2020-12-31

SE O NOVO ANO VIESSE DO CÉU

Ant. Bondoso

SE O NOVO ANO VIESSE DO CÉU

Se a viragem do ano transportasse em si mesma o valor absoluto do bem-estar e da justiça, seria como que um momento perfeito da humanidade.

Contudo, é muito complicado este mundo habitado por humanos!

Desde o início dos tempos sempre a pesar a vida e a morte, matar ou morrer, viver e sobreviver, a pobreza e a riqueza, a alegria e a tristeza, o belo e o feio, o mal e o bem, a felicidade e a miséria, o poder e a submissão, o pecado e a graça, a mentira e a verdade, a dúvida e a certeza, a traição e a lealdade, o amor e ódio, o perto e o longe.

Por isso me tenho interrogado inúmeras vezes se haverá um tempo justo.

Não sei se o tempo existe nem sei se haverá tempo para isso. Uma dúvida existencial como tantas outras, uma questão filosófica talvez – ontológica certamente e quase a confundir-se com a metafísica. O tempo não é velho nem é novo – recordando o que há dias escrevi a propósito de uma ideia “abadesca” situando o paradoxo do Natal (como tempo de nascer) e da morte (igualmente tempo de nascer numa ou para outra dimensão). Neste ponto…é a Fé a sobrepor-se. Como que uma retórica de conforto em tempo de dor. Mas nestes tempos de crise – o que é realmente importante é o conforto de viver em dignidade! E essa...só será conseguida com um tempo novo.

Voltamos, portanto, à existência do tempo. E quem não se lembra daquela “ladainha” em que o tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem…e o tempo responde ao tempo que o tempo que o tempo tem é tanto tempo…quanto tempo o tempo tem! A ser assim, penso não deixar de ser fundamental que esta asserção englobe toda e qualquer circunstância, toda e qualquer medida.  

Por isso, seja-me permitido esperar legitimamente que venha aí um tempo novo, um tempo de justiça e de felicidade. E desejar a todos que assim seja, com muita saúde para viver esse tempo – um intervalo entre a vida preenchida de altos e baixos…e essa ideia real que podemos situar entre o negro tétrico e o cinzento mais ou menos enigmático.

Pensando positivo, lá vamos a caminho do Novo Ano/Ano Novo...levados pelos ventos de uma liberdade conquistada e defendida com sacrifícios de vária ordem. E que agora clamam por mais felicidade e mais justiça.

E se…

Se o novo ano viesse do céu

Por certo seria azul

E diferente, pois então!

Para melhor

Sempre a caminho do sul

Guiado pelas estrelas

De um enorme coração.

 

Se o novo ano viesse do céu

Por certo seria azul

Tal como as águas tranquilas do rio

Ou do mar alto que sei.

Diferente e para melhor

Sempre em busca do calor

De um imaginário que é meu

Do qual gostei e que amei.

 

Se o novo ano viesse do céu

Talvez o mundo tivesse a cor dos meus olhos!

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António Bondoso

(Dez de 2017)


Ant. Bondoso

António Bondoso
Dezembro de 2020 - Ano da Pandemia. 







 

2020-12-23

Não há duas depressões iguais.



Uma depressão pela «pandemia» tem como causas o medo, sobretudo, acompanhado de incerteza e de angústia. E de sofrimento, claro, tendo em conta as sequelas. Mas há hoje esperança na cura!

A depressão pela «perda» de uma mãe é muito mais complexa e nunca será curada. Não há vacina que possa evitar o contágio! Eu, infelizmente, fui atingido ainda muito jovem. Podem crer que foi devastador, como poderão ler neste relato de memória. Era Dezembro…e o Natal ficou adiado. Há 49 anos:

Foi uma despedida triste, de esperança quase nula, nesse Dezembro de um calor húmido e tórrido, na placa do aeroporto, à beira de um avião que me levava o berço aconchegante, o colo de um amor maior, a fonte da minha energia e do meu equilíbrio no mundo dos adultos. Meio perdido, nem choviam lágrimas nem transpirava soluços. Estava apenas ali, sem dizer fosse o que fosse, sem ouvir as vozes que justificavam a partida, como que uma derradeira tentativa para reverter a doença que a minava. Não sei mesmo se ela acalentava alguma esperança nessa viagem que os médicos determinaram, como se o Hospital do Ultramar fosse de facto a solução. E partiu, e eu praticamente imóvel a olhar para além dela, sem um gesto, sem um grito, sem um choro, que me doía o peito, que me toldava a visão e me arrepiava os tímpanos esse ruído dos motores do «friendship» a preparar-se para levantar voo. E já no «ar»…houve sonhos que ficaram suspensos e pesadelos que se apresentaram. Foi ali que senti que a perdi!

Dezembro de 2020.

