À VOLTA DE MIM E DO MUNDO......................................
Foto de António Bondoso...Escultura de Aureliano de Aguiar
O Mundo Amanhã – Futuro
Confiável?
“Entrámos numa época de tempo tríbulo, em que a sobrevivência
dos conceitos clássicos do passado
tende para puramente virtual; em que o presente
não encontrou categorias racionalizantes
do processo que por isso se desenha anárquico; em que o futuro está nimbado de incerteza,
refractário a ser apreendido por uma futurologia
confiável”.
Adriano Moreira (2009)
BREVE INTRODUÇÃO
No fundo, a interrogação
que aqui se pretende colocar em destaque – partindo do cepticismo e da
incerteza de Adriano Moreira – é saber até que ponto estará o mundo preparado e
decidido a perceber a problematização da mudança de que nos fala Vitorino
Magalhães Godinho. Sabendo o que se passou ontem e percebendo o que acontece
hoje, seremos capazes de visionar um amanhã confiável? Seremos capazes de
instituir uma Nova Ordem Mundial?
I
O QUE MUDOU – E COMO – ENTRE O
ONTEM E O HOJE ?
“A globalização competitiva
está a ter consequências estruturais de uma dimensão ainda não conhecida.
Sabemos todos que estamos num mundo novo. Não sabemos normalmente interpretá-lo
nem conhecemos as suas consequências”.
Neto da Silva (2007)
Mudam-se os tempos
mudam-se as vontades, cantou Camões – todo o mundo é composto de mudança,
cantou Gedeão. Todos sabemos que tudo muda a cada instante. E se muitas vezes,
de imediato, não sabemos interpretar a mudança – ela aparece-nos pouco depois
quase como evidente, mercê sobretudo da conjugação que a disciplina de Relações
Internacionais faz dos acontecimentos e da participação, neles, dos diversos
actores da cena internacional.
Vitorino Magalhães Godinho
(2010) diz que “Entre a Belle Époque e o ocaso do século ressaltam os
contrastes, traçados por mudanças, brutais umas, insidiosas e de longa
afirmação, outras”. Referindo-se ao século XX, o autor classifica-o como de
contrastes, de violência e de baldões – mas também elenca uma série de
benéficas inovações, destacando mesmo o que chama de “uma das decisivas
conquistas da Humanidade”, as pensões de reforma!
Estonteante mudança, por
um lado – mas, simultaneamente por outro, uma mudança sem pressa e até
estabilizadora em determinados períodos de finais do século XIX e princípios do
século XX. Depois, o fim da II Guerra Mundial passou a ser um dos marcos da
mudança, mas a Liberdade só ganharia novo alento com a queda do Muro em 1989.
Seria a economia, à escala global, a sentir as grandes mudanças. O Estado e o
Livre Mercado em blocos opostos, com as ideias ultraliberais de Reagan, Thatcher
e Milton Friedman a marcarem o compasso no Ocidente, onde já pontificavam a
Informática e a revolução nas comunicações com a Internet (depois da Rádio e da
Televisão).
Entretanto, aparecem
algumas contradições entre mercado e capitalismo, dizendo-se que o capitalismo
– para Fernand Braudel – “supõe como pilar a economia de mercado, que não se
deixa por ele penetrar, permanecendo o sistema da empresa livre e da livre
concorrência, enquanto aquele é o sistema dos monopólios e da desigualdade,
entre conjuntos e no interior de cada conjunto, onde se distinguem círculos
concêntricos (periferias) em redor de um ou dois centros. Assim, não faria
sentido falar de capitalismo como economia de mercado, embora com esta
coexista, como pode coexistir com outros sistemas”. Desfazendo dúvidas, Godinho
entende que “O capitalismo brota no seio da economia de mercado, mas não se
identifica com ela, porque é desde a origem um sistema de monopólios e
desigualizador”. Não se identifica mas dela se apropriou.
E depois substituiu-se a
solidariedade pela caridade e mercantilizou-se a saúde e o desporto: “Os
jogadores compram-se e vendem-se, as suas camisolas são cartazes de propaganda
(...); os capitalistas disputam-se a propriedade dos clubes, em busca de
prestígio – o futebol tornou-se universal, exalta multidões na China e no
Japão, multiplica campeonatos de chorudos proventos e ocasiões de outras
actividades lucrativas (até prostituição de luxo). Onde pára o espírito
desportivo? O amor da camisola é fugaz, como tende a sê-lo o amor na relação
conjugal”.
E as mudanças sucedem-se.
