2012-09-29


À VOLTA DE MIM E DO MUNDO......................................


                                   Foto de António Bondoso...Escultura de Aureliano de Aguiar



O Mundo Amanhã – Futuro Confiável?

“Entrámos numa época de tempo tríbulo, em que a sobrevivência dos conceitos clássicos do passado tende para puramente virtual; em que o presente não encontrou categorias racionalizantes do processo que por isso se desenha anárquico; em que o futuro está nimbado de incerteza, refractário a ser apreendido por uma futurologia confiável”.
                                                                                                                                                    Adriano Moreira (2009)

BREVE INTRODUÇÃO
             
            No fundo, a interrogação que aqui se pretende colocar em destaque – partindo do cepticismo e da incerteza de Adriano Moreira – é saber até que ponto estará o mundo preparado e decidido a perceber a problematização da mudança de que nos fala Vitorino Magalhães Godinho. Sabendo o que se passou ontem e percebendo o que acontece hoje, seremos capazes de visionar um amanhã confiável? Seremos capazes de instituir uma Nova Ordem Mundial?
             
I
O QUE MUDOU – E COMO – ENTRE O ONTEM E O HOJE ?
“A globalização competitiva está a ter consequências estruturais de uma dimensão ainda não conhecida. Sabemos todos que estamos num mundo novo. Não sabemos normalmente interpretá-lo nem conhecemos as suas consequências”.
                                                                                                                                                         Neto da Silva (2007)