António Bondoso


 

2020-12-11


HÁ SELOS QUE VALE A PENA GUARDAR…e recordar!



HÁ SELOS QUE VALE A PENA GUARDAR…e recordar! Ou de como a História de um país se vai perpetuando nas coleções dos CTT, este ano a assinalar 500 anos de existência, recuando ao tempo em que o rei D. Manuel I criou os Correios – ou Correio de Serviço Público – de Portugal e o cargo de Correio-Mor do Reino. Mais interessante ainda quando a proximidade nos proporciona cruzar caminhos com o autor de um selo, baseado na qualidade e na beleza de uma fotografia capturada por um amigo como é o lamecense João Oliveira. 


         A foto e o selo têm como «cenário» a Romaria de N. Senhora dos Remédios, em Lamego – precisamente uma das romarias que completam o álbum idealizado pelo Prof. Paulo Mendes Pinto e cuja edição bilingue atingiu 4 mil exemplares numerados, com o título genérico de «Festas e Romarias – Lugares de Fé». Não foi um processo fácil de seleção, mas a qualidade da foto do selo e de outras fotos que integram o capítulo dedicado à Senhora dos Remédios é inquestionável.

         Parabéns ao João Oliveira, pelo momento e pela técnica das fotos, parabéns aos CTT pela iniciativa que decorre desde o ano de 1983, sem interrupção, com o título genérico de «Portugal em Selos», parabéns à Câmara Municipal de Lamego pelo apoio ao João Oliveira.  



Neste 5º centenário da empresa mãe, o álbum completo bilingue tem a assinatura de Jorge M. Martins e a tradução de José Manuel Godinho, numa edição limitada de 7 mil exemplares, dedicada especialmente à música. De Beethoven a Amália Rodrigues, a edição teve como ponto de partida o concerto patrocinado por D. Manuel I, em Évora, quando nomeou o primeiro Correio-Mor do Reino. 



António Bondoso

Dezembro de 2020. 





 

NATAL DE FÉ em «Lugares de Fé»…ou de como a responsabilidade a que nos obriga a «pandemia» não nos pode provocar maior angústia e demasiada ansiedade. Devemos aceitar que é um Natal diferente, mas não podemos deixar de celebrar!


Foto de A.B. 

E como eu escrevia há dois anos, não pensemos apenas na «Árvore»!

As circunstâncias convocam-nos a um maior recolhimento, mas não devemos esquecer a «magia», por um lado, e a «ação», por outro. Não coloquemos de lado o exercício repetido do recurso à geografia mundial do sofrimento, da miséria e da guerra…mas centremo-nos aqui, nas dores do que somos e do que vivemos.

         Ouvimos muitas vezes as palavras que viajam, como o espírito, a alegria, a paz, mas esquecemos frequentemente a ideia de que o Natal é um tempo solidário e de partilha.

         Sem qualquer ponta de demagogia – e ao contrário de algumas «mensagens» natalícias que já ouvi e li – eu venho falar-vos dos milhares de árvores despidas e dos milhões de barracas que nem sequer têm lugar para uma árvore. Venho falar-vos desse símbolo máximo do consumismo e de um Pai-Natal que só «viaja» em determinadas latitudes, sem tempo nem espaço para visitar milhões de chaminés frias de vida e vazias de sentido.

         Venho falar-vos também de árvores sem raízes, praticamente mirradas por falta de um carinho diário. Venho dizer-vos que os homens esqueceram a boa nova da chegada de Cristo redentor; e lembrar-vos de que o «presépio», na universalidade da mensagem, não precisa de musgo nem de «reis magos» mas sim da nossa «presença». Li há dias na Igreja da freguesia onde nasci que a «Família é um lar de intimidade, um berço de humanidade», uma ideia extraída da Pastoral da Diocese de Lamego para 2020/21. Pensamento de enorme alcance, claro. O que me pergunto é…quantos cristãos, entrando ou saindo da igreja, fazem habitualmente seu esse berço da humanidade, perante o «outro», olhando à sua volta e tentando perceber a tristeza do «vazio»?

         Saibamos olhar, saibamos escutar, saibamos agir. Com Fé!



Foto de A. B. 

António Bondoso

Dezembro de 2020. 



 

2020-11-25


O QUE FOI, ONDE ESTÁVAMOS, O QUE FIZÉMOS?

Falar do 25 de Novembro de 1975 ainda implica riscos de imprecisão histórica. Dizer por exemplo que esse movimento militar terá sido um 11 de Março ao «contrário». Não foi, certamente, pois as motivações devem ser enquadradas numa sucessão de acontecimentos plenos de anarquia social, política e militar. Era a «revolução»! Repare em dois documentos datados de Julho de 1975. 



