Caríssima São
Camarada de palavras “em navio” e conterrânea por amizade.
Sem sair do “coração da ilha”, fui capaz – penso – de percorrer os trilhos deste teu tão sentido quanto belo “País de Akendenguê”.
De Kwame a Malabo, de Batepá a Fernão Dias, da cidade de nome santo ao Congo – percebi a tua angústia e os tempos dos teus fantasmas, mas também os sonhos, não utópicos, do “renascer” da tua Ilha-África.
Como tu, também eu não estou farto de palavras – da nossa palavra jurada – que se entranha nas unhas como as cordas do tempo.
Talvez não tenha interpretado ou decifrado correctamente os teus sinais – ousadia minha consegui-lo – mas, sem sair do “coração da ilha”, esse teu Jardim em ruínas que pintas com os olhos da imensidão do mar e amando as palmeiras que sempre quiseste verdes e rectas, “percebi” que hás-de voltar sempre à Ilha na crista das palavras, pois é lá que moram o teu coração e a tua humilde e solidária “avó” a quem pertences.
E voltarás sempre, apesar dos vampiros e dos indecifráveis desígnios dos Deuses! Sem enigmas. O teu verbo de poeta tem palavras cristalinas, embora sofridas e – por vezes – verdadeiras farpas. Por isso, as canções do teu imaginário serão mais fortes que um qualquer cataclismo, que uma eventual hecatombe.
Se te conheço, do que me recordo e da imagem que formei, a tua estrutura é a do tronco forte do “baobá”, seguro – quase eterno – capaz de enfrentar as tormentas do Grande Rio que te convoca por amor. E será lá, na tua velha casa, na tua casa de sempre, que irás conseguir separar o trigo do joio – pois ao longo da vida tropeçamos em muitos equívocos. O importante é continuar a ser livre como são todos os poetas, porque amar a imensidão do mar será sempre um acto de liberdade pelas palavras. Em busca de muitas verdades, não apenas da nossa !
É bom ouvir os Pastores e as suas lendas, pois Cristo e Maomé foram Pastores e neles se escreveu a verdade !
Sabemos, por outro lado, que as “promessas” são as dos homens comuns, tal como as dos políticos que nos governam – quer seja na nossa “ilha”...quer seja nas que nos são próximas – com falta de ética e moral duvidosa sufocando-nos com mentiras.
Foi assim que fizeram muitos orixás da terra criada por Obatalá, invejando Ogun que sabia o segredo do ferro. Os abutres, ontem como hoje, podem enganar e colher em vida – mas não fugirão para sempre nos “seus tapetes de sonhos”. Haverá certamente uma “madrugada” libertadora, em Abril ou Julho, deixando entrar uma luz pura e justiceira para julgar os abutres. Alguns já foram julgados pela História! Mas percebo que a consciência dos mortos e dos seus irmãos ainda reclamem por justiça. O problema é saber de onde ela poderá vir.
De quem, de onde ? Não seguramente dos tiranos que nos amordaçam, contra os quais esgrimiremos a liberdade das palavras. Estarei contigo nessa caminhada, sem temor dos fantasmas, sem vergar a cabeça!
Mas deves estar avisada para o facto de viagem alguma responder a todas as nossas inquietações. Mesmo que a “mafumeira” que escolhermos para nos levar pelo Grande Rio seja a mais forte e a mais veloz. É que a memória – é preciso tê-la – tem o grande inconveniente de somar feridas e sonhos. Conciliar tudo isto, sem rupturas, recomenda uma “estrutura” forte mas serena. Que não frágil !
Se te conheço, se a imagem que formei estiver certa – serás capaz! Tal como foi Kwame, o “tenaz caminhante e artesão da demanda independentista”, tal como foram Kenyata, Kaunda, Boigny, Senghor, Lumumba e – antes deles – Padmore e Du Bois.
Mas em 1953, em Kumasi, já os cifrões dividiam a ideologia em busca do poder. E a Guerra Fria também. A Gold Coast engroçava o rol das resistências ao colonialismo, mas os ventos das ilhas perderam-se no Golfo. Por isso, Kwame – preocupado certamente com a liderança e com a sua “Positive Action” – não teria “ouvido” os gritos dos humilhados e torturados no mar da morte em Fernão Dias, ou o “arquejar” dos brutalizados das “brigadas da escravidão”, que do seu corpo e alma fabricaram os tijolos dos “chalés da marginal”.
Tudo isto não foi suficiente para um “novo mapa” da tua Ilha-África. Mas talvez o teu imaginário “Mwalium” preferisse dizer-te que, as “novas fronteiras”, seriam eventualmente um processo bem mais doloroso e violento.
Por isso, que a tua inquietação se esvaia e o pó se torne pó, que é o destino do Homem. E que dos seios do teu lugar, da tua Ilha-África, se esvaia também o “leite envenenado” da Vila lá em cima, agora cidade.
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Que esta leitura vos incentive a absorver cada palavra do imaginário de São Lima.
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