UM
LIVRO DE VEZ EM QUANDO…NESTE ANO DE 2018. [2]
Ou
de como um Professor que eu conheci em S. Tomé – José Casinha Nova – se vai
transformando num verdadeiro contador de histórias e num perspicaz «gravador»
de memórias, do Algarve a Timor…e talvez S. Tomé e Príncipe.
Falar
de ou escrever sobre UMA VIDA INTEIRA
será sempre, e sob qualquer ponto de vista, transmitir uma visão redutora da
riqueza humana e patrimonial da aldeia algarvia de Burgau – o último posto
avançado do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, já muito
perto da cidade de Lagos onde nasceu Tibúrcio, o principal personagem desta
obra em apreço, da autoria de José Casinha Nova.
Casinha Nova, ele próprio natural de
Burgau, freguesia de Budens e concelho de Vila do Bispo, foi meu professor de
Literatura no então Liceu de D. João II, em S. Tomé, na segunda metade da
década de 60 do século passado. Foi igualmente docente em Portimão e em Faro,
depois de haver cumprido o serviço militar em Timor. Esta ex-colónia
portuguesa, aliás, mereceu já uma reflexão do autor não há muitos anos. Memórias de Timor – assim está
referenciado – é um excelente livro de consulta sobre o passado deste novo país
de língua oficial portuguesa e destaca a paixão que o território lhe ofereceu
titulando RAN MÉAN ÔTU, que significa
O SANGUE É TODO VERMELHO.
Agora, neste seu Uma Vida Inteira (vertida na experiência dos seus preenchidos 84
anos), José Casinha Nova regressa às origens ficcionando a vida de uma típica
família algarvia do início do século XX, no seu espaço social, económico e
cultural que é Burgau, na sua história e nas suas «estórias», nas suas lendas e
nas suas memórias. Não lhe poderei chamar uma «autobiografia», pois o autor não
assume a obra como tal, mas a “ficção” é tão real, tão pormenorizada, que –
confesso – essa ideia continua a perpassar a minha reflexão.
Para além de historiador, Casinha Nova
assume o excelente trabalho de um retratista e paisagista ímpar, não deixando
igualmente – nunca – a sua eterna condição de professor. Não só pela qualidade
da escrita, claro, na qual não esquece o tradicional falar algarvio, mas também
pelo facto de «valorizar a Escola». Como? Por meio de uma cerrada crítica ao
funcionamento da época. De pedagogia, nem falar! O professor «debitava» e os
alunos – aqueles afortunados por poderem frequentar – tinham por missão
decorar. E quando não decoravam…os tradicionais castigos corporais. Havia uma
sala com alunos da 1ª à 4ª classe, uma só professora e nada de aquecimento no
Inverno. E depois, o corolário dos retratos de Carmona e de Salazar com o
cartaz de Deus, Pátria e Família. Os livros tinham todos grande carga política
– escreve Casinha Nova. Para além das alusões a Salazar, havia igualmente «uma abundante prosa de religião católica».
Não admira, portanto, que os alunos faltassem às aulas «para ir para um canto da praia jogar às cartas com outros rapazes
analfabetos, pois os pescadores de Burgau não punham os filhos na escola».
Sem
pretender desvendar a narrativa, não parece curial esquecer a localização
geográfica de Burgau. Podem sempre acompanhá-la na figura anexa, mas o autor
encarrega-se de lembrar: «A aldeia de
Burgau fica situada exactamente na extremidade sul da famosa Costa Vicentina a
oeste do Cabo de S. Vicente que dá nome à dita Costa e tem a particularidade
de, embora pequena, estar dividida entre duas freguesias, a da Praia da Senhora
da Luz, concelho de Lagos, e a de Budens, concelho de Vila do Bispo». Vista
do mar, ao longe – prossegue Casinha Nova - «Burgau lembra uma gaivota pousada em dois estaleiros, o da Teimosa e o
do Burgau Velho. As patas da gaivota são duas ruas quase paralelas que vão
terminar nos tais dois estaleiros».
José
Casinha Nova, exímio retratista das muitas histórias e memórias, acaba por convidar o leitor a viajar no tempo,
conhecendo uma povoação pesqueira algarvia antes do advento do turismo de
massas. E consegue-o, não só pela palavra, mas também pelas imagens que
ilustram profusamente a obra. Pela parte que me toca mais, o destaque da
grafonola – pois nesse tempo nem a Rádio existia. E fazer funcionar a grafonola
só por meio de uma manivela para dar corda, uma vez que nem eletricidade havia.
E depois há o mar, a pesca, a poesia e os tempos difíceis da II Guerra Mundial.
Uma
Vida Inteira é, portanto, um desfiar de estórias e de memórias a partir de
Tibúrcio e da sua mulher amada Aldegundes, ele um homem de visão empreendedora,
ela uma mulher resoluta, dedicada e empenhada na manutenção do espírito
familiar.
Quem ler, por certo perceberá como o
autor foi capaz de me injetar o gosto pela leitura passando primeiro, claro,
pela «obrigação» de o fazer. Já lho manifestei, e volto a repetir, a Casinha
Nova devo muito do meu gosto pela escrita. E embora não fosse um aluno muito
aplicado, recordo hoje como foi decisiva a fórmula por ele «inventada» para nos
«obrigar» a ler e a perceber. Simplesmente criou uma «ficha de leitura», na
qual deveríamos resumir a obra indicada e autorizada pelo sistema. É só ver a
figura.
E não perca a oportunidade de, lendo o
livro, ficar a saber o destino de Tibúrcio e da sua família, não apenas em
Burgau. É UMA VIDA INTEIRA, dada à
estampa pela Arandis Editora. Boa leitura e um abraço muito particular ao
Professor José da Conceição Casinha Nova, ficando à espera do próximo relato
sobre S. Tomé e Príncipe.
António Bondoso
Jornalista
Agosto de 2018.
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