E no final deste texto vou incluir um «link» que nos remete para um outro texto já escrito em 2013 e no qual pergunto “Onde Estava no 25 de Novembro?”. Por outro lado, talvez essas «imprecisões históricas» travem ainda – 45 anos depois – o estudo aprofundado da matéria nas escolas portuguesas. Mas o «estado da arte» é já suficientemente completo para permitir análises interessantes.

Contudo, prevalece a ideia de que AINDA É CEDO PARA, em termos históricos, definir os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. Diz-se muito, escreve-se muito, mas não tem sido fácil aceitar uma ideia concreta. Golpe, contragolpe, reposição do ideário do 25 de Abril de 1974, resposta da direita e dos «moderados» aos acidentes de percurso que foram os «desastres» da maioria silenciosa de 74, o 11 de Março de 75 e o verão quente de 75. Para aquilatar das dificuldades em saber, podemos dizer que tudo isto entra na equação, tal como as lutas pelo poder – quer no seio dos militares que, de formas distintas, não queriam trair a promessa de o devolver ao povo, quer na sociedade civil representada pelos partidos políticos, sobretudo pelos seus líderes mais carismáticos como eram Cunhal e Soares, sem excluir de todo Sá Carneiro. Imperativo é, igualmente, perfilar os militares com poder: Costa Gomes, Otelo, Rosa Coutinho, Fabião, Vasco Lourenço, Melo Antunes, Pires Veloso, Jaime Neves e Ramalho Eanes.

         Do Copcon ao Grupo dos Nove, dos spinolistas aos otelistas, da marinha ao exército, da reforma agrária às campanhas da 5ªdivisão, do MFA ao Conselho da Revolução, do cerco à Assembleia Constituinte à CAP de Rio Maior, Da descolonização aos «retornados», tudo é aproveitado para baralhar e dar de novo.

         Será interessante, por exemplo, seguir os passos da historiadora Raquel Varela, para quem o período que medeia as duas datas é marcado pela existência de poderes paralelos, concluindo que a democracia não é filha da «revolução» de Abril de 74. Daí terá nascido a «democracia direta», ao passo que a «democracia representativa» terá começado a ser construída em Novembro de 75. Começou, de facto, a ser construída aí, mas não se livrou imediatamente dos tais poderes paralelos, uma vez que o Conselho da Revolução se prolongou por mais 7 anos.

         Por outro lado, não podemos esquecer o significado de «revolução». Ela acontece quando, de facto, há mudança de regime. E o «regime», ou «regimes» se quiserem – como propõe Raquel Varela – sofreu alterações profundas depois do golpe militar de Abril de 74. Nesta perspetiva, talvez não se possa esquecer que a «democracia», prevista nos documentos do Movimento dos capitães e depois no programa do MFA – mesmo com todos os desvios e ziguezagues – começou a ser construída em 74.

          E seguindo o rasto do «operacional» de Novembro de 75, Ramalho Eanes, veremos que “no plano das convicções, foi política e militarmente igual o que me determinou no 25 de Novembro e no 25 de Abril: tudo fazer e tudo arriscar para restituir verdadeira dignidade nacional às Forças Armadas e, concomitantemente, devolver ao Povo o que só a ele, originariamente e sempre, pertenceu e pertence – o poder político soberano, a liberdade de construir democraticamente o seu verdadeiro bem-estar. O 25 de Abril e o 25 de Novembro limitaram-se, pois, a devolver a liberdade ao Povo, o senhorio soberano do seu destino”. Mas Eanes, num outro texto publicado em 2005 no JN, não deixa – de certa forma – de ir ao «encontro» da tese de Raquel Varela, escrevendo que «depois de realizado o objectivo comum de derrube do regime, é natural que tivessem emergido vários e até contraditórios projectos, e que aqueles que os defendiam os tentassem impor na sociedade. Nessa luta pela imposição de projectos, um bem definido quadro legal parademocrático em muito poderia ter contribuído para a pluralização saudável da sociedade civil. No entanto, essa definição não se fez. Na verdade, nem sequer, como se impunha, se procedeu à definição clara de um grande propósito colectivo, necessidade imperativa para a confirmação e operacionalização, obviamente de um novo regime, mas também da transição para o mesmo.» E lembra que, como militar do 25 de Abril e do 25 de Novembro, “direi que as Forças Armadas, apesar de tudo, cumpriram”.

         É isso mesmo. Como tenho dito sempre, não se condenem os «cravos». Também eu aderi à ideia e ao processo de Abril, também eu aderi e participei nos «acontecimentos» de Novembro – nessa altura como jornalista da EN no Porto, onde a Rádio «oficial» centrou a sua emissão nacional até à normalização do processo.

António Bondoso                                                                  

Novembro de 2020.

