ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA
PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.
Foi no Sábado ao final da tarde. No Espaço Quadras Soltas, na Miguel Bombarda, no Porto.
Conversa sobre:
"ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE".
Obg pelo convite da PORTA XIII (Cerveira), que colaborou com Quadras Soltas e com Plataforma Cafuka neste Porto Africano de 2016.
Apesar da chuva...apareceram alguns amigos, entre os quais uma jovem estudante de STP; um artista plástico consagrado, natural do Príncipe e dois luso/são-tomenses.
E foi com este belo cenário (África, de Manuel Xavier), em fundo, que eu respondi ao desafio de falar sobre um escritor de S. Tomé e Príncipe, tendo escolhido ALBERTINO BRAGANÇA. A prosa em destaque, embora não tivesse faltado a poesia em momentos oportunos, numa escolha dos elementos da Porta XIII - Alda do Espírito Santo e Francisco José Tenreiro.
ALBERTINO BRAGANÇA - DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA
PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.
Conheci
Albertino Bragança – ou melhor, via-o e ouvia falar dele – quando entrei para o
Liceu em S. Tomé. Já ele era um dos mais velhos ao lado de Pôa, Vargas, João
Santiago, Luís Moura…e, também por isso – por ser o mais velho – infundia
respeito. Uma forte característica africana que, nestes tempos modernos de uma
globalização tragicamente desumanizada, se tem vindo a perder. Talvez o último,
mediaticamente falando, tenha sido Mandela – o Madiba. Mas como dizia, já nesse tempo (finais dos anos de 1950,
princípio dos anos 60) o chamavam de “Doutor”. Albertino Bragança tinha queda
para as ciências e também era um mestre na ciência de jogar à bola. Quer no
Liceu, quer no Sporting (tal como mais tarde no União de Coimbra e até numa seleção
militar portuguesa), jogava em souplesse,
com habilidade e leveza, sem recorrer ao tradicional Xingá, jogava portanto de forma lenta, mas segura, tal como lento e
seguro tem sido o seu tempo de escrita. Um artista, no lato sentido do termo. O
período dos seus estudos em Portugal não coincidiu com o meu percurso de vida, circunstância
que fez com que os nossos caminhos se voltassem a cruzar apenas uns bons anos
mais tarde – já estava em curso o tempo da mudança social, económica e política
no novo país africano de língua oficial portuguesa.
ALBERTINO
BRAGANÇA
De
Doutor em Coimbra (mais propriamente engenheiro) ao seu Riboque de sempre – moladô que foi – proponho então uma pequena
viagem pelas palavras que Albertino Bragança trabalha e adoça, serena, poética
e pausadamente, para descrever o seu país – de antes e de hoje – oferecendo
histórias deliciosas. Lugares e acontecimentos, homens e mulheres de S. Tomé e
Príncipe – sobretudo mulheres, como Rosa do Riboque e Aurélia (de vento),
projetando um Clarão (de protesto e de esperança) Sobre a Baía. Albertino
Bragança – de seu nome completo Albertino Homem dos Santos Sequeira Bragança –
apesar do engajamento político e das longas pausas na escrita – ainda se
debruça com muito jeito sobre a Música Popular Santomense, transformando em
livro um excelente texto de uma palestra em Lisboa, na UCCLA, em 1999.
Chamando a atenção para o facto de não
se considerar musicólogo ou mesmo um simples especialista nesse domínio das
artes, o facto é que o seu ensaio – com o objetivo inicial de celebrar a figura
ímpar do cantor e compositor AIDÉ (HYDER)
ÍNDIA (Vaz da Conceição), o qual completaria nessa data 70 anos de vida e que
foi visto como o homem da voz que é povo
– o facto é que, dizia, o estudo de Albertino Bragança teve o condão de
perpetuar no papel nomes de artistas e de grupos musicais de grande relevo em
S. Tomé e Príncipe. Nomeadamente Quintero Aguiar, Sousa Barros (Barrinhos, como
era conhecido), José Aragão, Leonel Aguiar, Álvaro Morais, Paulo Leite,
Leovigildo Mascarenhas, João Seria, ou Álvaro Trigueiros, que deram corpo por
exemplo aos CTT, Leonino (de onde saiu José Aragão para os Untués), Vitória,
Leonenses, Sangazuza, Maracujá, África Negra, Amigos da Cultura.
