DA ROÇA…
…de uma péssima ideia colonial a uma desleixada atitude de um país independente.
Percebe-se o sistema e a época…condena-se a violência e os efeitos.
Percebe-se a revolta e a libertação…condena-se a destruição do património e da história.
Cidade-Estado ou um Estado dentro do
Estado, a Roça desempenhou um papel crucial e secular na economia das Ilhas do
meio do mundo, mesmo sendo evidente o mau espírito reinante: a ideia, o sistema,
a propriedade, os objetivos, a prática, a brutalidade do trabalho serviçal, eram
amenizados a espaços por força de circunstâncias incontornáveis. Como dizia
Luís Cajão a Michel Laban, por exemplo:- E
qual o meu espanto quando chego ao Rio do Ouro e vejo uma enfiada de palmeiras
imperiais, uma casa digna de um príncipe, um comboio de bitola normal, música
nas sanzalas, jardim zoológico para as crianças, um hospital – tomáramos nós na
Metrópole, sei lá, nas Caldas da Rainha, na Figueira da Foz ou em Aveiro…ter
hospitais assim, daquela categoria!”.
Mas os ecos da Roça foram de tal ordem…que
ainda hoje o tema reclama emoções diversas, contraditórias. Basta lembrar a
poesia de Conceição Lima: Perguntam os
mortos:/Porque brotam raízes dos nossos pés?/Porque teimam em sangrar/Em nossas
unhas/As pétalas dos cacaueiros?/Que reino foi esse que plantámos?
Ou a roça…«espaço físico e psíquico de
homens-máquina, ao serviço da ganância de alguns que, longe, ostentavam a
riqueza suja de um degradante sistema humano». Alda do Espírito Santo recorda
Henry Nevinson que, em 1906, denunciava “o
ignóbil trabalho escravo nas roças de S. Tomé e Príncipe, onde o cacau e o café
atingem cifras consideráveis. Os nossos irmãos de Angola e Moçambique e mais
tarde de Cabo Verde sofreram anos de aviltamento no inferno das roças das
grandes Companhias Coloniais, com sede nas suas metrópoles”.
Voltando ao relato de Luís Cajão a
Michel Laban… “De Moçambique
apareceram-me alguns em cumprimento de pena: iam cumprir pena nas roças!
Tratei-os sempre a todos da mesma forma. Todos. Com o mesmo amor, a mesma
ternura. Meu Deus, eu tive quando me vim embora, no aeroporto da ilha do
Príncipe, trezentos trabalhadores e as suas famílias a dizerem-me adeus (…).
Foram bem tratados: nunca ninguém os terá tratado melhor”.
Os moçambicanos, recordou-me em tempos
Victor Cruz, «eram trabalhadores extraordinários. Havia um que fazia a tarefa
dele e a da mulher, por exemplo trinta buracos vezes dois para plantar cacau.
Esse tinha ido condenado para S. Tomé (Colónia Açoriana) com uma pena de 12
anos. Na sua terra era guia de caçadores! O que o terá levado ao degredo foi
eventualmente uma simples escaramuça, mas conseguiu regressar a Moçambique!».
Mas os ecos da Roça não se esgotaram.
Depois do mais completo estudo de Francisco José Tenreiro (1961) – para quem a
roça «era a base de povoamento de toda a ilha», outros se seguiram mais
recentemente. Por exemplo As Roças de São
Tomé e Príncipe, de Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, com
fotografias de Francisco Nogueira. E depois de alguns romances – como os coloniais
de Fernando Reis [Roça], Sum Marky [A Ilha do Santo], de Rafael Branco já no
pós independência [Makuta – Antigamente Lá
na Roça] e em 2008 O Feitiço das
Ilhas do Cacau, de Hermínio Ferraz… eis que agora se apresenta No Tempo Das Roças, de Francisco Assis
Brito – um clérigo natural de Rio do Ouro, Guadalupe, onde nasceu em 1966. Segundo
a sinopse a temática é idêntica, vista por outros olhos, mas “Deplora, igualmente, a desvalorização,
destruição e abandono das ricas infraestruturas das antigas roças, que podiam
ter continuado a contribuir para a beleza e o desenvolvimento dessas ilhas
maravilhosas do Equador”.
António Bondoso
Jornalista
Janeiro de 2017
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