“VISEHRAD – A Ponte do Suicídio”, de
Hélio Bandeira, um «romance gourmet»…ou
de como estamos a gostar da ficção na nova literatura de São Tomé e Príncipe ou
ainda e sobretudo, de como podemos retomar o gosto pela leitura – exatamente quando
se identificam sinais de crise na literatura mundial.
No seu prefácio a este novo romance de Hélio
Bandeira, Abílio Bragança Neto escreve que algo de bom está a acontecer na
literatura santomense. Pela escrita e pela edição. No fundo, a constatação da «evolução
e da consolidação de uma literatura que já pedia novas vozes capazes de trazer
novas abordagens, novos olhares e novos desafios temáticos e estilísticos».
Segundo a minha leitura estamos perante um «Romance
Gourmet». E não fui buscar a ideia apenas à gastronomia, particularmente à
gastronomia são-tomense que nos oferece a tentação de um divinal peixe com
banana ou um não menos sublime calulu. Não! A minha ideia prende-se com a
QUALIDADE que o Helio Bandeira coloca na sua ficção. Uma confeção quase
perfeita, combinando os bons e indispensáveis ingredientes de um romance: - como a capacidade
narrativa, que nos coloca sem esforço no centro da «história»; um enredo
credível, que facilmente poderemos situar no espaço e no tempo da história
recente de STP - mais precisamente no último quartel da década de 1980 e no
início dos anos 90 do século XX, tendo em conta a datação pormenorizada dos
subcapítulos.
Nessa perspetiva…o autor
aborda sem tabus alguns temas de perfeita atualidade como o racismo, de raízes
bem cimentadas nos males do colonialismo; críticas naturais à colonização
portuguesa, patentes por exemplo na expressão leveleve – a que alguns
pretendem retirar o seu sentido «original» mas que, no recente Dicionário Livre
do “Santome – português ou Santome – putugêji”,
tem precisamente como significados os termos «assim-assim, devagar e mais ou menos»; a Religião, com todos os
seus dilemas e angústias, sem conseguir desligar-se da fragilidade humana
(consubstanciada na relação entre um médico e uma freira, por sinal enfermeira)
e, por fim, a superstição do velho curandeiro como recurso último para tentar
travar a doença que começava a ameaçar a humanidade – a SIDA.
Para além, naturalmente, da
nova estrutura da sociedade são-tomense pós-colonial, ciente da sua inquestionável
independência mas – de alguma forma – não afastando uma pequena dose saudosa do
tempo antes: Téla sé na bilá tê piada máchi fá! Pelo meio, ainda, uma pitada
de crítica aos governantes e à forma de governar, misturada de certa forma com
a hipocrisia político-partidária.
Uma última nota para referir
uma significativa «universalidade» espacial da história que nos apresenta Hélio
Bandeira, identificando com rigor na sua narrativa, quer o Reino Unido (onde
estudou e onde permanece), quer a Austrália e Angola, STP e Portugal, ou os EUA
e particularmente a então Checoslováquia – país onde o autor situa não só o
monumento que dá origem ao título do livro (a Ponte do Suicídio, em VYSEHRAD)
mas igualmente a personagem «mistério» do romance – a noviça Marta, enfermeira
de profissão e que se vê envolvida num turbilhão de angústias e de emoções.
A esta «universalidade»
chama Abílio Bragança Neto o redimensionar da santomensidade, onde a diáspora ganha representação e peso, onde
«nós, santomenses, somos olhados por outros, por estrangeiros, no estrangeiro».
António Bondoso, jornalista e Mestre em R.I.
Setembro de 2019.
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