Ao lado de avanços na Ciência e na Tecnologia o rótulo do tráfico de armas e de
drogas, excesso de inovação que nem sempre significa desenvolvimento; um
descontrolado aumento da produção, para justificar o supérfluo em vez do
necessário – obedecendo às leis da publicidade e do marketing. A
“obsolescência” é a trave mestra do funcionamento económico hoje em dia.
E com as mudanças
sucederam-se as crises: 1973, 1987, 1993, 1997/98, 2001/03. Nesta última, a
Argentina declarou falência! Agora, foi a vez da Islândia.[1]
A crise actual? – pergunta
Vitorino Magalhães Godinho – não tem paralelo nos três quartos de século
precedentes: “Todavia ninguém a previu, ninguém a viu chegar, alguns começaram
a suspeitar quando já estava instalada”. Ela é desestruturante e só se poderá
resolver a longo prazo.
As tempestades económicas,
à semelhança das da Natureza, vêm e vão – escreve Vince Cable (2009). “Não
podem ser abolidas. Mas, tal como os furacões e tufões, podem ser antecipadas e
preparadas, e uma resposta de emergência bem coordenada, envolvendo uma
coopreação internacional, pode atenuar a miséria. As tempestades também testam
a solidez dos navios do Estado. Há alguns anos que a frota tem estado a enfrentar
uma certa ondulação e a fazer progressos notáveis. Mas as grandes vagas já
estão a expor algumas das suas fraquezas. O SS
Britannia, considerado inafundável, está a meter água, e o enorme
navio-tanque USA está a adernar
visivelmente. Os passageiros e as tripulações estão a entrar em pânico e
repararam que a maior parte dos salva-vidas estão reservados para a 1ª classe.
Não se sabe ao certo quantos navios acabarão por chegar ao porto em bom estado
depois da tempestade”.
É um facto que vivemos na
obsessão da segurança e numa civilização do risco; também a Democracia está em
crise faltando ideais aos partidos; está na moda a ideia de menos Estado
–melhor Estado; existe uma grande contradição entre o pensamento da Igreja
Católica e o mundo moderno; a memória apaga-se, ignora-se o passado,
dispensa-se a investigação histórica. A História não seduz e – escreve Vitorino
Magalhães Godinho – “O inquietante é ter sido pràticamente expulsa da economia
e das outras ciências humanas (...)”.
Há também o fascínio dos números
e a precisão dos cálculos. Que depois são corrigidos, apesar de continuarem a
dar confiança: “No futebol já não interessa o espectáculo, mas o quadro com o
número de remates, faltas cometidas, etc.; e também ficamos a saber a
velocidade a que a bola entrou na balisa, quantos quilómetros correu um
jogador.
Apesar de tudo isso, o
Professor não deixa de manifestar esperança em alguns remédios. Por exemplo,
libertar a economia das garras da especulação financeira; fechar todos os off-shores; reorganizar o Estado,
restituindo-lhe funções económicas; ousar o planeamento; ressuscitar o mercado;
renunciar à obsessão de reduzir a mão-de-obra e não nos deixarmos enredar na
mudança estéril: “Para quê a digitalização da televisão, se o seu problema
fundamental é o da qualidade dos programas, a intoxicação publicitária, o
desempenho aflitivo de entrevistadores?”
Com uma pequena “ajuda” de
Vince Cable – é mais ou menos assim que Vitorino Magalhães Godinho vê o
processo da mudança entre o mundo de ontem e de hoje. E amanhã? – pergunta. Não
sei – responde.
II
UM FUTURO CONFIÁVEL?
“A capacidade de projectar o
futuro será cada vez mais importante para gerir, controlar e procurar minimizar
os riscos sociais, tecnológicos e ambientais que se irão avolumar ao longo do
século XXI (...). Finalmente é também necessário aceitar a inevitável incerteza
inerente às tentativas de projectar o futuro”.
Filipe Duarte
Santos (2007)
Do “não sei” de Vitorino
Magalhães Godinho à “inevitável incerteza” de Filipe Duarte Santos – quanto ao
amanhã – não existe qualquer passo desencontrado. Talvez apenas a diferença nos
discursos de um Historiador e de um catedrático de Física – acentuada
eventualmente pelo lapso temporal na publicação das obras, 2010/2007. A
primeira tem presente a actual crise, concluindo Vitorino Magalhães Godinho que
“É possível que, baixada a febre mas não debelado o mal, voltemos aos carris do
mundo de finais do século XX e início do XXI. A crise de excepcional gravidade
que atravessamos poderá não passar de uma oportunidade perdida, poderia ser uma
oportunidade para mudar de rumo. Mas seria necessária coragem e lucidez – que não
se encontram à venda nos supermercados, essas catedrais dos novos tempos”.
