2015-01-13

SEGURANÇA NA EUROPA - MITO COM PÉS DE BARRO? ( PARTE II) 

Foto de A.Bondoso

Do meu trabalho/reflexão de 2008, deixo-vos hoje a segunda parte do trabalho. 
APENAS CHAMO A ATENÇÃO PARA O QUE VEIO DEPOIS DE 2008 - A CRISE ECONÓMICA E FINANCEIRA...QUE VIROU TUDO DO AVESSO. E, assim, tudo ficou ainda mais difícil.

==== Mas o texto, mesmo desatualizado, pode ajudar à compreensão do problema: 

CAPÍTULO II         

DA TEORIA À PRÁTICA, UM PASSO DECISIVO.

“O que faria sentido seria a União preparar-se abertamente para assumir a responsabilidade pela defesa do seu próprio território e deixar para a NATO o papel global que esta, sob liderança americana, quer ter, e para o qual a UE lhe disponibilizaria um elemento de intervenção europeu”.
                                                                                                                Alexandre Reis Rodrigues, 2007[1]

Este tipo de discussão parece ter sido bloqueado no âmbito do desenvolvimento da NOI e também no quadro da Nova Arquitectura de Segurança Europeia (NASE), igualmente ainda não completamente definido e constituindo um dos problemas actuais das R.I. Nomeadamente, como refere o Dr. Paulo Amorim[2], sobre a hierarquia da NASE que – teoricamente – corresponde a uma pirâmide cujo topo é a ONU, devendo seguir-se a OSCE (que passou a Organização em 1994), a NATO e o que hoje poderá ter correspondência com a extinta UEO (uma eterna promessa em termos defensivos europeus) – a PESC/PESDC da União Europeia.
Contudo, com a nova atitude unilateral dos EUA, esta “estrutura” perdeu credibilidade e passou a haver uma certa desarticulação entre as várias organizações, as quais passaram a actuar individualmente – regra geral de acordo com os interesses dos EUA e não sob delegação do patamar superior da pirâmide, a ONU.
Particularmente a partir de 1996, os EUA minimizaram a utilidade da OSCE – na qual estão representados desde Helsínquia tanto os Estados da Europa Ocidental como os do Leste – e a organização perdeu prestígio e importância.
Mas a UE, quer através do extinto Tratado Constitucional, quer no texto do Tratado Reformador de Lisboa – ainda suspenso – insiste numa política comum para a segurança e defesa, tendo chegado mesmo a equacionar-se uma “diplomacia europeia”. Não obstante, persiste a interrogação sobre “que meios políticos?” e sobre “que força armada para impor a decisão política?”.
E apesar de todos os esforços no sentido de potenciar a nova estrutura, o impasse mantém-se, sobretudo por falta de vontade e de coragem política em financiar uma Política de Segurança e Defesa Comum. A engrenagem parece bloquear perante a eventual existência de fortes lóbis militares em vários países europeus – empenhados em evitar que a União possa funcionar como um Estado, detentor exclusivo de uma PE e do poder de declaração de guerra. Neste quadro, não se compreenderia facilmente a existência de umas Forças Armadas fortes nos vários países da União. No fundo, pode dizer-se que vai fazendo vencimento a tese de um quadro westfaliano.
É curioso notar – por contraponto – uma ideia do gen. Loureiro dos Santos[3] anterior à citação que se faz de uma expressão do vice-almirante Alexandre Reis Rodrigues e que encima este capítulo: “ Para já, não parece aconselhável subordinar as Constituições nacionais (que consubstanciam o destino que cada país deseja para si) ao direito comunitário, nem incluir no domínio da União os assuntos de política externa, segurança e defesa, embora devam ser contemplados mecanismos para a sua coordenação”. Loureiro dos Santos enquadra a ideia na necessidade de se adequar o ritmo do aprofundamento institucional, entre o passo de corrida das elites e o andamento normal dos cidadãos europeus. Por outro lado, o General insiste em classificar de rídiculos os meios militares (forças no terreno) da União Europeia e, a propósito da “fraqueza” psicológica e política demonstrada na chamada crise dos cartoons, defende a complementaridade transatlântica: enquanto os países europeus não tomarem consciência das suas debilidades e não as resolverem, em estreita articulação com os EUA, será difícil que o comportamento da Europa em situações deste tipo seja muito diferente.
Ao que parece, é nesta questão política que está centrado o nó górdio do problema.




CONCLUSÃO

“Tememos, pois, que o divórcio entre os povos europeus e a construção europeia irá agravar-se ainda mais, não podendo nós arredar a hipótese de que até às eleições europeias de Junho de 2009, os dirigentes políticos venham a ser confrontados com algum ou alguns sobressaltos”.
                                                                                                                    Augusto Rogério Leitão, 2007[4]


