2023-04-25

Há sempre tanto para dizer e contar sobre o «tempo de Abril». Pelo menos, alguma coisa de relevante. Por exemplo, a ideia de que o Eurocentrismo, ou o Euromundialismo, inserido em dois MUNDIALISMOS que vinham do final da 2ª GM/Guerra Fria (EUA e URSS), terminou ali.

                                                                    Em 25 de Abril de 1974 “(…) verificou-se       um acontecimento de importância sem paralelo desde esse longínquo 1945, o qual foi a Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal”.

                                                                           Adriano Moreira, 1977, S. Paulo – Brasil



Foto de Ant. Bondoso. 

         Assim transcrito, poderá julgar-se que se trata de uma declaração banal. Mas Adriano Moreira colocava a questão em termos de Relações Internacionais, fazendo sobressair a ideia de que, tal facto, “Demonstrou a interdependência crescente de um mundo socializado a partir das descobertas portuguesas”.

         E o maior impacto do que disse então o Professor, durante uma Lição incluída no Curso de Relações Político-Económicas Internacionais, em S. Paulo, viria a seguir:

“Esse acontecimento, levado a cabo por umas escassas centenas de homens, de nacionalidade diferente da dos Estados em competição mundial, “arruinaram os planos dos estados-maiores dos exércitos mais poderosos do mundo”. E assim, a “linha de tensão entre a URSS e os EUA mudou radicalmente de trajecto”.


Da Web

         Já tanto se escreveu, já muito se disse, até já muito se filmou sobre esse «Golpe dos 4 Dês» como lhe chamo, mas pouco – muito pouco ou nada – se tem dado relevo a esta perspetiva. Talvez esquecida por motivos conjunturais internos, durante esse período tão desafiante e em simultâneo tão conturbado da realidade portuguesa, ou talvez pela simples razão de ter sido abordada lá longe, no Brasil, por um «exilado» que nunca escondeu as suas ligações ao antigo regime. Só que não se tratava de um exilado qualquer. Adriano Moreira foi, de facto, ministro de Salazar…mas era igualmente um Professor Catedrático, senhor de um pensamento crítico e aberto às mudanças no mundo.

         E é pena, pois, que essa perspetiva não tenha merecido a devida atenção, uma vez que nada ficou como dantes: - “O desmantelamento da «estrutura» do Estado Português, com a descolonização em África (Timor ficou adiado e Macau foi quando os chineses quiseram) “abriu definitivamente o ÍNDICO e o ATLÂNTICO SUL à expansão soviética”. E sem negociação de contrapartidas. Rompeu-se, assim, o equilíbrio de ambos os mundialismos em competição. E não foi a favor dos EUA.



Da Web

A chamada «comunidade ocidental» parece nunca ter entendido bem a questão africana, apesar dos exemplos de finais de 50 e princípios dos anos 60 do século XX, esperando que a descolonização lhe viesse a ser favorável.

         Salazar e Caetano tinham a ideia de que estavam a defender os «interesses ocidentais», mas Adriano Moreira coloca aqui duas questões relevantes, em termos do que chama a «dúvida de muitos», isto é, se o «Ocidente sabia disso»…e, por outro lado, o que designa por «a certeza dos informados»: “a retirada de Portugal implicaria um imediato preenchimento do «vazio» pelo mundialismo melhor colocado”. A NATO terá sido apanhada de surpresa? Não se sabe. Ou não se tem dito. E os EUA? Saberiam eles que um dos objetivos desse novo figurino internacional era precisamente a «Retirada americana» de cena? E que outros dois passavam pela «desarticulação da NATO e pela paralisação da institucionalização do Mercado Comum na Europa?



Da Web 

         Seja como for, o certo é que se perdeu, pelo menos temporariamente, o sonho do que Adriano Moreira designava por “Oceano Moreno”, com a

organização desse «espaço vital» sob a liderança natural do Brasil, com a cooperação portuguesa e procurando a adesão dos “estados ribeirinhos”. Felizmente, depois da “queda do muro”, outras ideias deram corpo ao chamado «espaço lusófono». 



Foto de Miguel Bondoso

FONTE: Livro CIÊNCIA POLÍTICA. 1ª ediç – 1979. 2ª ediç – 1984. (Este é a 8ª Reimpressão da 2ª ediç).

António Bondoso

Abril de 2023. 







