HÁ LIVROS PARA SABER... em Moimenta da Beira e em Lisboa.
O AUTOR E O LIVRO…ou de como o Rui Bondoso –
o primo caçula como lhe chamo – foi amadurecendo a sua estrutura criativa, num
percurso que o trouxe de Samba Lucala, terra angolana de nascimento na longa
distância entre Malanje e Luanda, até este interior português de Moimenta da
Beira, a norte de Viseu e a sul do Douro.
O livro tem por título “O EDITOR ESQUECIDO – Eduardo
Salgueiro e a Editorial Inquérito”, chancela das Edições Esgotadas e
vai ser apresentado terça-feira, 17h30, no âmbito do evento «Interior no Livro»
a decorrer em Moimenta da Beira.
Em 400 páginas, a escrita de Rui
Bondoso resgata e dá a conhecer a vida e a obra de Eduardo Salgueiro (1904-94),
um dos mais proeminentes editores portugueses do século XX, fundador da Editorial
Inquérito em 1936, "que foi a maior manifestação de cultura e
liberdade durante os quarenta e muitos anos do antigo regime", segundo
António Alçada Baptista.
Ao adquirir o livro e depois de
passar os olhos com minúcia, ficará a saber seguramente o que de mais
importante se pesquisou já sobre Eduardo Salgueiro, um Moimentense de grande
fôlego agora homenageado por Rui Bondoso – ele próprio merecedor do meu
destaque como «uma das figuras da minha vida».
Conheci-o em Luanda quando, em
férias, visitei a casa dos meus tios Palmira e Honorato em 1968. O Rui tinha 10
anos e era o mais novo de 6 irmãos: - Os saudosos Toli e Zeca, o João Luís,
agora na Austrália, a Mizé e a Luisinha. Voltámos a cruzar-nos no ano seguinte,
em S. Tomé, e depois em 1971 – de novo em Luanda – quando fui frequentar a
EAMA, em Nova Lisboa (Huambo).
Sem nunca ter vindo ao «puto», este
torrão lusitano à beira-mar, o Rui «aterrou» em Lisboa em Setembro de 1974, na
sequência do processo de descolonização que a revolução de Abril iniciou:
RUI - Viajei
Luanda-Lisboa num Boeing 747, com as tias Lurdes, Felicidade, Isabel e a Tita.
Ficamos uma noite em casa da prima Amélia e no dia seguinte fizemos a vigem
para Moimenta em autocarro. Vivi dois anos com a avó Maria José e a tia Luísa.
Tempos partilhados em casa com o Tózé e a Tita (estudávamos) e uns meses depois
com o tio Luís (teu pai).
A.B.
-
Nessa idade, a mudança e a adaptação não terão sido fáceis?
R.
-Adaptei-me sem sobressaltos e guardo até boas recordações desse tempo.
AB.
Tiveste um sentimento de «exilado», aqui?
R.
Não, de todo! Aliás, o melhor período da adolescência vivi-o em Moimenta da
Beira.
AB-
E o jornalismo? Como? O facto de eu já o ser também…influenciou alguma coisa?
R.
Sabia que estavas na profissão e inconscientemente isso deve ter influído.
Porém, a ‘coisa’ começou verdadeiramente em conversas que mantinha com o Dr. Ferro
e o Padre Bento, ligados à primeira fase do Correio Beirão (1956), e com o Dr.
Lima Gomes, já idoso nesse tempo, mas também ligado aos jornais. Isso
entusiasmou-me. Entusiasmo reforçado pela leitura diária de jornais.
AB-
Enveredar pelo jornalismo quando se é jovem é um ato de coragem!
R.
Se foi, nem dei por isso. Creio que foi mais um desafio que logo se tornou
paixão.
AB-
Correio Beirão, Moimenta. Na Imprensa Regional…o ato de coragem é ainda maior!?
R.
Estava motivado e fui fazendo caminho, consolidando conhecimentos, em especial
através das formações (tantas formações) no CENJOR.
AB-
Houve depois o JN no teu percurso. O que mais te marcou aí?
R.
O JN ‘premiou’ o percurso que fiz até aí. Foi outro mundo. A dimensão do
impacto do que escrevia deixou-me marcas.
AB-
Mais tarde a experiência «autárquica», que dura até hoje. Assessor. QUANTO DE
JORNALISMO há nessa função?
R.
Muito de jornalismo, mas desta vez feito do outro lado, com outra missão e
propósito.
AB-
O jornalismo de hoje, distante do de ontem. Muito?
R.
A léguas, de tal modo que quase deixei de ler jornais e quase deixei de ver
noticiários, em especial televisivos. Hoje o jornalismo é opinião, especulação,
não há independência e um número apreciável de jornalistas não tem sequer noção
dos valores da profissão.
AB-
E aqui chegados…aparece um trabalho de GRANDE INVESTIGAÇÃO, de Grande fôlego. E
o JORNALISMO, de alguma forma, … ainda presente.
R.
Sempre presente, na forma (mais rica) e no conteúdo. Narrei factos.
AB-
EDUARDO SALGUEIRO, a figura, também foi jornalista!
R.
Sim, jornalista profissional (cinco anos no Comércio do Porto, depois no século
e no Diário da Noite), jornalista empenhado que fundou até um jornal
(República).
AB-
E o RESULTADO da investigação…é um livro de 400 páginas e que demorou 6 anos. O
QUE É que foi «condicionando» o teu trabalho nessa investigação, para levar
tanto tempo? À parte o facto de Eduardo Salgueiro ser uma Figura fascinante.
R.
Dois motivos em especial: 1) Reunir os livros que editou; 2) Confirmar a
extensa lista de factos de uma vida tão intensa. Junto um outro, este mais
pessoal: percalços de saúde.
AB-
Eduardo Salgueiro é também uma figura de proximidade, nasceu em Moimenta da
Beira… mas para te «absorver» durante tanto tempo, é porque deve ser uma FIGURA
SINGULAR.
R.
Moimentense, sim. Conheci-o, promovi-lhe uma homenagem e mantive com ele uma
assídua correspondência. Desta vivência, e do que fui lendo e sabendo, dei
conta da sua importância e envolvimento na promoção dos livros e dos
escritores. Era verdadeiramente um homem que se regia por valores e convicções,
um republicano e democrata dos sete costados.
AB-
Parabéns. Um abraço grato.
E
lembro que o livro vai igualmente ser apresentado em Lisboa no dia 9 de Maio,
na Biblioteca Nacional de Portugal, também com a intervenção do jornalista e
investigador António Valdemar.
António
Bondoso
21
de Abril de 2024.