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ONDE ESTAVA NO 25 DE NOVEMBRO DE 1975?

https://palavrasemviagem.blogspot.com/2013/11/onde-estava-no-25-de-novembro-de-1975.html








 

2020-11-21

SÃO TOMÉ E O PRÍNCIPE ESPELHADOS NUM LIVRO COLORIDO…POR UM «OLHAR» DE NOVE CORES... 


SÃO TOMÉ E O PRÍNCIPE ESPELHADOS NUM LIVRO COLORIDO…POR UM «OLHAR» DE NOVE CORES – ou de como Rufino do Espírito Santo construiu uma obra poética plena de uma saudável «loucura», desenhando e entrelaçando palavras de beleza tropical num cenário de «bolas de sabão», das quais só as crianças sabem o verdadeiro significado. A «sabedoria dos adultos é cada vez mais questionável, como o autor recorda num provérbio santomense: - “se pretenderes viver com sossego neste mundo, terás de fazer-te de louco, e permitir aos outros acreditarem que são os sábios”[1].

         Para além do que escrevi no curto prefácio, que o autor gentilmente me solicitou, gostaria hoje de realçar dois ou três outros pormenores interessantes que Rufas Santo utilizou na construção deste “NOVE CORES DA BOLA DE SABÃO”. Na sua «Introdução», o autor explica detalhadamente a causa e o sentido de cada palavra, de cada ideia. Talvez tenha querido precisar a sua escrita para que não possam restar dúvidas, embora o poeta não tenha que explicar a sua poesia. Ela basta por si, está lá para ser decifrada pelos leitores. Ou como dizia Almada Negreiros, “não me obriguem a explicar nada do que eu digo”.

         Contudo, lembro que o livro está dividido em três partes, atribuindo o autor a cada uma delas – não por acaso – três cores. Na parte I, dedicada à «Insularidade», escolheu o verde (muitos verdes, dizem que são mil!) das ilhas, o azul dos céus e do mar da Lagoa Azul…e o amarelo – esta cor como que simbolizando, segundo a minha “leitura”, uma advertência a quem não tem feito o que devia, seja decisor ou cidadão comum. Por isso pergunta: “Que fazer destes filhos do coito interrompido por inação”? E por isso quer voar até “onde consiga ver o outro lado do mundo/ Conhecer onde se escondem os monstros/ Que atormentam as minhas noites…”. Nestas Ilhas de Kajumbi há também a cobra preta de viperinos silvos. Por isso quer “Que venha a chuva”, que venha muita chuva “para lavar as nossas lágrimas”.

         Não se colocando fora da equação, pois «admite falhas» em poemas espaçados, tal como as bolas de sabão, Rufas Santo abre a janela da excentricidade na Parte II. E aqui, joga com as cores vermelho, roxoranja e violeta. Por isso aparecem diversos “Quadros Na Parede”, espaçados pelas quase 200 páginas do livro, por isso o autor escreve sobre a Ilusão, sobre a Paixão e a Loucura, por isso fala do purgatório de Deuses e Demónios, da Noite da Queima dos Anjos e de uma “garrafa de vinho tinto de sempre”, sem esquecer a “lenha que alimenta essa chama”.

          A “Crioulidade” preenche a Parte III, merecendo uma reflexão sobre «nós – as pessoas», enquadradas pelas cores a preto e branco. É uma tradução incontornável da sociedade de STP. Por isso, o autor destaca ANASTÁCIA que, «cantando a insularidade, transporta numa bola de sabão a crioula origem». Por isso, Rufino do Espírito Santo pede também que VEJAM um crioulo olhar de fogo, a cobra preta e – ao alto – um «lenço branco/ Da cor do seu sorriso».

         Por último, quero assinalar o significado marcante das citações e dedicatórias que o autor revela nas suas páginas coloridas. E começa pelo princípio, isto é, pelas «mulheres». Quer às Mulheres do 19 de Setembro, quer a todas as Mulheres: “Para vós que não perdestes a força que a maternidade vos incutiu e a cada aurora vos levantais para dar o que não vos foi dado e para que não percais a força e a vontade de lutar”.  Por isso não esquece Inocência Mata e Conceição Lima – “essa alma rebelde das Ilhas do Meio do Mundo” e autora da Dolorosa Raiz do Micondó a quem presta homenagem particular. E depois aos Poetas das Ilhas do Meio do Mundo, tal como aos Artistas, aos Poetas de Sal e Sol, incluindo um recado para o Mestre Marcelo da Veiga e para Tomás de Medeiros. Por fim, uma dedicatória aos «anónimos das nossas ilhas», a todos dizendo: “Acreditem que esta é uma forma de agradecer os carinhos de amizade – Simplesmente”!

O livro, à boleia deste tempo de pandemia, ainda não foi publicamente apresentado. Mas já pode ser adquirido, quer através de contacto com o autor, quer por intermédio da própria editora “ Edições Vieira da Silva”. 