E
poemas de sentido libertário, pelo menos crítico, como Gandu ou Fôça sá Pêtu.
Diz
Albertino Bragança que, para os povos africanos, a importância da música
ultrapassa o simples quadro do fenómeno cultural…para se confundir com a
própria vida, tornando-se num símbolo de comunhão, de fraternidade entre os
membros da comunidade. Tanto na solidão
como no convívio, quer em liberdade quer sob a mais feroz opressão – acrescenta
Bragança – o homem canta e é pela música que extravasa a alegria e a dor. E
em S. Tomé e Príncipe, salienta, foi de primeira grandeza o papel social da
música, assumindo-se como a grande tradutora dos complexos estados de alma e,
através da sátira mais mordaz, como espaço crítico por excelência.
Mas havia coisas que a razão do
colonialismo desconhecia. GANDU, por
exemplo, originariamente escrita e cantada pelo Leonino, viria a ser proibida,
apesar de o poema ter aparecido sem carga satirizante. Ganhou-a posteriormente
– sobretudo pela primeira estrofe, que dizia simplesmente: Dêçu fé omali / Patxi da pixi an / Gandu cu tê fama/ Só fé uê lizu/
Tomá cuá dê an …. DEUS FEZ O MAR/ e repartiu-o por todos os peixes/ O tubarão
que tem fama / Após luta tenaz / Ficou com toda a parte.
Retomando
Albertino Bragança, Rosa do Riboque – o seu primeiro livro – o romance AURÉLIA DE
VENTO e Um Clarão Sobre a Baía, são talvez as obras mais emblemáticas do autor.
Não tanto pelos fatores de classificação literária – essa será a meu ver uma
questão menos relevante – mas sobretudo pelo significado da mensagem, quer no
espaço, quer no tempo. Literariamente, a escrita é apelativa, de uma erudita
simplicidade: como no início do capítulo II de Rosa = A noite aproximava-se enfadonha e pesada. Uma modorra enervante
impelia as pessoas para o tédio. Noctívagos incorrigíveis preparavam-se para desafiar
a placidez da noite, buscando sensações fortes que pudessem contrariar a apatia
que persistia em se apossar de tudo. Até porque noite de sábado [e hoje é
sábado!] não era hora de ficar em casa, muito menos quando, na sede do Coimbra
Nova, o famoso agrupamento se preparava para receber a visita do rival Eco da
Madrugada.
Ou
no capítulo VI de Aurélia de Vento, quando escreve: As raparigas como que se deixavam contagiar pelo entusiasmo do
anfitrião. O tronco inclinado sobre a mesa, Lenita aproximou-se dele e beijou-o
suavemente… o rosto arrebatado pela volúpia daquele som apelativo como nenhum.
Enquanto isso, Elsa estendia, apreensiva, o olhar pelo local da festa, como se
estivesse à espera de que algo de inesperado pudesse vir a acontecer.
Não sendo um homem de letras, por
formação, Albertino Bragança esteve ligado à educação e à cultura desde os
primeiros tempos da independência de S. Tomé e Príncipe. Não terá sido dos
primeiros a regressar, mas voltou à terra no seu tempo próprio. E foi um dos
fundadores da UNEAS – a União Nacional dos Escritores e Artistas Santomenses –
e já em 1984 foi co-fundador da primeira editora do país, GRAVANA NOVA, com Frederico dos Anjos e Armindo Aguiar. Foi aí que
iniciou a aventura de publicar Rosa do Riboque. Albertino Bragança, como um dos
mais velhos, e mesmo não estando engajado nessa altura com a chamada política
ativa de alto nível, nunca perdeu a noção do seu entendimento de cidadania,
tendo a revelação de que era fundamental deixar às novas gerações elementos
essenciais da história do país. E num mar de poetas, que já havia desde o
século XIX, Bragança teve o discernimento de sistematizar a prosa – seja conto,
seja romance ou ensaio – emprestando-lhe visibilidade.
