O ESTREITO DE MAGALHÃES...foi uma passagem para um "outro mundo". Um mundo novo.
Vitória ou Victória – assim era nomeada a nau que Fernão de Magalhães comandou na sua viagem de circum-navegação ao serviço do rei de Castela, tendo descoberto a passagem do Atlântico para o Pacífico em 21 de Outubro de 1520, muito a sul do continente americano, eternizando o seu nome e a sua ideia de chegar ao berço das «especiarias» por Ocidente.
Ao falar do feito e da nau Victória,
são trazidos à minha memória outros dois navios emblemáticos: o chileno
BAQUEDANO e o português SAGRES, ambos navios-escola. O nosso ainda navega – e
só a «pandemia» o impediu de completar a viagem de Magalhães – enquanto o
Baquedano foi descartado da sua função talvez em finais dos anos 30 do século
passado. Não encontrei a data segura, mas sabe-se que o autor do livro O ÚLTIMO VELEIRO ou O Último Grumete da Baquedano – Francisco Coloane – venceu um
concurso literário com esta obra em 1941.
De Francisco Coloane, natural de Quemchi – Chiloé – no sul do país e filho de um marinheiro, sou leitor incondicional e com ele tive o prazer de conversar telefonicamente há mais de 20 anos, juntamente com a minha camarada da Rádio Macau Joyce Pina. «O Último Veleiro» foi escrito para homenagear a última viagem do navio-escola BAQUEDANO até ao cabo Horn.
Coloane, que Luís Sepúlveda* (cuja escrita me cativou desde o início) considera
o seu mestre na arte de contar, foi jornalista e um dos maiores escritores
chilenos, deixando-nos outras obras como Terra do Fogo, Terra do
Esquecimento, A Voz do Vento, Cabo Hornos ou O Caminho da Baleia – as
quais retratam de forma vigorosa a geografia social e humana das longínquas
terras e mares por onde navegou Magalhães para chegar ao outro lado do mundo,
antes de ser morto em Cebu, uma das inúmeras ilhas das Filipinas.
Neste «O Último Veleiro», no capítulo
“De Punta Arenas Até La Tumba Del Diablo”, Coloane descreve uma viagem em
sentido inverso ao de Magalhães, dizendo que a Baquedano “…deu
a volta ao cabo Froward, abrupta extremidade que assinala o fim da parte
continental do Novo Mundo e, passado o Farol San Isidro, numa manhã de Inverno,
avistou a bonita cidade de Punta Arenas, com quarenta mil habitantes, situada
nas margens do estreito de Magalhães, frente à lendária ilha da Terra do Fogo.
(…) A cidade, reclinada no sopé da península de Brunswick, surgiu completamente
branca de neve, como se fosse uma fantástica metrópole de mármore».
Como sabe bem «viajar»! Apesar da “pandemia”, aproveitemos esta efeméride marcante de «Magalhães» e deixemo-nos levar. Como tenho saudades de olhar e de ver os barcos a navegar nos oceanos da alma. Como tenho saudades de ver os aviões de papel a serpentear por entre os dedos do coração. E quando (ou se) não puder viajar…leia, leia muito.
Apenas uma última nota para lembrar que devemos reter, por
exemplo, o facto de que a descoberta do «Estreito de Magalhães» permitiu acrescentar aproximadamente 60% ao
mundo até então conhecido, confirmando a condição esférica do nosso planeta e
oferecendo à humanidade um até então desconhecido “Planeta Oceano”. O estreito
tem 600 quilómetros de comprimento e 2 de largura na sua parte mais estreita.
* LUÍS SEPÚLVEDA foi um perfeito retratista do Chile dos anos 70 do século XX e, mesmo exilado na Europa, nunca deixou de «pintar» criticamente a atualidade do seu país em tempos recentes. Gosto de o ler, a sua escrita apaixona-me. Transporta-me para o sul do sul, para a Patagónia, para Atacama, para o estreito de Magalhães, para a liberdade de uma vida simples num ambiente saudável, para a justiça do pensamento livre.
António Bondoso
21 de Outubro de 2020.
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