[1] - “Xi bô mêsê vivê ni mundo, sela bô finji malôkô, semple pla inem pô fla kuma inem soku sa bêtôdô” (tradução do autor na pg.70). Em «Forro» - língua maior de STP.  



António Bondoso

Novembro de 2020. 


 

2020-11-13

UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…neste ano da «Pandemia» de 2020, ou de como se «ensaia ao espelho». Provavelmente, não faria muito sentido, apesar da simpatia do número, nomeá-lo com a tradicional designação de «ano da graça de…», tão difícil tem sido a caminhada de «alertas, calamidades e emergências» devido à crise sanitária da Covid-19. Estranhamente, dirão alguns, tem sido um bom ano para publicar. 




Há já alguns dias publicitei aqui um novo livro e uma nova coleção de uma editora recente. Volto hoje ao tema para aprofundar um pouco mais a minha «leitura» de ENSAIOS DE ESPELHO, de Rui de Azevedo Teixeira.

Não o faço pelo facto de ser mencionado na obra nem tão pouco pela amizade que nos liga, sobretudo a partir de conversas sobre a Guerra Colonial, já lá vão uns bons pares de anos. A guerra – particularmente essa “guerra” – foi o tiro de partida para esta relação que me ofereceu o conhecimento de um homem de cultura vasta, de um Professor de competência reconhecida e, sobretudo, de um excelente conversador. De tudo isto à escrita, um passo natural. Tão natural como saciar a sede de partilhar conhecimento e ideias, componentes essenciais do seu ADN.

Sem pretender, também eu, produzir aqui um eventual “ensaio” ou mesmo uma breve “recensão”, direi apenas que nestes ENSAIOS DE ESPELHO há um casamento brilhante de textos que começaram por ser dispersos. O título é forte, à dimensão do autor Rui de Azevedo Teixeira. Quem o conhece sabe da sua escrita poderosa, enleante, tão dura quanto poética. E a «obra» é tão original quanto o nome da editora que a publica, «EDIÇÕES SEM NOME», e tão distinta e eclética quanto a “coleção” que ela inicia – Heteróclita & Guerra – da qual Rui de Azevedo Teixeira aceitou ser o coordenador. Não se estranha, portanto, que a guerra e o amor sejam dois dos tópicos mais em destaque nesta obra que termina, de forma original, com excertos de uma «arguição de doutoramento» sobre “O sujeito em Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e António Ferro”. Não me sentindo capacitado para comentar a temática da tese apresentada sob o título de «crise e superação no sujeito modernista», sempre me aventuro a responder à proposta que o arguente colocou ao autor Dionísio Vila Maior sobre a questão, várias vezes referida, do homem superior:- “O que é o Homem Superior para Pessoa, Sá-Carneiro, Almada e Ferro? Tentando perceber as personalidades diversas mas, em simultâneo, reveladoras de uma conjugação narcísica e de talento exaltado, esse “homem superior” vive no íntimo de cada um deles, cabendo-lhe defender acerrimamente as ideias e a doutrina da “arte pura” e da “liberdade formal”. No fundo, modernistas e futuristas, são eles que sabem fazer e viver o momento presente e futuro.

De outro modo, como disse, são o amor (Meu Amor era de Noite, de VGM; Adeus Princesa, de CPC; ou o Amor (Im)possível, de FTR) e a guerra[1] a dominar a compilação de textos espaçados no tempo, quer soltos, quer de teor académico. Da literatura de e sobre a guerra à crítica cinematográfica – igualmente de temas bélicos – esta obra de Rui Teixeira passa também por ensaios biográficos (nomeadamente Hemingway, Alpoim Calvão e Jaime Neves) e pela crítica literária, onde se destaca o que o autor designa como o «núcleo canónico»: Carlos Vale Ferraz, Lídia Jorge e Manuel Alegre.

É precisamente Manuel Alegre que está presente no seu texto POESIA, SAUDADE E QUINTO IMPÉRIO[2], destacando em Jornada de África a «superioridade da poesia e a ideia de Portugal (e do mundo que o português moldou), na qual triunfa a saudade». Partindo desta “Jornada” e da obra Mayombe, de Pepetela, Rui de Azevedo Teixeira elabora também uma «interleitura, com aproximações e afastamentos».



[1] - «A guerra é o reino dos abismos do pavor e dos cumes do heroísmo, da dor de ser ferido e do prazer de matar, da solidão sem ranhuras e do esprit de corps, da humilhação da derrota e do êxtase da vitória» (Pgs 32 e 33).

[2] - Publicado na Revista Visão, coleção Estante Visão/Dom Quixote, 26.6.2003.