ANTÓNIO OLIVEIRA, da Porta XIII, a dizer PARA A TÂNIA, de Alda do Espírito Santo.
Albertino
Bragança – não só, mas sobretudo – promoveu, ajudou seguramente a promover o
salto da literatura do novel país. Naturalmente, muito para além da chamada
literatura oral e tradicional [Inocência Mata chama-lhe ORALITURA] que, em todo o caso, desempenhou – e em muitos casos
ainda desempenha – um papel importantíssimo na recolha do saber e da filosofia
dos forros são-tomenses. Compõem esse tipo de literatura (pode ler-se em Carlos
Espírito Santo ou em Lúcio Amado) sobretudo manifestações culturais como o
VÉSSU, ou provérbio; o AGUÊDÊ, ou adivinha; ou o CONTÁGI e a SÓIA, os
tradicionais contos e histórias.
De
outro modo, Albertino Bragança foi igualmente muito para além da prosa de
ficção colonial e intervalar destacada por Inocência Mata, nomeadamente em
autores como Fernando Reis, Luís Cajão e Sum Marky. Tal como não se pode
esquecer Viana de Almeida – bisneto do 1º Barão de Água Izé – com os seus
contos reunidos em MAIÁ PÒÇON (Maria da Cidade), em 1937, ou mesmo o jornalista
Mário Domingues, que escreveu O MENINO ENTRE GIGANTES, em 1960. Mas, talvez à
exceção de Sum Marky – perfeito conhecedor da realidade da então colónia,
plenamente engajado com a sociedade local – a esses outros autores faltava-lhes
a alma de ser, de perceber e de pertencer.
O
autor de que falamos, ALBERTINO BRAGANÇA, quer pelo distanciamento conhecedor,
quer pela maturidade, quer pela vivência, quer pela alma – embora já num quadro
social e político totalmente diverso – foi mais forte do que outros (alguns bem
jovens) que tentaram afirmar-se na ficção rompendo com o passado tradicional =
casos de Frederico Gustavo dos Anjos, com BANDEIRA PARA UM CADÁVER, 1984;
Rufino Espírito Santo, com A PALAVRA PERDIDA E OUTROS CONTOS, 1992; E Aíto
Bonfim, com O SUICÍDIO CULTURAL, 1994 e com O GOLPE, 1996. De todos estes, Aíto
Bonfim parece ser o caso mais consistente, até por uma arrojada incursão pela
dramaturgia – sendo que Frederico dos Anjos adotou a importância da Poesia, e
Rufino Espírito Santo, a quem reconheço um enorme potencial para escrever
coisas muito belas, vai retardando a publicação dos seus textos.
Assim…tem
sido Albertino Bragança a capitalizar as honras de um caminho esforçado e
dedicado, na prosa…merecendo, sem favor, a designação de grande contador de
histórias. Como são as relatadas em Rosa
do Riboque (1985) ou em Preconceito e
outros Contos (2014) – quase 30 anos a separá-las. Por isso, estas últimas
vão muito para além do político. Mantém-se o retrato social das populações da
cidade capital e arredores, mas o pensamento de Bragança tem impacto direto na
necessidade premente de governantes e governados ultrapassarem a mentalidade de
séculos.
O
autor que aqui celebramos hoje, genuíno filho da terra, dedicado embaixador do
Riboque (…Nen moçu libóquê na tê flogá fa…// Poderei traduzir esta expressão
como a malta ou os rapazes do Riboque não estão para brincadeiras)… teve a
coragem, embora já no chamado período da mudança, de criticar e denunciar todos
os males do regime de partido único pós independência. Ditadura, arbítrio,
perseguições, prisões…e mesmo a matança irracional de opositores de gabarito,
como foi o caso de Lereno da Mata. UM
CLARÃO SOBRE A BAÍA, escrito em 2005 para que tal não se repetisse, para
que a mensagem pudesse iluminar os destinos das pessoas e do país. Abílio
Bragança Neto, jornalista de uma produtora independente em Lisboa; sobrinho de
Albertino Bragança e filho de Albertino Neto – outro dos sacrificados da
impunidade do regime pós independência – escreveu que «Um clarão sobre a
Baía» é simplesmente o mais importante romance contemporâneo santomense, porque
quebra a regra do silêncio, a ormetá de latitude 0, sobre o mais tenebroso
período da história política e social do país.»