            Mudam-se os tempos mudam-se as vontades, cantou Camões – todo o mundo é composto de mudança, cantou Gedeão. Todos sabemos que tudo muda a cada instante. E se muitas vezes, de imediato, não sabemos interpretar a mudança – ela aparece-nos pouco depois quase como evidente, mercê sobretudo da conjugação que a disciplina de Relações Internacionais faz dos acontecimentos e da participação, neles, dos diversos actores da cena internacional.
            Vitorino Magalhães Godinho (2010) diz que “Entre a Belle Époque e o ocaso do século ressaltam os contrastes, traçados por mudanças, brutais umas, insidiosas e de longa afirmação, outras”. Referindo-se ao século XX, o autor classifica-o como de contrastes, de violência e de baldões – mas também elenca uma série de benéficas inovações, destacando mesmo o que chama de “uma das decisivas conquistas da Humanidade”, as pensões de reforma!
            Estonteante mudança, por um lado – mas, simultaneamente por outro, uma mudança sem pressa e até estabilizadora em determinados períodos de finais do século XIX e princípios do século XX. Depois, o fim da II Guerra Mundial passou a ser um dos marcos da mudança, mas a Liberdade só ganharia novo alento com a queda do Muro em 1989. Seria a economia, à escala global, a sentir as grandes mudanças. O Estado e o Livre Mercado em blocos opostos, com as ideias ultraliberais de Reagan, Thatcher e Milton Friedman a marcarem o compasso no Ocidente, onde já pontificavam a Informática e a revolução nas comunicações com a Internet (depois da Rádio e da Televisão).
            Entretanto, aparecem algumas contradições entre mercado e capitalismo, dizendo-se que o capitalismo – para Fernand Braudel – “supõe como pilar a economia de mercado, que não se deixa por ele penetrar, permanecendo o sistema da empresa livre e da livre concorrência, enquanto aquele é o sistema dos monopólios e da desigualdade, entre conjuntos e no interior de cada conjunto, onde se distinguem círculos concêntricos (periferias) em redor de um ou dois centros. Assim, não faria sentido falar de capitalismo como economia de mercado, embora com esta coexista, como pode coexistir com outros sistemas”. Desfazendo dúvidas, Godinho entende que “O capitalismo brota no seio da economia de mercado, mas não se identifica com ela, porque é desde a origem um sistema de monopólios e desigualizador”. Não se identifica mas dela se apropriou.
            E depois substituiu-se a solidariedade pela caridade e mercantilizou-se a saúde e o desporto: “Os jogadores compram-se e vendem-se, as suas camisolas são cartazes de propaganda (...); os capitalistas disputam-se a propriedade dos clubes, em busca de prestígio – o futebol tornou-se universal, exalta multidões na China e no Japão, multiplica campeonatos de chorudos proventos e ocasiões de outras actividades lucrativas (até prostituição de luxo). Onde pára o espírito desportivo? O amor da camisola é fugaz, como tende a sê-lo o amor na relação conjugal”.
            E as mudanças sucedem-se. Ao lado de avanços na Ciência e na Tecnologia o rótulo do tráfico de armas e de drogas, excesso de inovação que nem sempre significa desenvolvimento; um descontrolado aumento da produção, para justificar o supérfluo em vez do necessário – obedecendo às leis da publicidade e do marketing. A “obsolescência” é a trave mestra do funcionamento económico hoje em dia.
            E com as mudanças sucederam-se as crises: 1973, 1987, 1993, 1997/98, 2001/03. Nesta última, a Argentina declarou falência! Agora, foi a vez da Islândia.[1]
            A crise actual? – pergunta Vitorino Magalhães Godinho – não tem paralelo nos três quartos de século precedentes: “Todavia ninguém a previu, ninguém a viu chegar, alguns começaram a suspeitar quando já estava instalada”. Ela é desestruturante e só se poderá resolver a longo prazo.
            As tempestades económicas, à semelhança das da Natureza, vêm e vão – escreve Vince Cable (2009). “Não podem ser abolidas. Mas, tal como os furacões e tufões, podem ser antecipadas e preparadas, e uma resposta de emergência bem coordenada, envolvendo uma coopreação internacional, pode atenuar a miséria. As tempestades também testam a solidez dos navios do Estado. Há alguns anos que a frota tem estado a enfrentar uma certa ondulação e a fazer progressos notáveis. Mas as grandes vagas já estão a expor algumas das suas fraquezas. O SS Britannia, considerado inafundável, está a meter água, e o enorme navio-tanque USA está a adernar visivelmente. Os passageiros e as tripulações estão a entrar em pânico e repararam que a maior parte dos salva-vidas estão reservados para a 1ª classe. Não se sabe ao certo quantos navios acabarão por chegar ao porto em bom estado depois da tempestade”.
            É um facto que vivemos na obsessão da segurança e numa civilização do risco; também a Democracia está em crise faltando ideais aos partidos; está na moda a ideia de menos Estado –melhor Estado; existe uma grande contradição entre o pensamento da Igreja Católica e o mundo moderno; a memória apaga-se, ignora-se o passado, dispensa-se a investigação histórica. A História não seduz e – escreve Vitorino Magalhães Godinho – “O inquietante é ter sido pràticamente expulsa da economia e das outras ciências humanas (...)”.
            Há também o fascínio dos números e a precisão dos cálculos. Que depois são corrigidos, apesar de continuarem a dar confiança: “No futebol já não interessa o espectáculo, mas o quadro com o número de remates, faltas cometidas, etc.; e também ficamos a saber a velocidade a que a bola entrou na balisa, quantos quilómetros correu um jogador.
            Apesar de tudo isso, o Professor não deixa de manifestar esperança em alguns remédios. Por exemplo, libertar a economia das garras da especulação financeira; fechar todos os off-shores; reorganizar o Estado, restituindo-lhe funções económicas; ousar o planeamento; ressuscitar o mercado; renunciar à obsessão de reduzir a mão-de-obra e não nos deixarmos enredar na mudança estéril: “Para quê a digitalização da televisão, se o seu problema fundamental é o da qualidade dos programas, a intoxicação publicitária, o desempenho aflitivo de entrevistadores?”
            Com uma pequena “ajuda” de Vince Cable – é mais ou menos assim que Vitorino Magalhães Godinho vê o processo da mudança entre o mundo de ontem e de hoje. E amanhã? – pergunta. Não sei – responde.

