2021-02-24

DAS GUERRAS E SEUS EFEITOS...


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DAS GUERRAS E SEUS EFEITOS…ou de como o Homem, com o seu sentido de predador nato, sempre utilizou a força e a barbárie para obter poder. A guerra é a minha pátria – diz Pierre Drieu La Rochelle; a guerra é sobretudo sofrimento, segundo Robert Fisk; a guerra é a grande experiência, escreve Almada. Ou, seguindo a «escrita da guerra» que nos oferece Rui de Azevedo Teixeira, no seu recente “Ensaios de Espelho”, «A violência é parte da raiz do homem; a tendência para a agressão é, tal como a pulsão erótica, parte da essência do homo sapiens, como já o fora do proto-homem, tão bem estudado por Raymond Dart». Teixeira cita mesmo uma expressão de Freud, segundo a qual a guerra mostra o que a civilização tapa.

Numa perspetiva diversa e com oportunidade – já que muito se tem falado de guerra nos últimos tempos em Portugal – a RTP2 exibe, a partir de hoje, um documentário com o qual se pretende dar a conhecer aspetos particulares da violência da II Guerra Mundial. Ali se ouve, por exemplo, que as guerras nunca acabam e que «o inferno começa quando a guerra termina e dura toda a vida». Só por si, não deixa de ser uma frase de extrema violência, proferida por uma mulher norueguesa que foi obrigada a procriar com um soldado alemão durante a ocupação nazi. E foram entre 30 a 50 mil as mulheres nessa situação, tendo ficado conhecidas como “garotas alemãs”. Humilhadas e violentadas no final da guerra, só em 2018 viram o seu governo pedir desculpas pelo tratamento vergonhoso a que foram sujeitas.

Mas, continuando a citar Teixeira…«assim como a água não tem forma permanente, não existem na guerra formas estáveis», ensina o primeiro dos grandes estudiosos da guerra Sun-Tzu. E prossegue, agora com Pessoa, para quem – com a guerra – passa «a ser legítima a solução animal das questões».

Por outro lado e contextualizando os primeiros anos do século XX, mais precisamente 1917, uma breve referência ao «Ultimatum Futurista» de Almada Negreiros, no qual se faz a apologia da guerra: “Ide buscar na guerra da Europa toda a força da nossa nova pátria. (…) A guerra serve para mostrar os fortes mas salva os fracos. (…) É na guerra que se acordam as qualidades e que os privilegiados se ultrapassam». Depois, com a barbárie da II Guerra e de todas as guerras que foram enchendo o globo – concretamente a guerra de África ou Colonial – talvez Almada tivesse escrito um outro «ultimatum».



Foto da Web
 António Bondoso

Fevereiro de 2021.


2021-02-11

 SEI DO TEMPO E DO VENTO…



Foto de A.B. 

Não preciso que os “ventos” me venham contar uma História. Não preciso que os ventos me tragam uma “nova” História. Não preciso que o “tempo”, o tempo dos “manipuladores do tempo”, me traga novas histórias, reescritas ou reinventadas. Apesar de tudo aceito histórias “recontadas”, pois sei, à partida, que, quem conta um conto, acrescenta um ponto. Por isso, saberei descontar os pontos.

         Sei de muitas histórias da História. Sei de António Hespanha, António Sérgio, Borges de Macedo, Carlos Neves, Cortesão, Fernando Rosas, Godinho, Herculano, Mattoso, M’Bokolo, Oliveira Marques, Reis Torgal, Rui Ramos, Saraiva ou de Veríssimo Serrão. E sei de António Borges Coelho, que disse que «O historiador é um manipulador do tempo. Prende-o num campo ou castelo de palavras. E qualquer um o desperta da mortalha das letras…Mas verdadeiramente não é o tempo que prendemos mas tão-só os acontecimentos – sinais gravados noutros sinais». Em O tempo e os homens. Questionar a história III. Lisboa, Editorial Caminho, 1996, p.13.[1]

Sei do meu tempo e do tempo de muitos outros antes de mim.

Sei do tempo em que cheguei, do tempo que percorri e sei dos ventos que me têm «empurrado» até ao presente. E sei dos ventos que vão soprando e das razões que os movem. E sei que, a cada investigação, se reportam quase invariavelmente as mesmas «fontes». Basta ler as “notas” ou as “citações” de referência no final de cada obra. E aí, como diz António Borges Coelho, «desperta-se o tempo da mortalha das letras». Um tempo diferente, interpretado e reinterpretado, de acordo com a direcção e os objectivos pretendidos à luz de um tempo outro. Fica sempre bem uma “leitura” oportuna…ou oportunista! De acordo com os ventos que sopram! Mas, em boa verdade, a essência dos factos está – não deixa de estar – nas fontes consultadas. Independentemente dos períodos de maior ou menor «nebulosidade». Quer se fale do «nascimento» de Portugal, quer se escreva sobre a epopeia dos Descobrimentos. Quer se fale dos impérios, da colonização ou da descolonização. Aliás, sobre este último tema, a RTP1e 2 passaram recentemente dois excelentes espaços de investigação e de conhecimento. https://www.rtp.pt/play/p8429/decolonisations.

