E EM ÁFRICA…O QUE HÁ DE NOVO?
A
esta questão mera e simbolicamente retórica, poderíamos responder com aquela
ideia de Mia Couto – “Em África tudo é outra coisa. Em África tudo é sempre
outra coisa”.
Ou,
revisitando o otimismo do historiador e sociólogo de origem congolesa ELIKIA M’BOKOLO,
poderíamos afirmar que, apesar das trágicas imagens que nos chegam diariamente
(fome, Hiv, Ébola,
paludismo, golpes militares, corrupção,
conflitos étnicos, refugiados) – imagens contraditórias vistas do exterior - «não temos razão para
desesperar de África. As análises devem ser feitas com tempo e através dos
tempos». Em São Tomé e Príncipe, onde hoje se vive uma complexa situação
política e jurídico-constitucional, dir-se-ia molimoli, leveleve…
Ou
ainda, sabendo embora que as Áfricas são muitas, aos olhos dos brancos [sobretudo
eurocêntricos] – como diz Leonel Cosme quando escreve sobre Agostinho Neto e o seu tempo - «sempre a
África Negra teve as imagens que dela fizeram os colonizadores».
Mas a “leitura” de e sobre África que nos
é apresentada a cada instante pela «caixinha manipuladora» não pode nem deve
ser uma fatalidade. No fundo, todo o mundo é composto de mudança e os avatares
complexos exigem uma rigorosa e ponderada análise. A paixão, ou as paixões, não
podem normalizar e banalizar o pensamento, mesmo tendo em conta aquela ideia de
que «África é mais do que um lugar, é um sentimento que apenas tocou alguns de
nós».
Voltando
a Leonel Cosme – meu camarada de rádio durante alguns anos e que viveu três
décadas em Angola, embora em duas etapas – quero deixar a ideia de um Agostinho
Neto que ele foi acompanhando e depois estudou em profundidade. Por exemplo, a
atitude pedagógica do Presidente-poeta numa Angola recém-independente, cuja
história de cinco séculos de presença portuguesa muitos desejavam rasurar ou
repaginar, como se a História angolana tivesse começado em Novembro de 1975. A
esses, disse Agostinho Neto: «De certo modo nós somos europeus, de certo modo
os europeus são africanos. Não podemos esquecer os latino-americanos, que de
certo modo são africanos e nós também somos de certo modo latino-americanos. (…)
Nós somos uma encruzilhada de civilizações, ambientes culturais, e não podemos
fugir a isso de maneira nenhuma, mas da mesma maneira que nós pretendemos
manter a nossa personalidade política, também é preciso que nós mantenhamos a
nossa personalidade cultural (…)».
Leonel Cosme
É exatamente esta personalidade, rica e
diversa, que os nossos olhos europeus devem tentar perceber e reter. Não pretendendo
alongar-me demasiado, vou com Agostinho Neto “Para Além da Poesia”, a sua poesia
africana, sobretudo quando ele diz porque sabe:
(…)
Na
estrada
A
fila de carregadores bailundos
gemendo
sob o peso da crueira
No
quarto
a
mulatinha de olhos meigos
retocando
o rosto com rouge e pó-de-arroz
A
mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na
cama o homem insone pensando
em
comprar garfos e facas para comer à mesa (…)
Hoje
é o Dia de África. E de lá…não nos chegam apenas refugiados. É bom lembrar! Ou
não esquecer! Tenhamos sempre presentes figuras como Santo Agostinho, Senghor, Wangari Maathai, Lumumba, Nyerere, Eduardo
Mondlane, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Aristides Vieira, Kaunda, Kenyatta, Selassiè,
Samora Machel, Desmond Tutu, Nelson Mandela…
De outro modo, não deixemos de lembrar – pelos
piores motivos – nomes como Bokassa, Francisco Macias Nguema, Idi Amin Dada, Habib
Bourguiba, Sékou Touré, Mobutu, Robert Mugabe…
Fundamental é que – sabendo que esquecer não
significa o mesmo que varrer para debaixo do tapete – ainda assim é bom
esquecer a África da Conferência de Berlim, em 1884/1885 – na qual 14 países
redesenharam o Continente onde tudo terá começado, sem ter em consideração as
fronteiras linguísticas e culturais estabelecidas.
Bom dia África. Saudações a quem vive…e a quem
viveu!
Um abraço do
António Bondoso
Jornalista.
Maio de 2018.
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