Não querendo alongar demasiado, não posso terminar sem deixar um abraço grato a Rui de Azevedo Teixeira pela bondade de me ter incluído neste seu trabalho, publicando o prefácio ao meu livro Tons Dispersos (Vega, 2003), dedicando o texto a Vasco, José e Carlos de Azevedo Teixeira. Sob o título de «A saudade da Viagem Portuguesa», o «Rui» escreve no seu prefácio que os «lugares amados (alguns detestados) de Portugal e do Império», presentes em Tons Dispersos, «ganham a densidade de espaços literários porque o poeta dá a cada um deles um espírito do lugar, tira da maioria deles portuguesíssimas saudades e transmuda em alguns parte da substância poética, que não a ideológica, de António Manuel Couto Viana».  

António Bondoso

13 de Novembro de 2020. 




 

2020-10-25

 

NOS 75 ANOS DA «ONU»…a “prenda” mais significativa seria o projeto de uma «nova ordem internacional», a qual exige uma rutura profunda com os paragdigmas do século XX. E para mudar o mundo é fundamental que o capitalismo selvagem e a globalização desumanizada, que geram a pobreza e a miséria, não possam ter lugar nessa NOI. 

                                                                      Imagem da Web
 

Como escrevia Adriano Moreira em 2009, “Entrámos numa época de tempo tríbulo, em que a sobrevivência dos conceitos clássicos do passado tende para puramente virtual; em que o presente não encontrou categorias racionalizantes do processo que por isso se desenha anárquico; em que o futuro está nimbado de incerteza, refractário a ser apreendido por uma futurologia confiável. 

             A ONU que hoje conhecemos, resultado da «Carta de São Francisco», de 26 de Junho de 1945, e que começaria a funcionar formalmente em Outubro seguinte, já não responde com eficácia aos problemas do nosso tempo. A “segurança” do planeta ainda é entendida, sobretudo, no que toca a conflitos armados em grande escala, esquecendo os novos desafios que se colocam nos campos da saúde e das oscilações climáticas. É verdade que as «guerras» se vão multiplicando. E já não há apenas uma “guerra fria” opondo particularmente dois «blocos». Após a implosão da URSS apareceu a hegemonia dos EUA – arvorados em “polícia do mundo” – mas depois a China foi avançando, primeiro economicamente mas sempre militarmente, enquanto os americanos, particularmente nesta última década, caminham para o isolacionismo, abdicando da intervenção em pontos cruciais do globo e do seu papel determinante em temas tão complexos quanto decisivos para o futuro da humanidade.

         Sendo certo que António Guterres, apesar de todas as dificuldades do mandato, conseguiu agilizar/reformar a arquitetura de paz e segurança para assegurar maior prevenção e mais eficácia e menos custos nas operações de manutenção da paz, também é verdade que as «grandes potências» que preenchem o CS não facilitaram a tarefa. Os EUA, sobretudo, menorizaram o papel da Organização – nomeadamente fechando as portas à UNESCO e à OMS, já para não falar do comportamento vergonhoso perante as questões do clima.  

Portanto, é imperioso criar uma Nova Ordem Internacional focada na justiça e na solidariedade…ou então poderemos assistir – agora sim – ao início do «Fim da História». Não o previsto há uns anos por Fukuyama, a propósito da implosão da URSS e do chamado Bloco de Leste, mas o fim das relações humanas tal como as conhecemos até há poucos meses. 

                                                                      Imagem da Web

Para isso, também, é fundamental o fortalecimento da União Europeia no sentido de impor a Alemanha a um Conselho de Segurança renovado e ampliado, provavelmente com a Índia, a África do Sul, a Austrália ou mesmo o Brasil. Neste caso, seria crucial que – finalmente – a CPLP soubesse enriquecer o seu potencial.

António Bondoso

25 de Outubro de 2020.


2020-10-21

O ESTREITO DE MAGALHÃES...foi uma passagem para um "outro mundo". Um mundo novo. 

Vitória ou Victória – assim era nomeada a nau que Fernão de Magalhães comandou na sua viagem de circum-navegação ao serviço do rei de Castela, tendo descoberto a passagem do Atlântico para o Pacífico em 21 de Outubro de 1520, muito a sul do continente americano, eternizando o seu nome e a sua ideia de chegar ao berço das «especiarias» por Ocidente.

Foto de Ant. Bondoso

         Ao falar do feito e da nau Victória, são trazidos à minha memória outros dois navios emblemáticos: o chileno BAQUEDANO e o português SAGRES, ambos navios-escola. O nosso ainda navega – e só a «pandemia» o impediu de completar a viagem de Magalhães – enquanto o Baquedano foi descartado da sua função talvez em finais dos anos 30 do século passado. Não encontrei a data segura, mas sabe-se que o autor do livro O ÚLTIMO VELEIRO ou O Último Grumete da Baquedano – Francisco Coloane – venceu um concurso literário com esta obra em 1941.