II
UM FUTURO CONFIÁVEL?
“A capacidade de projectar o futuro será cada vez mais importante para gerir, controlar e procurar minimizar os riscos sociais, tecnológicos e ambientais que se irão avolumar ao longo do século XXI (...). Finalmente é também necessário aceitar a inevitável incerteza inerente às tentativas de projectar o futuro”.
                                                                                                                                              Filipe Duarte Santos (2007)
            Do “não sei” de Vitorino Magalhães Godinho à “inevitável incerteza” de Filipe Duarte Santos – quanto ao amanhã – não existe qualquer passo desencontrado. Talvez apenas a diferença nos discursos de um Historiador e de um catedrático de Física – acentuada eventualmente pelo lapso temporal na publicação das obras, 2010/2007. A primeira tem presente a actual crise, concluindo Vitorino Magalhães Godinho que “É possível que, baixada a febre mas não debelado o mal, voltemos aos carris do mundo de finais do século XX e início do XXI. A crise de excepcional gravidade que atravessamos poderá não passar de uma oportunidade perdida, poderia ser uma oportunidade para mudar de rumo. Mas seria necessária coragem e lucidez – que não se encontram à venda nos supermercados, essas catedrais dos novos tempos”.
            Quase premonitória esta visão de Magalhães Godinho. Baixou a febre mas o mal parece não estar ainda debelado. De acordo com o Director Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) – Dominique Strauss-Kahn – a recuperação global está a acontecer de forma mais rápida do que se previa inicialmente, apesar das dúvidas que os mercados financeiros apresentam. Pode recordar-se, a propósito, um dos remédios recomendados pelo Professor: libertar a economia das garras da especulação financeira.
            Relativamente à segunda obra – de Filipe Duarte Santos – a visão pessimista abrange um horizonte temporal muito mais vasto: “A coexistência de valores contraditórios associados ao actual modelo dominante de desenvolvimento tende a gerar incerteza e alguma ansiedade. O futuro foi e será sempre incerto mas, hoje em dia, a incerteza envolve os riscos altamente complexos que resultam de desigualdades de desenvolvimento entre países, da insegurança e conflitualidade sob formas cada vez mais diversas e perigosas, e ainda de vários problemas ambientais graves”. Por isso, acrescenta, “são cada vez mais os que procuram encontrar novas éticas ambientais e novos paradigmas de governação capazes de nos conduzir à sustentabilidade do desenvolvimento”.
            Como refere Neto da Silva (2007) – “Estamos, pela primeira vez na História da Humanidade, numa encruzilhada. De facto, se continuarmos com o crescimento que conhecemos nos últimos séculos, o Planeta deixará de ter condições para que o Homem nele viva”.
            É o crescimento de que nos fala ainda Vitorino Magalhães Godinho ao salientar a nova (velha?) ideologia, da qual se deve distinguir o conceito de desenvolvimento: “As nações avançam em pelotão, as de trás procuram recuperar o atraso (de novo recuperar o atraso). A curva do sempre sacrossanto PIB revelaria a recuperação conseguida e o prosseguir da maratona por todos. Confiança imerecida nesse indicador – o Nobel economista Joseph Stiglitz dirige estudos para forjar indicadores mais fiáveis”. Tudo isto à margem, ou mesmo à custa, do direito fundamental que é a inviolável dignidade da pessoa humana? “Seria mais pertinente ter em conta o salário mínimo como indicador, e melhor ainda uma bateria de indicadores (fundação e extinção de empresas, evolução das bolsas, curvas de preços e salários, etc.)”.
            Mas os estudos podem, ainda e de novo, não ser fiáveis ou adaptáveis. E há que ter em conta uma decisiva questão: o planeta é finito.
            Por isso é que Neto da Silva acrescenta que “Eficiência e Competitividade cegas destruirão as hipóteses de vida sobre a Terra. Por isso, a ideologia da globalização competitiva, para ter sucesso, como é desejável, tem que se basear em eficiência e competitividade compatíveis com um desenvolvimento que satisfaça as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Uma tal visão do progresso liga, de forma interdependente, desenvolvimento económico, protecção do ambiente e justiça social”.
            Sinónimo de Desenvolvimento Sustentável?

CONCLUSÃO

            Depois de todas as dúvidas apresentadas e tendo em conta a “inevitável incerteza” ao projectar o futuro, não será fácil – quando não, mesmo impossível – apresentar argumentos que possam indicar um futuro confiável.
            Depende de nós todos. E da nossa capacidade para entender a inevitabilidade de uma solidariedade intergeracional. Sem ela – diz Filipe Duarte Santos – “iremos construir um mundo mais instável, inseguro, conflituoso, iníquo e injusto. As opções e os compromissos irão tornar-se cada vez mais difíceis de assumir”. 
            Assim, é urgente a instituição – não basta só a procura – de uma nova Ordem Mundial baseada nessa solidariedade. Intergeracional e interestatal – ou melhor, “interespacial”. Como escreve Adriano Moreira, “O reequilíbrio internacional aconselha por isso a olhar mais para os grandes espaços e para os Estados continentes, do que para o pesado tecido de Estados soberanos, doutrinalmente iguais”.
            E voltar a uma ONU onde todos falem com todos, “O que exige a reformulação da Carta escrita por ocidentais, para fazer convergir na leitura do texto as áreas culturais que ganharam finalmente a voz própria. E reconstruir um direito internacional que tenha como premissa a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fundada na convicção generalizada da sociedade civil transfronteiriça, de que a dignidade de cada homem não é questionável”.
----------António Bondoso, 2010. (Revisto em 2012).


[1] Entretanto...aparentemente ultrapassada!

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