PARA QUE A MUDANÇA...VOLTE A MUDAR.
PARA UM RUMO QUE TENHA NORTE:
Deixo para reflexão um trabalho de 2009. É só atualizar. O que já não é pouco. Isso deixo para mais tarde.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Luís de Camões - Sonetos[1]
É este o
mote para nos abalançarmos a uma breve reflexão sobre a “ideia de Portugal no
mundo” ao longo de séculos. Partindo de Camões e da epopeia gloriosa dos
Descobrimentos até aos nossos dias, passando pelas tragédias do império na
África, na América e na Ásia – até à sua perda definitiva em 1974.
A
aventura gloriosa dos descobrimentos colocou Portugal em lugar cimeiro no
concerto das Nações. Pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado com Castela, os
portugueses permitiram-se dividir o mundo – já descoberto e a descobrir – em
duas metades. Uma visão política de largo alcance que, no entanto, viria a
perder-se ao longo dos tempos. Não só devido à circunstância de sucessivas
alterações políticas, sociais e económicas mas, sobretudo, por falta de
recursos humanos para efectivar uma ocupação consistente. Não será de
estranhar, portanto, uma opção mais virada para a actividade comercial –
particularmente com o Oriente.
Assim, nos
idos de quinhentos e de seiscentos, Portugal [a par da Espanha] assume e
difunde a ideia de uma “potência” marítima – uma talassocracia com um projecto e
um objectivo definidos: mostrar a Europa ao Mundo e trazer o Mundo à Europa. África,
Índia, Brasil, Malaca, China e Japão – uma volta ao mundo em 500 anos !
Mas o
“projecto” viria a ter custos elevados. Em recursos humanos e materiais e ainda
na reacção de outros Estados Europeus bem mais poderosos, como a Inglaterra, a
França e a Holanda.
É nesta
perspectiva que se pode enquadrar hoje uma leitura política da obra de Camões,
particularmente n’Os Lusíadas. O Velho do
Restelo, no Canto IV, as estrofes e as mensagens dos perigos que a Nação
corria:- a denúncia dos perigos de quem ia, as dificuldades de quem ficava, as
promessas por cumprir, o despovoamento do reino e o sorvedouro das guerras. Feliz
ou infelizmente, ninguém com
responsabilidade política no reino se apercebeu dessa “leitura” camoniana e,
assim, o curso da História tomou os rumos que hoje se conhecem.
Quando
se perdeu D.Sebastião, perdeu-se mais do que o reino e do que o império.
Perdeu-se a identidade política de Portugal que, apesar de recuperada em 1640,
não voltaria a restaurar o prestígio do país no Hemisfério Sul – onde a
Inglaterra, a França e a Holanda passaram a ser os senhores do mapa.
Um novo
golpe, profundo, viria acoplado à revolução liberal de 1820 – no rasto das
revoluções americana e francesa – e que, triunfante, levaria à perda da maior
parcela do império, o Brasil. Jamais
Portugal voltou a ser considerado como fazendo parte da família das grandes
potências europeias e mundiais.
Contudo,
durante esse longo período de quase quatrocentos anos, Portugal teve um papel
importante na projecção da Europa sobre o resto do mundo. E contribuiu decisivamente para o alargamento
da comunidade internacional e para o desenvolvimento das relações
internacionais, pondo em contacto povos de diversas raças, etnias, credos,
religiões e culturas.
Não suscitavam admiração, por isso, os relatos de figuras
ilustres que nos visitavam, sobre o desenvolvimento do país. Hans Christian
Anderson, em 1865, após prolongada estadia, escrevia por exemplo :- Mas que transição veio de Espanha para
Portugal. Era como se tivéssemos voado da Idade Média para a idade moderna [2].
Portugal tornara-se a sociedade mais avançada do Sul da Europa, nela
despontando por ex Alexandre Herculano, Almeida Garrett e depois Antero, Camilo
e Eça. Como escreve ainda Martin Page – sobretudo
no domínio dos direitos civis, Portugal tinha-se tornado um exemplo para o
resto do mundo.
A indústria, finalmente, acertava o passo; o país era o
maior produtor mundial de cortiça e Eiffel projectava e construía em Portugal.
Mas esse “contributo” não mereceu o reconhecimento dos
seus pares europeus, particularmente pela manipulação conduzida por Cecil
Rhodes a propósito das possessões portuguesas em África. E foi o tempo da
humilhação do Ultimato que, depois,
conduziu ao Regicídio, ao fim da
Monarquia e à implantação da República. Curiosa e tragicamente, foi a I Guerra
Mundial que “salvou” o resto do Império, depois de – pouco tempo antes do
conflito – a Alemanha e a Inglaterra terem “negociado” a partilha de quase todas
as colónias portuguesas.
O novo regime, no entanto, não se mostrou capaz de devolver a
estabilidade ao país. Nos primeiros quinze anos, a República ofereceu-nos sete
eleições gerais, oito presidentes e 45 governos – um dos quais durou menos de
um dia. Os cofres do Estado não resistiram e foram mesmo “arrombados” com o golpe de Alves dos Reis. A dívida
pública, de uns modestos 400 milhões de escudos, multiplicou-se como por
milagre e chegou aos 8 mil milhões.
