A MINHA CRÓNICA DE HOJE NO JORNAL BEIRÃO - MOIMENTA DA BEIRA!!!
UM TEMA AINDA TÃO POLÉMICO...QUANTO ATUAL.
A TÁTICA DO QUADRADO...
... o vazio na “cadeia de comando” após o golpe militar de
1974, a Descolonização, os “retornados” e os “manipuladores do tempo” – antes e
depois do adeus.
Não
estranhe...mas o processo foi mesmo inclinado! E, por tardio, não se poderia
esperar outra forma. Complexo, doloroso, traumático, atabalhoado – difícil,
dramático e trágico como se percebe nestas duas frases de Melo Antunes que eu
fui retirar ao Expresso, semanário
que acompanho fielmente há 40 anos e que, por força do meu retorno ao “Portugal
Europeu”, em finais de 1974, alguns dos primeiros exemplares fizeram idêntico
trajeto num caixote que embarcou nas ilhas do meio do mundo.
Demorou a
chegar ao Cais de Alcântara, mas chegou, demorou a ser encontrado mas foi
achado. Para além dos jornais, trazia apenas as tábuas de uma cama – os únicos
bens materiais que possuía ao fim de 21 anos de África e dois meses depois de
ter casado, após ter conseguido desfazer-me de um carro que adquirira um ano
antes.
Os
acontecimentos não me apanharam “desprevenido” de todo, pois senti e fui
percebendo a degradação do clima, tendo passado o final do Verão de 1973 em Portugal.
Mais ou menos férias, mais ou menos convalescença, mais ou menos recuperação de
muitos anos nos trópicos, acumulando um longo serviço militar. Falhei apenas no
“timing” do processo – mais cedo do que eu previra – e na ideia antiga de que
Angola era o horizonte mais longínquo. E, honestamente, confesso que não acusei
a tragédia nem o trauma, embora tivesse sido difícil e doloroso. Outros
passaram e vieram bem pior, a grande maioria com um mão cheia de nada e outra
de coisa nenhuma. Talvez pela ausência do trauma e por uma situação
profissional mais ou menos definida na ex-EN [que detinha em STP o seu Emissor
Regional], sempre fui apologista de uma discussão aberta sobre o tema. De forma
descomplexada, embora reconheça que nem sempre possa ter sido calma. As feridas
demoram a sarar!
E trinta
anos depois das independências das ex-colónias escrevi sobre o passado
histórico: Escravos do Paraíso –
Vivências de S.Tomé e Príncipe passou os olhos por quase tudo, assumindo o
bom e o mau desse passado, sem complexos. E a Descolonização – um dos três “D”
inscritos na “Bíblia” do MFA – foi matéria incontornável. Não pelas dificuldades
do processo das “Ilhas” em si, mas por toda a envolvência e todas as
consequências de uma inevitabilidade do fim do império. Que, fora do espírito
do tempo e sem tempo para ser preparado, foi levado ao sabor das correntes e
caiu no vazio gerado pelas contradições dos novos senhores do poder. O
resultado foi trágico para os portugueses da Guiné, de Moçambique e sobretudo
de Angola. David Martelo, militar, publicou em 1998 As Mágoas do Império, e aí escreveu por exemplo: “Depois de Abril
de 74, dividido entre a construção do futuro e a liquidação do passado, a
maioria do povo português absorvido pelas frenéticas convulsões da revolução
metropolitana, pareceu desinteressar-se pela última tragédia imperial”.
