O FIM DA QUARTA LIBERTAÇÃO...OU UMA CERTA FORMA DE FALAR DE SAUDADE...
Numa altura em
que os medos e os fantasmas regressam ao nosso cotidiano, 41 anos depois da “quarta
libertação” (1640, 1820,1910 e 1974), dei por mim a pensar na saudade – suas
causas e efeitos. E partilho agora parte dessa reflexão:
SAUDADE
Teremos
talvez que buscar o início dos tempos…para tentar encontrar uma definição para
este termo comum, popular, altamente difundido em português.
Certamente
ao latim…talvez mesmo aos gregos e aos árabes… e porque não aos fenícios! Mas
não podemos esquecer o galaico-português e depois os arcaísmos…
Soidade,
suidade – como diziam as Cantigas de Amigo, por exemplo as de D. Dinis no
século XIII, e depois Suydades, no século XVI com Gil Vicente.
Seja
como for…a tradução para outras línguas não é nada fácil – senão mesmo quase
impossível.
Há
quem diga que HIRAETH – do gaélico
irlandês se aproxima… havendo até um “quase”, quer em romeno ou alemão, quer em
polaco ou inglês.
Mas
é em português que se vive a saudade: em Portugal, Brasil e todos os outros
países lusófonos… havendo mesmo dois crioulos ou duas línguas locais (no
crioulo de Cabo Verde = Sodade/Sodadi – quem não recorda Cesária Évora! – e
Saudadji em língua Forra de S. Tomé e Príncipe. Mas apesar de tudo, mesmo em
português…o significado não é único, exclusivo!
E
pode considerar-se até uma linha muito ténue entre «saudade» e saudosismo – movimento simbolista,
nacionalista, poético e filosófico no início do século XX…a que chamaram
Renascença, mas ao qual, hoje, praticamente se decidiu atribuir um sentido
negativo.
O
que é afinal a Saudade? Será apenas Ausência? Tristeza? Dor? Angústia? É
solidão? Não haverá um sentimento positivo nessa expressão “saudade”?
Sem
forçar muito a nota, podemos até descortinar uma ideia «sedutora» em saudade se nos lembrarmos do Fado – não todo, claro
está – e estou em crer que não se
pode ficar indiferente à voz sensual de Ana Moura, por exemplo, que faz a
gentileza de nos brindar igualmente com um brilhante e rasgado sorriso no qual
mora o fado inteiro.
Seguramente…a
saudade é um “estado d’alma”. Podemos ter saudades de alguém que amamos e está longe ou ausente; de um
amigo querido, de alguém conhecido ou de um colega; de alguém ou algo que não
vemos ou com quem não conversamos há imenso tempo. Já não falando, claro, de
alguém falecido muito próximo. Ou
mesmo de lugares, se nos recordarmos da “geografia sentimental” de Aquilino
Ribeiro, ou de boa comida, de boa música, de se fazer algo que há muito não se
faz (as saudades que eu tenho da Rádio…por exemplo!), do tempo e das
circunstâncias que passaram/vivemos e que nos marcaram: e vem à memória, de
imediato, o 25 de Abril de 1974. E depois…todo o processo de crescimento e de
amadurecimento da cultura e da vivência democráticas, como se da educação de um
filho se tratasse. Que saudade de o ter nos braços, que saudade de o erguer em
direção ao céu, que saudade de saber os erros cometidos e de o ver cometer os
seus na caminhada inexorável da sua afirmação. Que saudade de abraçar a mãe e
da nossa felicidade estampada, nesta já longa estrada que temos vindo a
percorrer.
Que saudade de S. Tomé – onde bebi a luz quente do
saber ser gente, onde provei o valor da amizade e da camaradagem e onde decidi
o meu futuro; que saudade do 74 da Cândido dos Reis, no Porto – onde pude
acrescentar outros valores como os da ética, do respeito e da responsabilidade;
que saudade de Macau – onde reencontrei o prazer da Rádio, onde cultivei novas
amizades, algumas das quais determinaram o presente que vivo hoje, por exemplo
no campo da escrita.
E
para quem escreve…tudo isto faz sentido! Quer seja em Poesia, quer seja em
Prosa! Eu comecei com a poesia…exatamente em Macau, onde publiquei em 1999 EM MACAU POR ACASO , um livro de poemas
já carregado de “saudades”, sobretudo a angústia de quem lá nasceu e que, quase
de repente, viu a sua terra natal assumir outra nacionalidade. Tal como já
havia acontecido em África…mas talvez não com tanto traumatismo! Houve como que
uma “almofada emocional” – um certo período de «adaptação»…Uma transição de 12
anos!
Agora,
quarenta e um anos depois da quarta libertação, vivemos um tempo de subversão
de valores, de submissão da liderança política aos donos de tudo isto – a alta
finança – de uma austeridade que atinge a dignidade individual e que suga a
alegria do convívio fraterno das pessoas. A liberdade já passou e tenho saudade
do seu encantamento. Não espero qualquer D. Sebastião, mas tenho saudade de
alguém que nos devolva o espírito saudável de viver!
António Bondoso
Foto de A. Bondoso
António Bondoso
Jornalista
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