2016-10-14



ENTRE ESTAÇÕES – UM CAMINHO PARA O SUL E PARA O MAR…por onde também passou o almirante Sarmento Rodrigues.


         Caminhada até às Devezas. Alfa Pendular. Santa Apolónia, Metro, Cais do Sodré. E o rio e o mar ali tão perto! Belém a olhar o oceano e o Tejo…e o novo museu – o MAAT – ainda em fase de acabamento. Parabéns à EDP por levar novas ideias junto à água. E a chuva, não tão inesperada quanto isso, mas suficiente para ensopar os sapatos e fazer muita gente recolher à pala do Maat. Depois o Museu da Marinha, ali tão próximo dos Jerónimos e do Palácio Presidencial – onde a guarda é da responsabilidade da GNR mas, à cautela e não vá o diabo tecê-las, mesmo na esquina está instalada uma esquadra da PSP. Volto ao Museu da Marinha – onde a história se confunde com o espírito do povo: aventura além do mar para saber se havia outros, como seriam e qual a sua história, a qual passou a ser partilhada para o mal e para o bem. Na loja do museu, paredes meias com o pavilhão das Galeotas, uma mesa de café mostrou-me a planta do porto da cidade cabo-verdiana da Praia, na qual descobri o ilhéu de Santa Maria e a praia Virgínia…quase junto à Ponta Temerosa. 



Na loja estava lá quase a história toda e foi ali que me chegou às mãos o livro sobre Sarmento Rodrigues – um tributo à grande figura da Marinha por ocasião do centenário do seu nascimento em Freixo de Espada à Cinta no ano de 1899. Uma reposição, embora com novos testemunhos, mas ainda e sempre a estatura do igualmente transmontano Adriano Moreira, do alto da sua competência e lucidez com 94 anos, a lembrar que Sarmento Rodrigues terá sido como que um cidadão romano da República Portuguesa. E desfiou memórias sobre o percurso do homenageado mais uma vez: teve a humildade de ter aceitado o cargo de governador-geral de Moçambique, depois de já ter sido Ministro do Ultramar; foi o primeiro que, por escrito, apresentou um projeto para reformar toda a administração ultramarina; viu longe o que estava a mudar e defendeu a mudança num espírito de diálogo e de compreensão. Adriano Moreira voltou a destacar o forte culto da amizade que ia para além das divergências políticas ou ideológicas. Quando Sarmento Rodrigues foi preso, na sequência das contradições do PREC – depois do 25 de Abril – Raúl Rego, socialista e laico, foi dos primeiros a visitá-lo. E há igualmente essa amizade antiga com Norberto Lopes que viria a ser embaixador em Moscovo. É ele que conta, no livro em apreço, uma estória corroborada por Adriano Moreira e que envolveu Oliveira Salazar numa sessão de despacho: dizia Sarmento Rodrigues ao então Presidente do Conselho de Ministros que gastava muito tempo a escrever textos para palestras para as quais era convidado frequentemente, em prejuízo de outras atividades. Ao que Salazar retorquiu com ironia, porque não encarrega alguém de lhe fazer os discursos? Resposta pronta de Sarmento Rodrigues, sem azedume mas sem subserviência – o senhor Presidente podia dizer-me quem lhe faz os seus? Talvez possa encarregá-lo de escrever os meus.
         Sarmento Rodrigues, marinheiro, académico e político – era situado por Marcelo Caetano à esquerda do antigo regime. Mais uma vez lembrado no Museu da Marinha, em Lisboa, na presença de familiares e amigos – de Freixo de Espada à Cinta a vários cantos do mundo onde se fala em português.



António Bondoso
Outubro de 2016. 

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