         Sei do tempo e do vento…embora não possa saber tudo! Ninguém sabe. Mas procuro, embora – honestamente – não consiga criticar quem o não faça. O que não consigo deixar de criticar é a arrogância com que se…critica!



[1]-http://cm-pvarzim.pt/biblioteca/download/Procurar_a_luz_para_ver_as_sombras_Antonio_borges_coelho.pdf. Uma publicação da C.M. de Vila Franca de Xira e do Museu do Neo-Realismo, com edição de Sílvia de Araújo Igreja – Procurar a Luz para ver as Sombras – 2010.  



Foto de A.B.

António Bondoso

Fev. 2021

2021-02-06

CABO VERDE – 30 ANOS DE «MUDANÇA»…ou de como um jovem quadro ajudou a erguer o MPD (Movimento Para a Democracia) e a levar o “jovem” Estado africano a «um momento sublime e de grande exaltação». Hoje, Carlos Veiga diz candidatar-se pela terceira vez ao cargo de Presidente da República, acreditando no futuro, na juventude mais preparada e com a certeza de que «pode contribuir para o desenvolvimento humano e inclusivo da nossa Nação. E, se posso…devo! A tarefa é de todos!» sublinha este político de Cabo Verde ao Blogue “Palavras em Viagem”, de António Bondoso: 



Carlos Veiga (foto da Web)

A.B. – Dr. Carlos Veiga, a «Mudança» de há 30 anos não foi apenas um momento histórico.

1.     A “Mudança” foi, de facto, um momento decisivo. A pressão externa foi importante e o regime de partido único percebeu-o. Cabo Verde era dos países que mais APD recebia dos “doadores” e sabia que tinha de “abrir”. Mas a Mudança que ocorreu ultrapassou de longe a “abertura” prevista pelo regime. A sociedade cabo-verdiana mostrava então abertamente o seu descontentamento com o status-quo  e, através de um grupo crescente de jovens quadros e activistas,  mostrou que queria mesmo uma mudança de regime e não a tímida abertura “oferecida”. Queria uma democracia verdadeira e mostrou-o  através de propostas claras e consistentes, contrárias às do regime, manifestando-se pacificamente nas ruas, com crescente apoio popular, ao mesmo tempo que se disponibilizava para discutir as suas propostas com o Poder, pacificamente.  O momento era sublime e de grande exaltação. Ninguém do grupo pensava no “medo” ou na sua segurança pessoal. O momento era aquele! O apoio popular era crescente. A palavra de ordem “medo dja caba” (o medo acabou) espalhou-se amplamente  e com entusiamo em todas as ilhas, mesmo naquelas em que a repressão foi mais intensa. Por isso, nunca tememos pela nossa segurança pessoal. Tínhamos a clara consciência de que, naquele contexto internacional e interno, o regime estava fragilizado e tinha pés de barro. 

A A.B. - Mas acredito não ter sido apenas um momento histórico. Ele foi mesmo fundamental para o desenvolvimento de Cabo verde?


2.     A Mudança foi fundamental para o objectivo do Desenvolvimento que é o desafio actual da Nação cabo-verdiana. Não há desenvolvimento sem democracia. Em Cabo Verde isso é, hoje, uma evidência. O desenvolvimento humano trazido pela democracia não tem comparação com a situação vivida sob o partido único. Foi também a democracia que trouxe efectivo crescimento económico. Em 1991 o crescimento era zero; em 2001 atingiu cerca de 8% em média quinquenal; de 2016 a 2019 a economia cresceu de zero para 6%.A COVID19 deitou tudo abaixo, mas as perspetivas de crescimento estão aí, com Cabo Verde no ranking da frente em África.



Carlos Veiga e o seu Governo - o 1º da II República

A.B. - Trinta anos depois da «onda da mudança», não será estranho ouvir ainda dizer-se que as pessoas têm medo de falar, de criticar, de escrutinar?

 

1.   Basta entrar nas redes sociais, ler os jornais, ver as televisões, estar no meio de pessoas, e, ainda ver os rankings internacionais sobre liberdade de expressão para concluir que os cabo-verdianos hoje não têm medo de se exprimir. Fazem-no abertamente. Que alguns afirmem o contrário é normal mas não representativo. Normalmente têm motivações outras, sobretudo “politiqueiras” ou do foro laboral, que não o medo de falar na generalidade das situações de vida. Claro que ainda existe deficit de cultura democrática, mas nada de muito diferente do que ocorre em outras nações mais desenvolvidas.

A A.B. – Em qualquer caso, Dr. Carlos Veiga, a sua popularidade – ou pelo menos o seu carisma – não diminuiu, embora tivesse perdido duas eleições presidenciais para o mesmo adversário, Pedro Pires.