          De Francisco Coloane, natural de Quemchi – Chiloé – no sul do país e filho de um marinheiro, sou leitor incondicional e com ele tive o prazer de conversar telefonicamente há mais de 20 anos, juntamente com a minha camarada da Rádio Macau Joyce Pina. «O Último Veleiro» foi escrito para homenagear a última viagem do navio-escola BAQUEDANO até ao cabo Horn.  

         Coloane, que Luís Sepúlveda* (cuja escrita me cativou desde o início) considera o seu mestre na arte de contar, foi jornalista e um dos maiores escritores chilenos, deixando-nos outras obras como Terra do Fogo, Terra do Esquecimento, A Voz do Vento, Cabo Hornos ou O Caminho da Baleia – as quais retratam de forma vigorosa a geografia social e humana das longínquas terras e mares por onde navegou Magalhães para chegar ao outro lado do mundo, antes de ser morto em Cebu, uma das inúmeras ilhas das Filipinas.

         Neste «O Último Veleiro», no capítulo “De Punta Arenas Até La Tumba Del Diablo”, Coloane descreve uma viagem em sentido inverso ao de Magalhães, dizendo que a Baquedano “…deu a volta ao cabo Froward, abrupta extremidade que assinala o fim da parte continental do Novo Mundo e, passado o Farol San Isidro, numa manhã de Inverno, avistou a bonita cidade de Punta Arenas, com quarenta mil habitantes, situada nas margens do estreito de Magalhães, frente à lendária ilha da Terra do Fogo. (…) A cidade, reclinada no sopé da península de Brunswick, surgiu completamente branca de neve, como se fosse uma fantástica metrópole de mármore».

         Como sabe bem «viajar»! Apesar da “pandemia”, aproveitemos esta efeméride marcante de «Magalhães» e deixemo-nos levar. Como tenho saudades de olhar e de ver os barcos a navegar nos oceanos da alma. Como tenho saudades de ver os aviões de papel a serpentear por entre os dedos do coração. E quando (ou se) não puder viajar…leia, leia muito. 


Apenas uma última nota para lembrar que devemos reter, por exemplo, o facto de que a descoberta do «Estreito de Magalhães» permitiu acrescentar aproximadamente 60% ao mundo até então conhecido, confirmando a condição esférica do nosso planeta e oferecendo à humanidade um até então desconhecido “Planeta Oceano”. O estreito tem 600 quilómetros de comprimento e 2 de largura na sua parte mais estreita.

 

* LUÍS SEPÚLVEDA foi um perfeito retratista do Chile dos anos 70 do século XX e, mesmo exilado na Europa, nunca deixou de «pintar» criticamente a atualidade do seu país em tempos recentes. Gosto de o ler, a sua escrita apaixona-me. Transporta-me para o sul do sul, para a Patagónia, para Atacama, para o estreito de Magalhães, para a liberdade de uma vida simples num ambiente saudável, para a justiça do pensamento livre.


António Bondoso

21 de Outubro de 2020. 





 

2020-10-19

MOIMENTA DA BEIRA E A NOVA REVOLUÇÃO DO TABOLADO…ou de como o Povo de Moimenta se deixa «render», quer à renovação das tradições, quer à transformação e ao desenvolvimento. Desenvolvimento entendido como fator de progresso sustentável. 


Foto de Ant. Bondoso

Há sete anos, por ocasião da posse de José Eduardo Ferreira para o seu 2º mandato como Presidente do Município Moimentense, escrevi um pequeno texto com base nas linhas orientadoras por ele traçadas para definir a ação dos anos seguintes. 


Foto de Ant. Bondoso

E recordo por exemplo «Humildade, solidariedade e confiança» como imagens que marcaram o discurso de posse, reservando alguma dureza – os tempos eram outros – para o governo da República de então. E disse José Eduardo Ferreira: «Em tempos de dificuldades e de exigência, não só financeiras, o Estado está a retirar-se de uma parte considerável do país».

         Apesar de ter havido uma significativa inversão em 2015, o Estado não deixou de “retirar” das chamadas regiões de baixa densidade, aumentando serviços – por outro lado – e sem a correspondente atribuição de verbas.

         Apesar de tudo isso, o Presidente da Câmara de Moimenta da Beira não deixou de olhar para o futuro – particularmente da «Vila» - observando com pena o não «cumprimento» de velhas reivindicações essenciais ao desenvolvimento da região, como a questão do “regadio” que é fundamental para a produção da maçã, imagem de marca incontornável. 


Foto de Ant. Bondoso

De um outro ponto de vista, é de notar o avanço das obras de transformação e renovação do Jardim do Tabolado, nomeado como Largo do General Humberto Delgado – um dos espaços mais nobres da vila. Diz o projeto que «A intervenção, no âmbito da regeneração urbana, vai ainda permitir uma maior e melhor interligação entre os diferentes espaços que compõem a área de reabilitação, designadamente entre a ampla praça existente em frente ao edifício da Câmara Municipal e os seus espaços laterais, tornando-os, no seu conjunto, numa área urbanística física e visualmente contínua mais agradável e propícia a momentos de sociabilização e convívio». Para além, claro, da mobilidade pedonal.

