido em benesses várias como por exemplo o “djêlu” ou “jêlu”. «Vemos rios de dinheiro cuja proveniência se desconhece», disse há dias a jurista Celisa Deus Lima, citada pela DW. Outras notícias, ou melhor, rumores [o País é pródigo em boatos desde há séculos], especulam com dinheiros que poderão ter origem na venda de terrenos para a tão polémica e já muito contestada plantação de canábis.

Mas, por agora, detenho-me na ideia de que – numa perspetiva de buscar algum esclarecimento sobre o pensamento de futuro para o país – propus a cada um deles tópicos para uma pequena entrevista. Se Carlos Neves foi pronto a responder, e a entrevista foi publicada no meu blogue no dia 1 de Março [pode consultar no link abaixo], já Posser da Costa entendeu não dever responder. Prometeu e repetiu…mas falhou sempre. E apenas por uma questão de ética não coloco aqui as perguntas que formulei em Abril ao candidato Posser da Costa.

Deixo à consideração de quem vota. 



António Bondoso





 

2021-07-13

VIAGENS COM REGISTO

A «iliteracia» dos comboios…e outras pequenas coisinhas



Os comboios, esses circulantes que vagueiam de forma estranha, à inglesa, pela esquerda, igualmente com uma estranha numeração das carruagens, o que tem certamente a ver com o sentido da marcha do comboio. E também a numeração dos lugares, de forma bem visível, a indicar ou à janela ou do lado do corredor. Pois há pessoas que, nem com o desenho, sabem respeitar o lugar. “O meu é o 27” – dizem, com ar de toda a certeza, apesar de estarem a ocupar o 25, correspondente à janela. Não vale a pena argumentar…ou haverá muito provavelmente uma cena de peixeirada. E lá vamos, na marcha, ora em velocidade ora mais lentamente – se é um Alfa Pendular ou apenas um Intercidades, observando, por exemplo, a utilização generalizada de WC destinados a pessoas com deficiência. 



         Ou ainda aqueles passageiros/as que demoram uma eternidade a comer um pequeno pacote de batatas fritas…aproveitando toda a viagem para uma ausência de máscara ou usá-la por baixo do queixo. E o gesto de lamber languidamente os dedos da mão esquerda, provavelmente para que não se perdesse a mínima pitada de sal. Por fim lá volta a máscara, tendo todo o cuidado em deixar o nariz de fora, seguramente à espreita do contágio.

         E o tempo e a viagem mudam a paisagem. E foi o rio e os pinheiros, oliveiras e olivais, e as vinhas – claro – sem esquecer as hortas. Até que chegamos à agradável paisagem da orla costeira de Espinho e de Vila Nova de Gaia, depois de passar o «Bazófias» e o cheiro de Cacia. É tempo de encher os olhos com a barroca beleza dos antigos palacetes dos «torna viagem brasileiros». Não apenas, claro, mas sobretudo. 



         E antes de sair nas «Devezas», ainda tempo para ouvir a simpatia do «picas» a avisar um septuagenário casal de que, chegando a Campanhã, deveriam mudar de comboio para chegar a S. Bento.

António Bondoso

Julho de 2021.   









 

2021-07-11

A SUBSTÂNCIA “ATÍPICA” de “O MEU PAÍS DO SUL”…de António Bondoso, quando S. Tomé e o Príncipe assinalam 46 anos de independência. 



O livro «nasceu» no Auditório da UCCLA ao princípio da noite de sexta-feira passada.

As emoções e a saudade falaram muito forte, mas não quero que fique a ideia de ter sido «cortado» todo o primeiro plano do texto, como aparentemente transparece em alguns escritos. Os quais, no entanto, não deixo de registar com muita satisfação e reconhecimento. 



Mas, talvez sob o efeito contagiante da alegria que o Tonecas Prazeres colocou nas suas intervenções musicais ou da voz autorizada e vibrante da Regina Correia ao dizer alguns Poetas santomenses…talvez quem tenha participado na sessão da UCCLA não tenha retido ou tenha deixado passar ao lado alguns aspetos essenciais da intervenção do apresentador Abílio Bragança Neto.



Em «primeiro plano» o que disse o Abílio?

Que é um livro de “memórias atípicas” de um homem que se propõe – também ele – atípico, e sem dúvida um «nacionalista tranquilo», embora não constitucionalista.