 



2023-04-18

DÊXA PUÍTA SÓCÓ(M)PÉ. MÚSICA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE DO COLONIALISMO À INDEPENDÊNCIA”…ou de como uma investigação e as suas coincidências se podem transformar numa relação de proximidade, de amor e de paixão. Pelo país e pelas pessoas. 


Esta é uma história protagonizada por Magdalena Bialoborska Chambel, natural da Polónia onde estudou piano e flauta e depois se licenciou em Etnologia e Antropologia Cultural na Universidade de Varsóvia em 2001. Doze anos mais tarde o mestrado em Estudos Africanos e, em plena pandemia da Covid-19, o consequente doutoramento. De uma parceria com o fotógrafo e animador cultural são-tomense José Chambel, a relação aprofundou-se…e hoje, para se poderem organizar melhor, criaram “uma sociedade de direito santomense, que chamamos Manga-Manga. Decidimos, também, fazer os possíveis para passar uma parte do ano em São Tomé e Príncipe. No ano passado construímos a nossa casa no sul da ilha de São Tomé. Queremos que este espaço seja – ao mesmo tempo – uma base para a realização de projetos artísticos, de investigação, de criação. Um espaço aberto a todos que precisam de se dedicar ao trabalho, sem demasiadas distrações”.

         De todo o seu percurso de investigação, entre Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Maurícia e S. Tomé e Príncipe, resultou agora um livro que vai ser apresentado amanhã às 18h00 na FLUL - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Anfiteatro II. Aqui deixo as palavras de uma «conversa» breve com a autora: 



A.B. = Este trabalho creio ser o «resultado» de uma morosa e detalhada investigação académica.

M.B. = O livro resulta da minha tese de doutoramento escrita sob a orientação do doutor Augusto Nascimento (Centro de História da Universidade de Lisboa e Centro de Estudos Internacionais do Iscte) e do doutor Josep Martí (Institució Milà i Fontanals, CSIC). Foi um trabalho muito moroso e bastante detalhado, que decorreu em Portugal e em São Tomé e Príncipe entre 2013 e 2019.

--- África aparece na sua vida…só depois de estar em Portugal ou já antes?

Comecei a trabalhar sobre África durante a licenciatura em Etnologia e Antropologia Cultural na Universidade de Varsóvia, a escrever vários textos em diversas áreas de estudo.

    Fascínio? Ou descoberta de outros valores?

    E porquê um País tão pequeno…praticamente perdido no Golfo, no Equador? Tinha gente conhecida, de lá?

A dedicação do meu trabalho de doutoramento a São Tomé e Príncipe teve que ver com uma série de coincidências, que – mais tarde – continuaram a surgir e fizeram com que esta ligação se tivesse enraizado de forma definitiva. Em 2013, enquanto trabalhei no projeto de investigação “Organizações na economia informal nos PALOP”, coordenado pelo doutor Carlos Lopes, fui convidada a realizar um trabalho de terreno em São Tomé e Príncipe. Era prevista uma estadia de sete a dez dias. No entanto, como conhecia algumas pessoas aí, que me disponibilizaram sítio para ficar e apoiaram nas deslocações, fiquei um mês na ilha de São Tomé. Além da pesquisa no âmbito do projeto sobre as organizações na economia informal – durante a qual entrevistei e passei bastante tempo com motoqueiros, taxistas, artesões e cambistas –, comecei a entrevistar alguns músicos, artistas plásticos e pessoas ligadas à difusão das manifestações culturais. Apercebi-me que havia várias questões interessantes para trabalhar, pouco descritas na altura. Foi a fase em que estava a aguardar a defesa da tese de mestrado e a preparar o meu projeto de doutoramento. Durante uma conversa com a professora Inocência Mata, que estava nas ilhas na mesma altura, partilhei os meus dilemas e a vontade de incluir o trabalho de pesquisa sobre São Tomé e Príncipe, no meu projeto doutoramento, dedicado a Cabo Verde, na sequência da tese de mestrado. Até agora lembro-me as palavras da professora: “Deixa Cabo Verde por uns anos. Dedica-te só a São Tomé e Príncipe durante o teu doutoramento”. Não pensei duas vezes. Após o regresso a Portugal, escolhi um dos três temas que me interessavam e comecei o trabalho sobre a música em São Tomé e Príncipe.



--- Em qualquer caso, a investigação avançou.