Uma
tragédia que deixou marcas profundas, talvez ainda hoje latentes mas não
impeditivas da catarse. Um estudo desenvolvido em 1982 por Arnaldo E. Da Silva
Droux, para a sua dissertação de mestrado em Psiquiatria, na Universidade do
Porto, com base na apreciação de comportamentos de 254 retornados registados no
Centro de Emprego do Porto – concluiu por exemplo que “as frequentes queixas de
doenças de evolução prolongada, embora dependentes da idade, foram
particularmente intensas”. O estudo [Os
Repatriados da Descolonização Portuguesa – alguns aspectos psico-sociais da sua
reintegração] foi publicado em 1986 e pode ser consultado em:
A este processo da integração dos “repatriados”, está
agora a dedicar a RTP uma série ficcionada com o título genérico de Depois do Adeus. Passados quase quarenta
anos, ainda não é fácil escrever a “História” dos que vieram de África, mas há
já outras garantias para uma base de trabalho serena, séria, profissional e
academicamente válida. Ao nível da ficção, recomendo por exemplo a leitura de
algumas obras do meu camarada e amigo Leonel Cosme, com trinta anos de Angola: A Revolta, A Terra da Promissão, A Hora
Final, A Separação das Águas e,
finalmente, O Chão das Raízes. É
neste último, sobre o regresso e a integração, que o autor lembra: “Sem tempo
para esperar por outro tempo, temos de nos reinventar”. Mas, se ao nível da
literatura, a “libertação” foi avançando, já nesta série televisiva me parece estar
ainda presente o pecado original, faltando a explicação e a exploração das
causas, todas as causas, e da forma como decorreu esse processo.
Não interessa
agora [para mim é secundário] saber se os cidadãos regressados, retornados, refugiados
ou repatriados foram bem ou mal recebidos aqui. Muitos terão sido bem, outros
mal e a maioria talvez assim-assim. Mas na minha perspectiva, importa enquadrar
as causas dessa tragédia para se conseguir entender quem veio e como veio. Para,
depois, chegar ao caráter, às atitudes, à forma como cada um foi resolvendo a
sua vida.
A ideia tem a ver com a simples razão de que há ainda
muita gente que não quis, não teve tempo de entender ou simplesmente preferiu a
chamada fuga para a frente. Patente por exemplo numa troca de impressões, há
dias, no facebook, num pequeno núcleo de amigos e/ou conhecidos. Num sinal
evidente de que nem tudo foi ultrapassado, basta ver a argumentação [transcrevo
parte] relativa a uma simples opinião expressa sobre o 2º episódio da série da
RTP: -
“!1 anos de guerra foi tempo mais que suficiente para aqueles que lá viviam
preparassem o regresso em segurança e sem ansiedade... Eu term-me-ia vindo embora para a minha terra.
Se aquela terra era a de alguns, então tivessem ficado e lutado por ela até às últimas consequências...foram enganados? E nós os que aqui vivíamos não fomos? (...)
(...) E o que me revolta é ver gente dizer que cá foram preteridos e mal recebidos...porra que não é verdade.
Nós fizemos o melhor para os receber.”
Se aquela terra era a de alguns, então tivessem ficado e lutado por ela até às últimas consequências...foram enganados? E nós os que aqui vivíamos não fomos? (...)
(...) E o que me revolta é ver gente dizer que cá foram preteridos e mal recebidos...porra que não é verdade.
Nós fizemos o melhor para os receber.”
Não como resposta, mas apenas a propósito – já que esse
tipo de argumentação é recorrente – quero lembrar dois ou três aspetos que
merecem alguma análise. “Aqueles que lá
viviam” também emigraram, apesar de Salazar não encorajar essa atitude; “a minha
terra” costumo dizer que é onde me sinto bem e onde trabalho honestamente.
Não se regressa dessa terra sem fortes razões; “Se aquela terra era a de alguns, então que tivessem ficado e lutado por
ela até às últimas consequências...” pode ser entendida como uma afirmação
tão dogmática quanto demagógica. Certamente que teriam ficado e alguns
tentaram, mas não lhes foi permitido lutar com “armas” iguais. Não com material
bélico mas por via das ideias. Socorrendo-me mais uma vez do Expresso – onde fui buscar a História de Portugal, coordenada por Rui
Ramos – consulto a página 53 do Vol.8 para ler que o compromisso de Spínola, a
26 de Abril e ao falar de “garantir a sobrevivência da pátria como nação
soberana no seu todo pluricontinental” foi apenas para tentar prevenir algum
“separatismo branco” ajudado pela África do Sul. E depois, já com Spínola
derrotado em Setembro e com a “união” entre o MFA e o PCP a controlar os jogos
de poder em Lisboa, os militares em África cruzaram os braços com as palavras
de ordem “não combater não morrer”. As colónias deviam ser entregues em passo
de corrida!