E disse também que o livro é uma «tentativa de resposta identitária contracorrente», do autor, deixando perceber «como pode ser heterodoxa uma compreensão da nacionalidade em muitas pessoas». Nesta linha de pensamento, Abílio Bragança Neto cita a frase do autor que suporta a “Introdução” «…quem sou e o que nunca serei no meio de tanta gente ilustre», «o que leva a compreender a heterodoxia da sua Santomensidade».

Outra perspetiva que o sensibilizou foi o «condão de refletir o país» plasmado na obra, nomeadamente a relação com a cidade de S. Tomé que apresenta um futuro preocupante: “estamos a desistir daquele espaço”, salienta Abílio, acrescentando que “não existe uma visão daquilo que a cidade pode ser e não existe ninguém a pensá-la”. Por isso, diz ainda, “estamos obrigados, todos, a pensar o que fazer dela, refazê-la, para que ela tenha efetivamente futuro”. É fundamental reaver uma cidade orgulhosa da sua dignidade e alegria.

E depois o «Livro 2», a segunda parte da obra – Uma Ilha Coração! Disse Abílio Bragança Neto que é uma magnífica fábula, construída à volta de uma tartaruga e de um golfinho, que acompanharam o autor no seu regresso ao país – ideia inspiradora para criar uma narrativa para a promoção do turismo de STP. Uma visão política de futuro, excelente para «vender» o turismo, a Biosfera, a Ecologia, uma ideia tranquila e sustentada do país. 



Como tenho dito sempre, «a beleza do silêncio de um pôr-do-sol…é diretamente proporcional ao deslumbramento do vigor de um sol nascente.»

Seguindo a Sinopse do livro e carregando as palavras de José Carlos Ary dos Santos...direi que «Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram». A mais sentida sessão de apresentações de livros meus aconteceu ali. E foi bonito participar, e foi bonito de ver e de ouvir. Mesmo em tempo de «pandemia».

 


“O MEU PAÍS DO SUL” é, assim, um conjunto de textos escritos ao sabor do tempo e dos ventos e que agora entendi partilhar [acrescidos de algumas ideias de outros «pensadores»], despidos de qualquer «complexo de colono» mas plenos de um autêntico sentimento de pertença, no sentido de refletir e de provocar reflexão sobre as realidades do país.



De registar o destaque dado a algumas grandes figuras das letras e das artes de São Tomé e Príncipe, nomeadamente Francisco José Tenreiro - no centenário do seu nascimento e nos 60 anos da publicação de “A Ilha de S. Tomé”. Valorizado igualmente o rio Água Grande, que divide a cidade capital e nos oferece a perspetiva das antigas vivências das elites e dos «colonos de segunda» em cada uma das margens. No meio da História e das questões políticas que cercam o colonialismo, a descolonização e a conjuntura da independência, ressaltam a Cultura - do ensino/educação às Línguas, como sustentáculo da economia - e a Saúde. E depois, uma viagem contada ao pormenor à volta da ilha Grande e nesse mar que nos conduz, à margem do petróleo, às mais belas praias do mundo na ilha o Príncipe.

Julho de 2021

António Bondoso


2021-07-03

 

VIAGENS COM REGISTO

O Comboio das 08.37

 

VIAGENS COM REGISTO

O Comboio das 08.37

 

Por tuneis abertos e fechados, o comboio das 08.37 circula, rançoso e esperançoso em chegar ao fim da viagem. A esperança chega-lhe da paisagem deslumbrante de verde e cinza ao amanhecer, mesmo com o sol já a aquecer. Torga diria, do alto de Galafura ou de S. Salvador do Mundo «O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir». De facto, um “excesso de natureza” nas duas margens do rio, quer antes, quer depois das barragens, apesar de muitos gostarem mais da antiga força revolta do Douro. 



         E quando a paisagem do rio termina, aí por alturas do Juncal, quase desaparece o encanto. «Não tendes olhos para o dionisíaco esplendor que vos cerca», escrevia João de Araújo Correia no seu “Sem Método – notas sertanejas” de 1938. Não fora a terra e o verde do arvoredo ou as hortas de subsistência de um povo que não verga ao infortúnio de ter sido mal nascido neste «sítio» mal frequentado como dizia Almada. Esse esplendor só volta a encontrar-se naquele curto trajeto entre Campanhã e S. Bento. É o Douro em toda a sua pujança, antes da Foz, onde abraça o oceano imenso. Fica para trás o comboio das 08.37 e o silêncio da viagem, antes do regresso ao coração do rio e da paisagem. A cidade grande engole por algumas horas toda a magia embriagante. 



Julho de 2021

António Bondoso