SEGURANÇA NA EUROPA - MITO COM PÉS DE BARRO? ( PARTE II)
Foto de A.Bondoso
Do meu trabalho/reflexão de 2008, deixo-vos hoje a segunda parte do trabalho.
APENAS CHAMO A ATENÇÃO PARA O QUE VEIO DEPOIS DE 2008 - A CRISE ECONÓMICA E FINANCEIRA...QUE VIROU TUDO DO AVESSO. E, assim, tudo ficou ainda mais difícil.
==== Mas o texto, mesmo desatualizado, pode ajudar à compreensão do problema:
CAPÍTULO
II
DA TEORIA
À PRÁTICA, UM PASSO DECISIVO.
“O que faria sentido seria a União preparar-se
abertamente para assumir a responsabilidade pela defesa do seu próprio
território e deixar para a NATO o papel global que esta, sob liderança
americana, quer ter, e para o qual a UE lhe disponibilizaria um elemento de
intervenção europeu”.
Alexandre Reis Rodrigues, 2007[1]
Este tipo de discussão parece ter sido
bloqueado no âmbito do desenvolvimento da NOI e também no quadro da Nova
Arquitectura de Segurança Europeia (NASE), igualmente ainda não completamente
definido e constituindo um dos problemas actuais das R.I. Nomeadamente, como
refere o Dr. Paulo Amorim[2],
sobre a hierarquia da NASE que – teoricamente – corresponde a uma pirâmide cujo
topo é a ONU, devendo seguir-se a OSCE (que passou a Organização em 1994), a
NATO e o que hoje poderá ter correspondência com a extinta UEO (uma eterna
promessa em termos defensivos europeus) – a PESC/PESDC da União Europeia.
Contudo, com a nova atitude unilateral
dos EUA, esta “estrutura” perdeu credibilidade e passou a haver uma certa
desarticulação entre as várias organizações, as quais passaram a actuar
individualmente – regra geral de acordo com os interesses dos EUA e não sob
delegação do patamar superior da pirâmide, a ONU.
Particularmente a partir de 1996, os
EUA minimizaram a utilidade da OSCE – na qual estão representados desde
Helsínquia tanto os Estados da Europa Ocidental como os do Leste – e a
organização perdeu prestígio e importância.
Mas a UE, quer através do extinto
Tratado Constitucional, quer no texto do Tratado Reformador de Lisboa – ainda
suspenso – insiste numa política comum para a segurança e defesa, tendo chegado
mesmo a equacionar-se uma “diplomacia europeia”. Não obstante, persiste a
interrogação sobre “que meios políticos?” e sobre “que força armada para impor
a decisão política?”.
E apesar de todos os esforços no
sentido de potenciar a nova estrutura, o impasse mantém-se, sobretudo por falta
de vontade e de coragem política em financiar uma Política de Segurança e
Defesa Comum. A engrenagem parece bloquear perante a eventual existência de
fortes lóbis militares em vários países europeus – empenhados em evitar que a
União possa funcionar como um Estado, detentor exclusivo de uma PE e do poder
de declaração de guerra. Neste quadro, não se compreenderia facilmente a
existência de umas Forças Armadas fortes nos vários países da União. No fundo,
pode dizer-se que vai fazendo vencimento a tese de um quadro westfaliano.
É curioso notar – por contraponto –
uma ideia do gen. Loureiro dos Santos[3]
anterior à citação que se faz de uma expressão do vice-almirante Alexandre Reis
Rodrigues e que encima este capítulo: “
Para já, não parece aconselhável subordinar as Constituições nacionais (que
consubstanciam o destino que cada país deseja para si) ao direito comunitário,
nem incluir no domínio da União os assuntos de política externa, segurança e
defesa, embora devam ser contemplados mecanismos para a sua coordenação”.
Loureiro dos Santos enquadra a ideia na necessidade de se adequar o ritmo do
aprofundamento institucional, entre o passo de corrida das elites e o andamento
normal dos cidadãos europeus. Por outro lado, o General insiste em classificar
de rídiculos os meios militares (forças no terreno) da União Europeia e, a
propósito da “fraqueza” psicológica e política demonstrada na chamada crise dos
cartoons, defende a complementaridade transatlântica: enquanto os países europeus não tomarem consciência das suas
debilidades e não as resolverem, em estreita articulação com os EUA, será
difícil que o comportamento da Europa em situações deste tipo seja muito
diferente.
Ao que parece, é nesta questão
política que está centrado o nó górdio do problema.
CONCLUSÃO
“Tememos, pois, que o divórcio entre os povos europeus e
a construção europeia irá agravar-se ainda mais, não podendo nós arredar a
hipótese de que até às eleições europeias de Junho de 2009, os dirigentes
políticos venham a ser confrontados com algum ou alguns sobressaltos”.
Augusto Rogério Leitão, 2007[4]
E
confirmou-se o sobressalto! Bastou um pequeno
não da Irlanda para abanar os alicerces políticos da União Europeia. Pelo
menos obrigou a mais um impasse, para o qual não se vislumbrou ainda uma
solução.