            E confirmou-se o sobressalto! Bastou um pequeno não da Irlanda para abanar os alicerces políticos da União Europeia. Pelo menos obrigou a mais um impasse, para o qual não se vislumbrou ainda uma solução.  
            A Chanceler alemã Ângela Merkel, no “intervalo” dos Tratados, havia já chamado a atenção para o problema, quase premonitoriamente: é do interesse da Europa, dos seus Estados-membros e dos seus cidadãos, que este processo esteja terminado até às próximas eleições para o PE (…) uma Europa fraca, burocrática e dividida não conseguirá resolver os problemas que enfrenta, seja em termos de política externa e de segurança, mudanças climáticas, energia, investigação científica, desregulamentação, ou na gestão do alargamento e das relações com os nossos vizinhos.
            Depois (mas ainda antes do não irlandês), também o Presidente francês Sarkozy havia lançado farpas no PE[5]: o novo tratado simplificado, não resolve a crise moral e política da Europa. E interrogava: como poderá a Europa ser independente, ter influência política no mundo, ser um factor de paz e de equilíbrio se não é capaz de assegurar a sua própria defesa?
            A França, recorda-se, era uma das potências europeias com benefícios directos da aplicação do defunto Tratado Constitucional que – paradoxalmente – foi rejeitado em referendo pelos franceses, numa acesa luta política interna.
            E depois, há quem considere o novo Tratado Reformador/de Lisboa como um “Filho de um Deus Menor”[6], repetindo apenas as duas grandes novidades do anterior, sendo que o funcionamento da Agência Europeia de Defesa (já em prática) não necessita de um tratado. A outra “novidade” – alguns Estados-membros poderem estabelecer entre si cooperações reforçadas/estruturadas – referida num texto do Ten. Coronel Pereira da Silva e publicado na Revista Militar, parece ser potenciadora de naturais divergências entre responsáveis políticos e militares de cada um dos países da União. Particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento de determinadas capacidades em conjunto (os Battle Groups) ou de novos projectos. Uma capacidade militar – recorda Pereira da Silva – compreende elementos como o pessoal, o equipamento, a sustentação, a doutrina, a prontidão, a interoperabilidade, o treino e a projecção. Alguns destes elementos não deixam de entreabrir uma porta – tanto para o estabelecimento de lóbis como para a permanência do espírito de Westfalia.
            Alexandre Reis Rodrigues coloca a necessidade de uma “política centralizada” como fundamental para a ambicionada Política de Segurança e Defesa da UE – mais do que os recursos financeiros. E acrescenta que continua a faltar um órgão que assuma a concretização militar das decisões políticas, coordenando e acompanhando todo o subsequente processo ao nível de cada Estado-membro, conforme os compromissos assumidos.
            Contudo, esta ideia quase que anula o chamado “critério da não duplicação de meios e estruturas” debatido e acordado no seio da NATO no mandato do presidente Bill Clinton.
            No meio de hesitações, impasses e interesses divergentes, Augusto Rogério Leitão projecta para o futuro a afirmação gradual de um directório informal constituído pelo Reino Unido, França e Alemanha – em especial no âmbito da PESC/PESD – apresentando um binómio/dilema: “ou a União opta por ser fundamentalmente uma zona de livre comércio, adaptando-se à globalização com algumas políticas comuns centradas na ajuda aos Estados-membros mais débeis, e as suas fronteiras poderão alargar-se de modo extensivo; ou opta por uma união política, com uma governação da globalização no quadro de uma Europa social que exige uma maior partilha das soberanias e uma configuração como potência regional ou mesmo mundial, e as suas fronteiras terão de ser necessariamente menos extensas”.
            É nesta encruzilhada de um tempo complexo e de muitas incertezas – e para o qual o futuro não tem um prazo muito dilatado – que muitos políticos jogam os seus dados e o seu prestígio, nem sempre com resultados muito positivos.
            E particularmente no que respeita à “segurança colectiva” – por oposição à intolerância e ao terrorismo fundamentalista – merece algum destaque a ideia do embaixador Seixas da Costa[7] quando fala da responsabilidade da comunidade internacional democrática e defensora da tolerância e das liberdades, na qual a União Europeia deve ter um papel central: a segurança colectiva continuará a estar em sério risco, enquanto essa comunidade não adoptar uma ‘diplomacia de princípios’ assente na denúncia dos jogos cínicos da realpolitik e resistindo ao ‘politicamente correcto’ de certos lóbis.
            Este papel só será possível com uma União Europeia sólida e solidária em termos políticos, suficientemente realista a propósito da complexa conjuntura internacional. Com divisões ‘internas’ e assumindo-se como um foco de tensão no espaço euro atlântico, talvez seja preferível ponderar a extinção da NATO. 



[1] - Vice-almirante e Secretário-geral da Comissão Portuguesa do Atlântico. Em Revista Estratégia, do IEEI nº24-25.
[2] - Departamento de R.I. da Universidade Lusíada do Porto.
[3] - O Império debaixo de Fogo, Europa América, Lisboa,  2006.
[4] - Professor da Licenciatura/Mestrado em Relações Internacionais da Univ de Coimbra, na Revista Estratégia, do IEEI, nº 24-25, 2007: “A Crise Existencial da União Europeia entre revisões, alargamentos, fronteiras e o futuro”.
[5] - Discurso no PE em Novembro de 2007.
[6] - Ten. Coronel Nuno Miguel Pascoal Dias Pereira da Silva, sócio efectivo da Revista Militar e comandante da Unidade de Apoio da BrigInt. Publicado em 21 de Setembro de 2008. 
[7] - Embaixador de Portugal no Brasil e representante de Portugal na OSCE (2002-2005). Palestra em Vila Real, em Outubro de 2004.

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