LEONEL COSME…ou o homem de palavra e das palavras que viajam para além do seu nome, fazendo sentido. Ausentou-se agora, depois de ter nascido em 1934, em Guimarães, e de ter vivido 25 anos em Angola – de 1950 a 1975 – terra africana onde voltaria como cooperante em 1982, regressando ao Porto em 1987.
Não quero que as palavras pareçam banais. Por isso, penso que devo destacar hoje o seu nome, a sua figura, a sua escrita e parte do seu pensamento. Com Leonel Cosme partilhei momentos de luta pela democracia na RDP, no Porto, com ele partilhei – em momentos distintos – a chefia da Redação que fomos construindo, praticamente a partir do zero. Com a sua assinatura, deixo excertos de documentos que significam exatamente parte desses momentos de combate pela afirmação da Rádio, no Porto e no Norte – uma Rádio que não nos era estranha, pois ele havia trabalhado no Rádio Clube da Huíla (Sá da Bandeira) e eu no Rádio Clube de S. Tomé, depois Emissor Regional da E.N. em finais de 1969.
É, tem sido, à escrita de Leonel Cosme que recorro frequentemente, quando é mister falar de África. Que, afinal, são muitas, como ele lembrava. Por exemplo no seu livro MUITAS SÃO AS ÁFRICAS (Novo Imbondeiro,2006),especificava: «não são apenas muitas as Áfricas-nações que procuram a sua unidade, em cada território e no continente, mediante um esforço de “reafricanização”, para retomar o fio da história cortado pelo colonialismo; são também as muitas áfricas-sociológicas que existem em cada uma delas, como boas ou más heranças, conforme o olhar de quem faz a leitura dos resultados. E porque muitas são essas “áfricas”, muitos foram e ainda são os olhares, uns que vêm do passado, outros, do tempo que ainda decorre». Ou ainda, quando escreve sobre Agostinho Neto e o seu tempo - «sempre a África Negra teve as imagens que dela fizeram os colonizadores».
Leonel Cosme deixou a missão jornalística em 1991 para viajar em busca de conhecimento – foi o caso do Brasil – e para apresentar palestras e comunicações em diversas Universidades de Portugal e do Brasil. E para escrever, claro. Dezenas de livros publicados, alguns dos quais já aqui mencionei, sendo África a «centralidade». Tive também, nesta faceta de escritor, a felicidade de poder contar com a sua «leitura» do meu livro “Escravos do Paraíso”, que ele apresentou no Palácio da Bolsa, no Porto, em 15 de Dezembro de 2005, dizendo na altura: - «Este livro, de um escritor-jornalista, é um caso invulgar. Poético e realista, fala-nos do amor e do fracasso em S.Tomé e Príncipe:- amor dos portugueses e de santomenses expatriados em Portugal, que amaram e jamais esquecerão aquela terra de eleição; fracasso, porque os poderes nela estabelecidos não lograram, ao longo de séculos e até hoje, fazer de tanta beleza e fertilidade os meios de tornar o seu reduzido povo um dos mais felizes do mundo».
Foi em Angola que Leonel Cosme, para além da Rádio, foi co-diretor das Edições Imbondeiro (que a PIDE fechou em 1965) e co-fundador da Delegação da Sociedade Cultural de Angola e do Cine Clube da Huíla.
Independentemente das divergências que tivemos ao longo da caminhada profissional que fomos partilhando – e por isso as palavras fazem sentido – devo dizer que o Leonel Cosme foi sempre um camarada empenhado e leal, de uma tranquila e permanente sensatez.
Até sempre Leonel Cosme e recebe um abraço que seguramente te vai ser transmitido pela Gina, tua mulher e companheira dedicada, pela Ariana e pela Vânia – filhas que igualmente te deram felicidade.
A propósito, recordo com
ternura o que ambas as filhas escreveram em 2017, numa publicação no «facebook»,
sobre a vida do pai na Rádio:
“Ariana
Cosme
Filha de um
jornalista da rádio, posso dizer que sou filha da rádio!!!
Cresci nos corredores, nos estúdios e na régie do Rádio Clube da Huíla junto de
gente que marcou profundamente a minha infância e o gosto pela rádio. (Sabe-se
que estou em casa quando o rádio está ligado).
Aluna do Colégio Paula Frassinetti, descia a rua, passava em frente à casa da Cristina
Romariz, da Carla
Nóbrega Velho e entrava na
porta do Rádio Clube para passar as últimas horas da tarde perto do meu pai
(fazendo os TPCs e outras tantas tropelias). Recordo a infinita paciência
do Mário Soares, do Leston Bandeira, da Zi, Isilda
Arruda e do Humberto
Ricardo; eram a nossa
família alargada...Desse tempo recordo ainda o auditório grande onde estudava
piano (as lições do Cserny pareciam nunca acabar) e se fazia a distribuição dos
brinquedos no Natal às crianças da cidade.
Faz agora um ano voltei à rua da Gena Prata, Maria Prata Prata, que
reunia no portão sempre um grupo de amigas e à rua do "terno" da mãe
da Isabel
Roçadas Flores e foram grandes
as saudades de todos.
Vânia Cosme Saudades imensas dessa infância feliz em que
enchia de risos e correrias os pisos todos do Rádio Clube da Huíla e era
recebida diariamente com o maior carinho do mundo e palavras sempre ternurentas
por todos aqueles que ali trabalhavam e que com uma infinita paciência lá
aguentavam as nossas (minhas e da minha irmã) tropelias com um sorriso rasgado
no rosto!!! Leston Bandeira, Humberto Ricardo, Diamantino Pereira
Monteiro, Mario Soares , Isilda Arruda, são alguns dos nomes muito queridos que guardo
ternamente num cantinho muito especial do meu coração. O Dia Mundial da Rádio
foi ontem mas para mim é todos os dias pois olho para o meu Pai diariamente e
nunca deixo de pensar nessa rádio especial que ficou lá para a Terra do Sul.
Também não esqueço a Antena 1 (Portugal) onde, tal como no Rádio Clube da Huíla, passei
muitas horas da minha adolescência a estudar e a aprender a ser Gente com todos
aqueles que na Redacção levavam as notícias para lá das paredes e das janelas
da Rua Cândido dos Reis. Recordo com saudade imensa o Gonçalo Nuno cuja
estrelinha já brilha no céu, o Carlos Ferreira, o Carlos Magno, o António Bondoso e muitos outros. E, mais uma vez, o meu Pai
confundindo-se com os dias da rádio de milhares de pessoas. Amanhã, quando
acordar, prometo dedicar uns minutos numa amena cavaqueira com o meu Pai sobre
as nossas memórias, as dele bem diferentes das minhas, da vida de um Homem da
Rádio.”
Não sei se houve tempo…mas teria sido interessante.
Porto, 14 de Janeiro de 2021.
António Bondoso.
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