Fig do Projeto de Renovação Urbana da CM de Moimenta da Beira.

         Sabe-se que a transformação urbana foi sempre rodeada de polémica, de críticas – como sinal de resistência à mudança, próprio da condição humana. Mesmo percebendo que o avanço é inevitável e que nada é imutável. E o «espaço» em referência já sofreu várias intervenções ao longo de um século. Se eu me recordo…outros bem mais antigos do que eu terão na memória todas as transformações.

António Bondoso

Outubro de 2020.

Nota: - se estiver interessado em consultar o meu texto de há 7 anos, pode aceder ao link:

https://moimentananet.blogspot.com/2013/10/o-povo-de-moimenta-da-beira-nao-se.html 

OU EM 

https://palavrasemviagem.blogspot.com/2013/10/o-povo-de-moimenta-nao-se-pode-render.html










 

2020-09-18

A MULHER SANTOMENSE/SÃO-TOMENSE EM PORTUGAL…e esse caminho longe!

“A saudade é uma distância que dói porque não é acessível”.

“Carregamos a saudade de gente que nos fez bem…e por vezes dói”.

Duas ideias que marcam pessoas diferentes mas que manifestam idêntica emoção quando se fala do país distante.

Duas mulheres de S. Tomé e Príncipe, na diáspora em Portugal, a propósito do Dia da Mulher Santomense que se assinala a 19 de Setembro. 



Independentemente do simbolismo da data, que vai ser comemorada a preceito e com dinamismo – como saberemos mais à frente – há sentimentos e emoções na comunidade que traduzem uma forte ligação às ilhas encantadas do Golfo da Guiné. E foi por aí que tracei o caminho, solicitando pequenos depoimentos sobre a saudade da «terra» e sobre a perceção que têm do país à distância.

         E se a saudade «não é mensurável» por vezes – como são os casos da Áurea Graça Amorim, da Mena e da Nanda Teixeira, ela também é «infinita», por outras, por exemplo para a Maomé Cravid e Milé Albuquerque Veiga. Em qualquer caso, foram vivências únicas para Conceição Beirão Carvalho, que as recorda sem «saudosismo doentio» e podem ser analisadas sob vários pontos de vista – como sucede com Maria José Rebelo: “é uma ausência de algo que já passou” e “também é uma questão emocional. Carregamos o peso de algo invisível e por mais que se diga que se mata a saudade, ela está dentro de nós”. No fundo, reforça a Mena Teixeira, há uma «saudade boa dos cheiros, dos sabores, da presença e da ausência».

         E é nesta ambivalência da presença e da ausência que se coloca a questão da perceção do país à distância.

         A Maomé, por exemplo, diz ter «um sentimento de pertença, resignação e amor incondicional» enquanto a Nanda Teixeira refere “a percepção de um país muito frágil, com inúmeras carências a todos os níveis”. A Áurea diz  que «a perceção do país à distância é impossível» mas a Milé Veiga afirma ter uma «perceção permanente, buscando informação por via dos média». Para Maria José «não podemos caminhar para São Tomé. Não há caminho. É preciso voar ou fazer viagem de barco». Por isso dói tanto a saudade. Tal como a Milé, igualmente a Conceição Beirão procura manter-se atualizada e cita Francisco Tenreiro:- “longe…apenas nas milhas”! O tempo, diz, ainda é de brumas: - «Quisera poder sorrir de júbilo, mas, infelizmente, ainda não chegou esse tempo há muito acalentado. A brisa fresca de Abril de 1974 demora a dar o ar da sua graça».

         45 anos depois da independência de STP, já era tempo de sentirmos soprar a «brisa fresca». Contudo, Conceição Beirão regista com enorme satisfação o papel da mulher santomense na diáspora, reconhecendo que «ser santomense em Portugal, apesar das vicissitudes, é arar em terra fértil. Portugal é o país mais hospitaleiro do mundo». Por isso, deixa a maior e a mais respeitosa vénia à “MenNon” (Associação das Mulheres Santomenses em Portugal, a comemorar 10 anos de vida) pela «generosidade e presença admirável, onde a escuridão turva o presente e tolhe o futuro, bem como a todas as que, de uma ou outra forma, continuam a fazer a História Nacional».

Muito grato a todas as que, sendo solicitadas a participar nesta minha ideia, o fizeram prontamente. Longa vida à “MULHER” de S. Tomé e Príncipe em todo o mundo!



António Bondoso                                                                        

18 Setembro 2020.