A investigação avançou. Foram vários anos dedicados a construção de um corpus de estudo. Não existia nenhum trabalho mais detalhado dedicado à música existente no arquipélago, nenhum arquivo completo e organizado de registos áudio. Seguiu-se um longo período de pesquisa, de recolha do material para a análise, depois a fase da própria análise do material e, por fim, a escrita, a revisão e a preparação do trabalho para apresentação pública. Não era um processo tão linear, já que sempre continuei a pesquisa e, muitas vezes, voltava às partes já escritas e reescrevia-as, acrescentando algumas informações. Tenho a consciência que muito ficou para recolher e escrever. E nunca mais parei – assim que terminei a tese, avancei com outros textos e projetos de investigação e difusão deste conhecimento.

--- Foi bem avaliada? Mereceu reconhecimento por parte de quem avaliou?

Sim. Apresentei a minha tese em janeiro de 2021 em provas públicas no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Foi uma defesa muito agradável, com comentários relevantes, que me permitiram aperfeiçoar vários detalhes durante o processo de transformação da tese em livro. A tese foi aprovada com distinção por unanimidade.

    Não foi um trabalho fácil. Quais foram os aspetos mais críticos?

O mais difícil foi a impossibilidade, durante certos períodos, de me dedicar somente à investigação. Todas as dificuldades de pesquisa são ultrapassáveis, mas é necessário tempo para se dedicar plenamente a este estudo. Como sabe, a maioria dos investigadores não tem contratos fixos e indeterminados. Vivemos de concurso a concurso. Muitas vezes, quando não conseguimos fundos para a realização da nossa pesquisa, trabalhamos noutros projetos. E o nosso trabalho de investigação tem de ser adiado ou então realizado em paralelo. Foi assim durante uma parte desta pesquisa.

--- Ou tudo foi um deslumbramento? Um trabalho apaixonante?

--- No cartaz promocional da apresentação do livro…o título reflete, creio, a realidade de uma dupla insularidade, uma vez que destaca uma representação do Príncipe, outra de S. Tomé e uma terceira que é introduzida nas Ilhas devido às migrações do chamado “trabalho forçado” para as Roças – o caso da Puíta.

         Contudo, o destaque do título não quer dizer que tenha esquecido outras manifestações musicais das Ilhas?

A primeira parte do título “Dêxa puíta sócó(m)pé”, criado pelo Ângelo Torres, além de enumerar alguns géneros musicais interpretados em São Tomé e Príncipe, é um jogo de palavras. Atualmente, a puíta é frequentemente divulgada como uma das manifestações mais importantes de São Tomé e Príncipe, um género musical-bandeira do arquipélago. Contudo, como indicam várias pessoas em São Tomé e Príncipe e os santomenses nas ilhas, não é necessariamente assim. Há outros géneros musicais importantes e não existe um consenso em relação daquele que deveria ser indicado como o mais representativo das ilhas. Portanto, além da puíta, há muito mais, não se pode esquecer disso. 

   


--- Vai frequentemente a STP?

Sim, vou lá com regularidade.

--- Qual a ideia que faz do País? Vale a pena continuar a dedicar-se?

Trabalho, principalmente, sobre a história e a cultura. A música sempre terá um lugar de destaque nas minhas investigações. Há imenso para fazer e continuarei a pesquisa em São Tomé e Príncipe nos próximos anos. Tenho vários trabalhos em curso e espero conseguir realizá-los.

--- Há um próximo trabalho?

Tenho vários trabalhos em curso, uma parte dos quais em parceria com o fotógrafo José Chambel. A parceria começou há alguns anos e até agora conseguimos realizar várias atividades. Outras iniciativas estão a decorrer. Em 2020, para nos podermos organizar melhor, criámos uma sociedade de direito santomense, que chamamos Manga-Manga. Decidimos, também, fazer os possíveis para passar uma parte do ano em São Tomé e Príncipe. No ano passado construímos a nossa casa no sul da ilha de São Tomé. Queremos que este espaço seja – ao mesmo tempo – uma base para a realização de projetos artísticos, de investigação, de criação. Um espaço aberto a todos que precisam de se dedicar ao trabalho, sem demasiadas distrações.