A
Chanceler alemã Ângela Merkel, no “intervalo” dos Tratados, havia já chamado a
atenção para o problema, quase premonitoriamente: é do interesse da Europa, dos seus Estados-membros e dos seus cidadãos,
que este processo esteja terminado até às próximas eleições para o PE (…) uma
Europa fraca, burocrática e dividida não conseguirá resolver os problemas que
enfrenta, seja em termos de política externa e de segurança, mudanças
climáticas, energia, investigação científica, desregulamentação, ou na gestão
do alargamento e das relações com os nossos vizinhos.
Depois
(mas ainda antes do não irlandês), também o Presidente francês Sarkozy havia
lançado farpas no PE[5]: o novo tratado simplificado, não resolve a
crise moral e política da Europa. E interrogava: como poderá a Europa ser independente, ter influência política no
mundo, ser um factor de paz e de equilíbrio se não é capaz de assegurar a sua
própria defesa?
A
França, recorda-se, era uma das potências europeias com benefícios directos da
aplicação do defunto Tratado Constitucional que – paradoxalmente – foi
rejeitado em referendo pelos franceses, numa acesa luta política interna.
E
depois, há quem considere o novo Tratado Reformador/de Lisboa como um “Filho de
um Deus Menor”[6], repetindo apenas as duas
grandes novidades do anterior, sendo que o funcionamento da Agência Europeia de
Defesa (já em prática) não necessita de um tratado. A outra “novidade” – alguns Estados-membros poderem estabelecer
entre si cooperações reforçadas/estruturadas – referida num texto do Ten.
Coronel Pereira da Silva e publicado na Revista Militar, parece ser
potenciadora de naturais divergências entre responsáveis políticos e militares
de cada um dos países da União. Particularmente no que diz respeito ao
desenvolvimento de determinadas capacidades em conjunto (os Battle Groups) ou
de novos projectos. Uma capacidade
militar – recorda Pereira da Silva – compreende elementos como o pessoal, o
equipamento, a sustentação, a doutrina, a prontidão, a interoperabilidade, o
treino e a projecção. Alguns destes elementos não deixam de entreabrir uma
porta – tanto para o estabelecimento de lóbis como para a permanência do
espírito de Westfalia.
Alexandre
Reis Rodrigues coloca a necessidade de uma “política centralizada” como
fundamental para a ambicionada Política de Segurança e Defesa da UE – mais do
que os recursos financeiros. E acrescenta que continua a faltar um órgão que assuma a concretização militar das
decisões políticas, coordenando e acompanhando todo o subsequente processo ao
nível de cada Estado-membro, conforme os compromissos assumidos.
Contudo,
esta ideia quase que anula o chamado “critério da não duplicação de meios e
estruturas” debatido e acordado no seio da NATO no mandato do presidente Bill
Clinton.
No
meio de hesitações, impasses e interesses divergentes, Augusto Rogério Leitão
projecta para o futuro a afirmação
gradual de um directório informal constituído pelo Reino Unido, França e
Alemanha – em especial no âmbito da PESC/PESD – apresentando um
binómio/dilema: “ou a União opta por ser fundamentalmente uma zona de livre
comércio, adaptando-se à globalização com algumas políticas comuns centradas na
ajuda aos Estados-membros mais débeis, e as suas fronteiras poderão alargar-se
de modo extensivo; ou opta por uma união política, com uma governação da
globalização no quadro de uma Europa social que exige uma maior partilha das
soberanias e uma configuração como potência regional ou mesmo mundial, e as
suas fronteiras terão de ser necessariamente menos extensas”.
É
nesta encruzilhada de um tempo complexo e de muitas incertezas – e para o qual
o futuro não tem um prazo muito dilatado – que muitos políticos jogam os seus
dados e o seu prestígio, nem sempre com resultados muito positivos.
E
particularmente no que respeita à “segurança colectiva” – por oposição à
intolerância e ao terrorismo fundamentalista – merece algum destaque a ideia do
embaixador Seixas da Costa[7]
quando fala da responsabilidade da comunidade internacional democrática e
defensora da tolerância e das liberdades, na qual a União Europeia deve ter um
papel central: a segurança colectiva
continuará a estar em sério risco, enquanto essa comunidade não adoptar uma
‘diplomacia de princípios’ assente na denúncia dos jogos cínicos da realpolitik
e resistindo ao ‘politicamente correcto’ de certos lóbis.
Este
papel só será possível com uma União Europeia sólida e solidária em termos
políticos, suficientemente realista a propósito da complexa conjuntura
internacional. Com divisões ‘internas’ e assumindo-se como um foco de tensão no
espaço euro atlântico, talvez seja preferível ponderar a extinção da NATO.
[1] - Vice-almirante e Secretário-geral da Comissão
Portuguesa do Atlântico. Em Revista Estratégia , do IEEI nº24-25.
[4] - Professor da Licenciatura/Mestrado em Relações Internacionais
da Univ de Coimbra, na Revista Estratégia, do IEEI, nº 24-25, 2007: “A Crise
Existencial da União Europeia entre revisões, alargamentos, fronteiras e o
futuro”.
[6] - Ten. Coronel Nuno Miguel Pascoal Dias Pereira da Silva, sócio efectivo da
Revista Militar e comandante da Unidade de Apoio da BrigInt. Publicado em 21 de
Setembro de 2008.
[7] - Embaixador de Portugal no Brasil e representante de Portugal na OSCE
(2002-2005). Palestra em
Vila Real , em Outubro de 2004.
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