Internamente, foi com naturalidade que o povo aceitou o
golpe militar de 1926, numa altura em que a credibilidade externa do país, da
segunda metade do séc. XIX, se havia esgotado. A Sociedade das Nações perdera a
confiança e Churchill perdoou quase três quartos da dívida de guerra que ainda
estava por saldar. Também naturalmente, o povo aceitou Salazar e a sua ditadura
do Estado Novo – ancorada na família como
pedra basilar de uma sociedade organizada.
A ditadura trouxe a repressão policial, nasceu a PIDE e
instituiu-se a censura. As liberdades foram acorrentadas em África, no Campo do
Tarrafal, em Cabo Verde.
Veio a II Guerra Mundial e o regime preferiu uma “neutralidade colaborante” ao
envolvimento directo no conflito, como havia acontecido na Grande Guerra.
Mantendo a aliança com a Inglaterra, o objectivo prioritário era a salvaguarda
da integridade territorial no Atlântico Norte e das colónias de Angola e de
Moçambique. E em 1949, mais por pressão dos aliados [reconhecimento da
importância estratégica dos Açores] do que por vontade da liderança portuguesa,
o país é membro fundador da NATO/OTAN. No entanto, o grande objectivo de
Salazar era o Forum das Nações Unidas – para o qual Portugal não foi convidado
pelas grandes potências, quer pelo clima de “guerra fria” já instalado entre os
EUA e a URSS, quer pelo facto de o regime não ser democrático. O veto da URSS
prolongou a marginalização de Portugal até 1955, embora o país fizesse parte do
chamado “bloco ocidental”.
Em 1960, quando Portugal adere à Associação Europeia de
Comércio Livre – EFTA – já a imagem do país se havia deteriorado na cena
internacional, particularmente na ONU onde predominava uma corrente
anti-colonialista, a qual – no ano anterior – havia aprovado uma resolução
condenando o colonialismo português.
1961 foi o “annus
horribilis” para a imagem externa de Portugal, com a perda de Goa, Damão e
Diu – pela força – para a União Indiana, e particularmente com o início da
chamada Guerra Colonial em Angola, em Fevereiro. Mais tarde, com a abertura das
frentes na Guiné e em Moçambique, a imagem negativa do país agravou-se e nem
mesmo as “boas” relações com a Santa Sé conseguiram evitar o “golpe de
misericórdia” em 1970 :- o Papa Paulo VI recebe em audiência privada os
dirigentes dos Movimentos de Libertação das colónias portuguesas.
O “isolamento” internacional de Portugal só viria a ser
quebrado com o golpe militar de 25 de Abril de 1974, que conduziria o país à
democratização, à descolonização e ao desenvolvimento. Foi a queda do império,
o corte com o passado – a queima das
caravelas na metáfora de Adriano Moreira. Mas nem tudo foi perfeito. 1974 e
1975 foram anos difíceis, de forte luta interna pela escolha de um modelo para
o novo regime, ainda com a guerra fria em pano de fundo. E o “perigo” da
instauração de um modelo comunista no extremo ocidental da Europa e numa
pequena ilha do extremo oriente, levou mesmo os EUA a “caucionarem” a invasão
de Timor-Leste pelo exército indonésio – uma questão só resolvida
internacionalmente em finais do séc.XX.
Contudo, a “normalização” da imagem de Portugal no
concerto das Nações foi um facto logo em 1976, com a admissão no Conselho da
Europa. Dez anos depois, foi marcante a adesão à CEE – a decisão estratégica mais importante na vigência do regime democrático
e constitucional português, no dizer de Medeiros Ferreira. A Europa
comunitária, de acordo com António Barreto, foi
o amortecedor de perdas e lutos que, noutras condições, poderiam ter criado
traumas insanáveis. Mas hoje, diz agora e ainda António Barreto[3],
a pertença à União Europeia nem sequer
por todos é um facto consumado. [...] Essa pertença, prossegue, não é claramente discutida e não provoca um
pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Hoje, com 35 anos de regime democrático, continuamos a
evocar Camões e a celebrar o “seu” dia –
10 de Junho – para lembrar a apropriação do nome e da obra do Poeta ao sabor da
conjuntura. Festejar Camões, reforça António Barreto, não é partilhar o sentido épico que ele soube dar à sua obra maior, mas
é perceber o homem, a sua liberdade e a sua criatividade. Como também é
perceber o que fizemos de bem e o que fizemos de mal. Descobrimos mundos, mas
fizemos a guerra, por vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem
humanidade. Soubemos encontrar a liberdade, mas perdemos anos com guerras e
ditaduras.[...]Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como
exemplos.
=== António Bondoso ===
[1] - Selecção sobre “A experiência humana e a reacção perante a vida”. Em
Textos Literários do Séc.XVI, de M.Ema Tarracha Ferreira e Beatriz M. Paula.
Aster, Lisboa, 1960. 3ª edição, corrigida e aumentada.
[2] - Citado por Martin Page em A Primeira Aldeia
Global. Casa das Letras, Lisboa, 2008 – 3ª edição.
[3] - Discurso oficial do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em 10
de Junho de 2009.
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António Bondoso
Jornalista
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António Bondoso
Jornalista
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