Quanto aos projetos, destacaria o trabalho dedicado ao danço congo (https://dancocongo.com/), a criação de um Mapa Cultural de São Tomé e Príncipe (um projeto de longa duração, que se encontra numa fase inicial, e que será desenvolvido nos próximos anos, em parceria com várias pessoas que já foram e que serão convidadas a se juntarem à nós https://culturastp.com/) e o projeto Polo Anguené, dedicado às pessoas da, agora, “a nossa zona”, que nos acolheram com imenso carinho. Quando começámos a realização do Polo Anguené, nem imaginávamos que, relativamente pouco tempo depois, iriamos construir a nossa casa lá, em Angolares.

No ano passado, comecei um trabalho de investigação na ilha Maurícia, o que se revelou muito enriquecedor para a pesquisa em e sobre São Tomé e Príncipe. Ao meu foco no Mundo Atlântico, acrescentei os conhecimentos das dinâmicas do Índico, o que me permitiu colocar outras questões e reparar em pormenores que anteriormente não chamaram a minha atenção. A comparação dos universos musicais – atual e das décadas passadas – destas duas ilhas é um dos trabalhos que atualmente estou a realizar.

E quanto ao próximo livro, comecei a desenhar a ideia no dia em que recebi a cópia impressa do “Dêxa puíta sócó(m)pé”. Com um exemplar na mão, muito emocionada, senti que uma etapa chegou ao fim, um ciclo se fechou e com a energia renovada, comecei o trabalho no livro seguinte. Não posso, ainda, desvendar o tema. Mas posso dizer que será, mais uma vez, dedicado à música em São Tomé e Príncipe.

Muito obrigada.

A.B. = Grato eu pela disponibilidade.

“DÊXA PUÍTA SÓCÓ(M)PÉ. MÚSICA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE DO COLONIALISMO À INDEPENDÊNCIA” – livro de

 Magdalena Anna Bialoborska Chambel, luso-polaca e agora igualmente são-tomense, com apresentação marcada para amanhã, às 18h00, no anfiteatro II da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Apresentação a cargo de José Manuel Sobral (ICS-ULisboa) e Angelo Torres (ator e realizador). Moderação de Ana Lúcia Sá (Iscte-IUL).

A sessão contará com a presença do Senhor Embaixador de São Tomé e Príncipe em Portugal, António Quintas.


António Bondoso.

18 de Abril de 2023. 






 

2023-04-05

 

Em memória de Maria Emília Michel, que deixa os amigos mais tristes e a Rádio com mais um espaço vazio.


MARIA EMÍLIA MICHEL…«assistente musical» que foi na Emissora  Nacional, rumou em 1968 a S. Tomé e Príncipe a fim de iniciar – com Manuela Borralho (assistente literária e noticiarista) – o processo de transição do Rádio Clube local para o Emissor Regional da EN.

Da sua página no Facebook

Foi lá que a conheci e com ela privei, dando-se o caso de a consultar com frequência para me enriquecer musicalmente os programas que eu editava, creio que o Fator Z e o Expresso da Meia Noite.

Um grupo de trabalhadores do ER de STP, da ex- EN. 

         E ficou, claro, a Amizade. Prolongou-se e permaneceu, até que – há já alguns anos – deixou de responder aos contactos. E, soube há minutos, deixou-nos hoje. 

No Programa Música na Praia, de Manuel Sá. 

         Para além dos convívios que regularmente aconteciam no âmbito da Rádio, Maria Emília Michel rapidamente conquistou a Amizade de outras pessoas da «terra», não só colonos, assumindo ser madrinha de algumas crianças. 

         E depois, nunca esqueço, essa boa disposição permanente e uma disponibilidade admirável para colaborar e participar. Neste contexto, vêm à memória as «brincadeiras» que tiveram lugar por ocasião dos 500 anos da descoberta das Ilhas, com a presença de Américo Tomaz, e os acontecimentos do 25 de Abril de 1974. Por essa altura, destaque para as madrugadas que passámos a gravar em bobina, à velocidade de 7e meio ou a 15, muitas canções da chamada «música de intervenção» que eu possuía em fitas pequenas e gravadas a 3,3/4 e em 4 pistas. Origem em alguns camaradas meus do serviço militar que eram mobilizados na «metrópole». Alguns já falecidos, infelizmente. Recordo que a EN não possuía esse tipo de música ou, por meio da censura do lápis amarelo, algumas faixas eram inutilizadas.

No E. Regional de STP com os irmãos Bandeira

          O funeral de Maria Emília Michel deve realizar-se no sábado em Setúbal.

Até sempre camarada e amiga.

Com outros camaradas do ER de STP da ex-EN. 
António Bondoso

5 de Abril de 2023.