 

2.   Quanto às presidenciais 2001 e 2006, acredito que, na realidade, não  as perdi. Ganhei em ambos os casos nas ilhas e perdi nas comunidades. Por culpa própria, sobretudo no plano da organização do aparelho de campanha. Em 2001 oficialmente perdi por 12 votos. Seis meses depois, pessoas foram condenadas e cumpriram prisão por fraude nessas eleições, relativamente a dezenas de votos falsos introduzidos nas urnas. Mas isso é passado e agora estou a olhar para o presente e para o futuro. Creio estar hoje melhor preparado para contribuir, como supremo magistrado da Nação, para que ela sinta o desenvolvimento como coisa sua, de que tem o direito a ambicionar e para que tem o dever de comparticipar.

A  A.B. – 30 anos depois desse combate pela democracia, com o MPD…parece não estar cansado da política. E é agora de novo candidato. O que o faz pensar que à «terceira» será de vez? Uma avaliação mais ponderada de eventuais opositores, ou sente que o PAICV está em declínio, com a liderança «esgotada»?

 

3.    A minha candidatura não está ligada ao estado actual dos partidos políticos. Como democrata considero que os partidos políticos são essenciais para o funcionamento das democracias. Mas não dependo deles para a minha candidatura. Claro que qualquer candidato presidencial, por definição apartidário, deseja o apoio dos partidos e de outras organizações da sociedade. Não sou exceção: desejo ter apoios partidários e de organizações da sociedade civil que se revejam na minha candidatura, que é ´verdadeiramente apartidária. Candidato-me, independentemente das posições dos partidos sobre a minha candidatura, porque me julgo capaz de desempenhar bem o cargo presidencial no contexto actual, acredito no presente e no futuro do meu país, sobretudo numa juventude bem preparada para enfrentar o mundo global e digitalizado do século XXI, tenho orgulho na minha nação e julgo ter a simpatia e o apoio de milhares de cabo-verdianos nas ilhas e nas comunidades, pelo que fiz, pelo que sou hoje e pelo que posso contribuir para o desenvolvimento humano e inclusivo da nossa Nação. E, se posso, …devo! A tarefa é de todos!

A  A.B. – E o MPD? É apenas um «filho» que deixa para trás ou sente que o Partido já não o apoia?

 

4.   O MpD está bem servido com o seu líder atual, o seu programa politico mantem-se o mesmo e está perfeitamente adequado aos desafios do presente e do próximo futuro. Tenho muito orgulho em ter participado na sua criação e desenvolvimento. Considero que é indispensável e fundamental para Cabo Verde. Mas o meu tempo no ativo dentro do partido já passou, normalmente. A grande maioria dos militantes e dirigentes desse partido continua a rever-se na minha pessoa e acredito que estará a apoiar-me nas próximas presidenciais. O PAICV é um partido histórico em Cabo Verde, representa uma parte significativa do povo cabo-verdiano. O mesmo com a UCID. Os partidos mais novos representam novas tendências que emergem na sociedade cabo-verdiana, uma sociedade viva, vibrante, dinâmica e intensamente plural, como ´desejável. Como Presidente trabalharei com todos os partidos e procurarei promover o indispensável consenso entre eles, sempre que o bem comum o exigir.

A  A.B. – Nos «limites» da Constituição do país, em que aspectos é que o PR pode fazer a diferença? Os anteriores Presidentes cumpriram…ou pensa que poderiam ter ido «mais além»?

 

5.    O Presidente não é o executivo, mas o moderador do sistema democrático, com um papel muito relevante de influenciador desse mesmo sistema e da sociedade no seu conjunto. A Constituição é a grande arma do Presidente, pelos poderes que ela lhe dá, mas também e quiçá mais importante, pelas orientações estratégicas precisas que ela estabelece para a generalidade dos aspectos da vida dos cabo-verdianos. A medida em que tais orientações forem efectivamente usadas pelo Presidente da República para influenciar no sentido do bem comum, nas suas relações com as demais instituições da governação e na sua relação com a sociedade, e se transformarem em realidade sentida pelas pessoas na sua vida corrente, por efeito da acção presidencial no quadro constitucional, marcará a diferença feita por cada Presidente. Penso que os Presidentes anteriores cumpriram, no geral. Mas é sempre possível fazer mais! É assim que o progresso acontece!




Carlos Veiga (foto da Web)

No geral, a minha opinião é que o sistema implantado há 30 anos vai relativamente bem. Claro que, como todas as democracias, precisará sempre de aperfeiçoamentos. Existe também um real deficit de cultura democrática, sobretudo em muitos atores políticos, mas o povo, na sua generalidade, revela uma crescente apropriação dessa cultura, sobretudo votando de forma muito madura.

A.B. – Muito grato, Dr. Carlos Veiga. Foi bom ter testemunhado esse momento de «mudança» de há 30 anos, sobre o qual disse ter sido “Sublime”! Felicidades.