E
depois, há essa particularidade de Albertino Bragança escrever num português
corretíssimo (como já vimos), utilizando simultaneamente e com muito a
propósito, oportunas e graciosas expressões em língua forra de S. Tomé [sustentada
hoje numa gramática simples compilada por Carlos Espírito Santo e até mesmo num
dicionário santomense – português, da Editora Hedra de S. Paulo] …ou expressões
em português com sotaque das ilhas, como esta:
“Credo, Beto! Você vê mesmo
que isso é hora de chamar gente no mato escondido? Você teve sorte porque eu já
estava pensar bastante coisa…”
E…finalmente,
há ainda essa outra faceta de – sem rótulos, seja neorromantismo ou realismo –
Albertino Bragança, humanista seguramente, escrever com ternura e com beleza,
numa linguagem viva, de perfeita invenção poética. Ora projetando o som
estridente do batuque do Danço Congo ou da puíta, ora fazendo ouvir o ritmo
dolente e compassado de “pitu dôxi”.
Não
será poesia… (há hoje nas redes sociais muito boa gente que plagia prosa
transformando-a em poesia…) – (pg115 Aurélia) – não será isto poesia?
Para
ele
Aqueles
foram os dias mais penosos
Da
sua vida.
A
corrida desesperada
Os
gemidos da sinistrada
Pela
estrada esburacada.
A
distância
Parecia
aumentar a cada instante.
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A
escrita ALBERTINIANA (ou Bragançana, se quisermos) está repleta de textos como
estes (Aurora, pg 88):
Fechada no seu quarto
O
rumor da festa chegava-lhe
Como
um pesadelo.
Pior
do que isso
Incomodava-a
até ao desespero
O
riso mesmo por debaixo da janela.
Fechou-a
com estrondo
Procurando
desabafar com tal gesto
Toda
a raiva
Que
a dominava.
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Ainda tempo para mais um poema, e ainda de Alda do Espírito Santo, a propósito do Riboque. MARIA DO AMPARO BONDOSO, dizendo DESCENDO O MEU BAIRRO.
E disse o que penso, embora com muitas lacunas certamente, sobre ALBERTINO
BRAGANÇA – ele próprio e a sua obra.
DO REAL AO IMAGINÁRIO, UMA PROSA POÉTICA SÃO-TOMENSE.
A.B. nasceu em 1944 em S. Tomé.
Foi Ministro das
pastas da Educação, da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, deputado e
vice-presidente da Assembleia Nacional.
Obras
Publicadas: Rosa do Riboque e Outros Contos (1985 e 1997);
Um
Clarão sobre a Baía (2005) e no mesmo ano
A Música Popular Santomense ; AURÉLIA DE VENTO (2011); e
Preconceito & Outros Contos (2014).
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E depois falou-se muito, de prosa e de poesia, de saudades e de Cultura. E de como a Cultura continua sendo o parente pobre - também das obrigações do Estado. Haverá até o que me dizem ser uma atenção imprópria. Mas a Cultura nunca morre. Vai refletindo apenas como nos relacionamos com o passado e como nos posicionamos no presente. Mas o panorama é pobre, continuam a dizer-me, e há até quem entenda que "essas coisas" devem ficar lá nos livros. Talvez, por isso, uma senhora de uma ONG, que vai algumas vezes a S. Tomé - apesar de não se identificar, nem a si nem à ONG - sacou da cartola a ideia de que devemos fazer alguma coisa para que não se degrade ainda mais, e não se perca, o património cultural de STP, quer seja o Museu, o Arquivo...e, no que respeita diretamente a Portugal, o Centro Cultural instalado na cidade capital.
Foi um prazer enorme ter cá estado
Obrigado por terem vindo.
António Bondoso
Jornalista
Porto, 19 Nov. de 2016
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