De acordo com António José Telo [História Contemporânea de Portugal, Vol. I, página 91] o 28 de
Setembro não foi apenas a derrota de Spínola – representou igualmente a “derrota
das forças que, em Angola e em Moçambique, apostavam numa independência sem
entrega directa do poder aos movimentos de libertação”. O MFA, com exceção dos
spinolistas, controlava os militares nas colónias.
Acresce – pode ler-se ainda nas páginas 56 e 57 do volume
8 da História de Portugal coordenada
por Rui Ramos – que as comunidades de
colonos, para além da falta de experiência política e administrativa [ao
contrário do que acontecia na Rodésia], ficaram de mãos atadas com a dissolução
das assembleias legislativas e das juntas consultivas, “num ambiente cada vez
mais hostil”. Sucederam-se confrontos raciais com ataques a cantineiros e subiu
o clima de tensão entre os colonos e o exército, visível sobretudo em Lourenço
Marques em Setembro, por ocasião da ocupação do Rádio Clube. O exército
português, prossegue a História coordenada por Rui Ramos, “armara etnias e
grupos religiosos que tinham combatido os guerrilheiros e podiam resistir a
qualquer tentativa sua de tomar o poder”. Além do mais, os efetivos africanos
do exército foram desmobilizados [à exceção de S.Tomé e Príncipe] e, por
consequência, engrossaram os movimentos independentistas.
O poder não estava só enfraquecido – estava pulverizado,
salienta António José Telo na sua História
Contemporânea de Portugal [Vol. I, pg.78,79].
É aí que se centra o “vazio” na cadeia de comando,
sobretudo militar, pois o poder político não existia verdadeiramente. E esse vazio
foi motivo de muitos males. Com uma retaguarda desprotegida e com as alas a
combater moínhos de vento, era impossível colocar no bom caminho a tática do
quadrado. O que eu quero dizer é que “os militares” foram o alfa e o ómega do
processo, para o bem e para o mal. Acabaram com a ditadura e terminaram a
guerra, mas não foram capazes de absorver uma visão política. Pelo menos em
termos imediatos.
Sintomático – continuando a ler Telo [Vol.I, pg.136] – é
o aparecimento do Plano de Acção Política
(PAP) por iniciativa dos militares moderados e como forma de resposta ao Documento-Guia do Projecto de Aliança
Povo-MFA, no Verão de 1975. Telo diz que o PAP “é uma imensa confusão
ideológica” e “o melhor exemplo do complexo de culpa dos militares que fizeram
a guerra de África durante 13 anos e se procuram identificar com o seu antigo
inimigo”.
Perante o
que nos tem oferecido o projeto Depois do
Adeus importa, portanto, reter a ideia de que – como diz António Borges
Coelho – “o historiador é um manipulador do tempo” [ver Revista Única, do Expresso, de 12/11/2011] que, na construção de um discurso que
jamais será total, irá escolher o que fica à luz e o que deixa na sombra em
função do seu ponto de vista. Por isso é que Irene Pimentel – nesse mesmo
número da Única – diz que “Temos que
estar abertos a pôr em causa tudo. Não é só a verdade que é relativa, mas
também o que nós dizemos ou escrevemos”.
Há uma
questão que já não pode ter resposta...mas importa refletir sobre ela, a bem da
História: “E se não tivesse havido ponte aérea”?
António Bondoso
Jornalista – CP 359.
Fevereiro de 2013.
Outros sítios da internet sobre a mesma temática:-Retornados e sua
integração em Portugal.
www.ipsilon.pt
---- (13Agosto2010) – Público
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