SEJA-ME
PERMITIDO CHORAR…
…ou a dignidade de ser livre!
A
sensibilidade pode ser inata mas o carácter definidor de um ser digno e livre é
percebido e alimentado, formado e enformado, baseado na instrução, na educação,
na cultura e na tolerância, numa ideia consistente de justiça moral e social –
valores conquistados ao longo da vivência de cada um. E tudo vale bem melhor
quando se nos apresentam exemplos vivos que marcam profundamente.
Mário Soares foi um dessas imagens
inspiradoras. Que aprendi a perceber e a respeitar, sobretudo depois de
compreender os diversos tempos da sua luta, numa análise desapaixonada da
conjuntura – interna e externa –de cada época.
Não tenho chorado muitas vezes ao longo
da minha vida. Para além dos momentos particulares de tristeza quando perdemos
a mãe ou o pai, ou até de alegria quando nasce um filho – comuns a qualquer ser
humano – tenho vivido algumas situações propiciadoras de uma lágrima. Porém,
chorar de indignação, de raiva ou de impotência não tem sido frequente. Aconteceu
nos últimos cinco anos com a política dos cortes cegos nas pensões, que
motivaram manifestações gigantescas de protesto no país – como eu supunha já
não ser necessário – e verifica-se agora com o desaparecimento físico de Mário
Soares. É sobretudo um choro de preocupação. Vai-se esgotando o reservatório de
referências, não só em Portugal e no resto da Europa mas também no mundo.
Mário Soares esteve sempre um ou dois
passos à frente da realidade, antecipava o futuro. Como foi o caso destes mais
recentes tempos de crise internacional que, inevitavelmente, se atravessaram no
caminho do país. E depois, essa UE sem rasgo, sem liderança sem visão, amarrada
a clichés de uma ortodoxia neoliberal altamente nociva. Mário Soares avisou,
teceu críticas, sempre dois passos à frente. Foi um combatente excepcional pelas
liberdades, correndo riscos por ideais em que acreditava. E um lutador até ao
fim pelos valores fundamentais da humanidade. Ao contrário do que outros
disseram, sou de opinião que não há momentos “infelizes” ou “absurdos” num
combatente político. As convicções de cada momento podem causar dissabores, mas
tudo se ergue no minuto seguinte…Foi assim com Mário Soares. Por isso é que eu
digo e repito – preocupa-me o futuro. Obrigado Mário Soares pela liberdade de
poder escrever este texto.
António Bondoso
Jornalista
Janeiro de 2017
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