Quase premonitória esta
visão de Magalhães Godinho. Baixou a febre mas o mal parece não estar ainda
debelado. De acordo com o Director Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI)
– Dominique Strauss-Kahn – a recuperação global está a acontecer de forma mais
rápida do que se previa inicialmente, apesar das dúvidas que os mercados
financeiros apresentam. Pode recordar-se, a propósito, um dos remédios
recomendados pelo Professor: libertar a economia das garras da especulação
financeira.
Relativamente à segunda
obra – de Filipe Duarte Santos – a visão pessimista abrange um horizonte
temporal muito mais vasto: “A coexistência de valores contraditórios associados
ao actual modelo dominante de desenvolvimento tende a gerar incerteza e alguma
ansiedade. O futuro foi e será sempre incerto mas, hoje em dia, a incerteza
envolve os riscos altamente complexos que resultam de desigualdades de
desenvolvimento entre países, da insegurança e conflitualidade sob formas cada
vez mais diversas e perigosas, e ainda de vários problemas ambientais graves”.
Por isso, acrescenta, “são cada vez mais os que procuram encontrar novas éticas
ambientais e novos paradigmas de governação capazes de nos conduzir à
sustentabilidade do desenvolvimento”.
Como refere Neto da Silva
(2007) – “Estamos, pela primeira vez na História da Humanidade, numa
encruzilhada. De facto, se continuarmos com o crescimento que conhecemos nos
últimos séculos, o Planeta deixará de ter condições para que o Homem nele
viva”.
É o crescimento de que nos
fala ainda Vitorino Magalhães Godinho ao salientar a nova (velha?) ideologia,
da qual se deve distinguir o conceito de desenvolvimento: “As nações avançam em
pelotão, as de trás procuram recuperar o atraso (de novo recuperar o atraso). A
curva do sempre sacrossanto PIB revelaria a recuperação conseguida e o
prosseguir da maratona por todos. Confiança imerecida nesse indicador – o Nobel
economista Joseph Stiglitz dirige estudos para forjar indicadores mais
fiáveis”. Tudo isto à margem, ou mesmo à custa, do direito fundamental que é a
inviolável dignidade da pessoa humana? “Seria mais pertinente ter em conta o
salário mínimo como indicador, e melhor ainda uma bateria de indicadores
(fundação e extinção de empresas, evolução das bolsas, curvas de preços e
salários, etc.)”.
Mas os estudos podem,
ainda e de novo, não ser fiáveis ou adaptáveis. E há que ter em conta uma
decisiva questão: o planeta é finito.
Por isso é que Neto da
Silva acrescenta que “Eficiência e Competitividade cegas destruirão as
hipóteses de vida sobre a Terra. Por isso, a ideologia da globalização
competitiva, para ter sucesso, como é desejável, tem que se basear em
eficiência e competitividade compatíveis com um desenvolvimento que satisfaça
as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras
satisfazerem as suas próprias necessidades. Uma tal visão do progresso liga, de
forma interdependente, desenvolvimento económico, protecção do ambiente e justiça
social”.
Sinónimo de
Desenvolvimento Sustentável?
CONCLUSÃO
Depois
de todas as dúvidas apresentadas e tendo em conta a “inevitável incerteza” ao
projectar o futuro, não será fácil – quando não, mesmo impossível – apresentar
argumentos que possam indicar um futuro confiável.
Depende de nós todos. E da
nossa capacidade para entender a inevitabilidade de uma solidariedade
intergeracional. Sem ela – diz Filipe Duarte Santos – “iremos construir um
mundo mais instável, inseguro, conflituoso, iníquo e injusto. As opções e os
compromissos irão tornar-se cada vez mais difíceis de assumir”.
Assim, é urgente a
instituição – não basta só a procura – de uma nova Ordem Mundial baseada nessa
solidariedade. Intergeracional e interestatal – ou melhor, “interespacial”.
Como escreve Adriano Moreira, “O
reequilíbrio internacional aconselha por isso a olhar mais para os grandes espaços e para os Estados continentes, do que para o
pesado tecido de Estados soberanos, doutrinalmente iguais”.
E voltar a uma ONU onde
todos falem com todos, “O que exige a reformulação da Carta escrita por
ocidentais, para fazer convergir na leitura do texto as áreas culturais que
ganharam finalmente a voz própria. E reconstruir um direito internacional que
tenha como premissa a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fundada na
convicção generalizada da sociedade civil transfronteiriça, de que a dignidade
de cada homem não é questionável”.
----------António
Bondoso, 2010. (Revisto em 2012).
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