UM
LIVRO DE VEZ EM QUANDO…neste ano da «Pandemia» de 2020, ou de como se «ensaia
ao espelho». Provavelmente, não faria muito sentido, apesar da simpatia do
número, nomeá-lo com a tradicional designação de «ano da graça de…», tão
difícil tem sido a caminhada de «alertas, calamidades e emergências» devido à
crise sanitária da Covid-19. Estranhamente, dirão alguns, tem sido um bom ano
para publicar.
Há
já alguns dias publicitei aqui um novo livro e uma nova coleção de uma editora
recente. Volto hoje ao tema para aprofundar um pouco mais a minha «leitura» de ENSAIOS DE ESPELHO, de Rui de Azevedo
Teixeira.
Não
o faço pelo facto de ser mencionado na obra nem tão pouco pela amizade que nos
liga, sobretudo a partir de conversas sobre a Guerra Colonial, já lá vão uns
bons pares de anos. A guerra – particularmente essa “guerra” – foi o tiro de
partida para esta relação que me ofereceu o conhecimento de um homem de cultura
vasta, de um Professor de competência reconhecida e, sobretudo, de um excelente
conversador. De tudo isto à escrita, um passo natural. Tão natural como saciar
a sede de partilhar conhecimento e ideias, componentes essenciais do seu ADN.
Sem
pretender, também eu, produzir aqui um eventual “ensaio” ou mesmo uma breve “recensão”,
direi apenas que nestes ENSAIOS DE
ESPELHO há um casamento brilhante de textos que começaram por ser
dispersos. O título é forte, à dimensão do autor Rui de Azevedo Teixeira. Quem
o conhece sabe da sua escrita poderosa, enleante, tão dura quanto poética. E a
«obra» é tão original quanto o nome da editora que a publica, «EDIÇÕES SEM NOME», e tão distinta e
eclética quanto a “coleção” que ela inicia – Heteróclita & Guerra – da qual
Rui de Azevedo Teixeira aceitou ser o coordenador. Não se estranha, portanto,
que a guerra e o amor sejam dois dos tópicos mais em destaque nesta obra que
termina, de forma original, com excertos de uma «arguição de doutoramento»
sobre “O sujeito em Fernando Pessoa,
Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e António Ferro”. Não me sentindo
capacitado para comentar a temática da tese apresentada sob o título de «crise
e superação no sujeito modernista», sempre me aventuro a responder à proposta
que o arguente colocou ao autor Dionísio Vila Maior sobre a questão, várias
vezes referida, do homem superior:- “O que é o Homem Superior para Pessoa, Sá-Carneiro,
Almada e Ferro? Tentando perceber as personalidades diversas mas, em
simultâneo, reveladoras de uma conjugação narcísica e de talento exaltado, esse
“homem superior” vive no íntimo de cada um deles, cabendo-lhe defender
acerrimamente as ideias e a doutrina da “arte pura” e da “liberdade formal”. No
fundo, modernistas e futuristas, são eles que sabem fazer e viver o momento
presente e futuro.
De
outro modo, como disse, são o amor (Meu
Amor era de Noite, de VGM; Adeus
Princesa, de CPC; ou o Amor
(Im)possível, de FTR) e a guerra[1] a
dominar a compilação de textos espaçados no tempo, quer soltos, quer de teor
académico. Da literatura de e sobre a guerra à crítica cinematográfica –
igualmente de temas bélicos – esta obra de Rui Teixeira passa também por
ensaios biográficos (nomeadamente Hemingway, Alpoim Calvão e Jaime Neves) e
pela crítica literária, onde se destaca o que o autor designa como o «núcleo
canónico»: Carlos Vale Ferraz, Lídia Jorge e Manuel Alegre.
É
precisamente Manuel Alegre que está presente no seu texto POESIA, SAUDADE E QUINTO IMPÉRIO[2],
destacando em Jornada de África a
«superioridade da poesia e a ideia de Portugal (e do mundo que o português
moldou), na qual triunfa a saudade». Partindo desta “Jornada” e da obra Mayombe, de Pepetela, Rui de Azevedo
Teixeira elabora também uma «interleitura, com aproximações e afastamentos».
[1] - «A guerra é o reino dos abismos do pavor e dos cumes do heroísmo, da dor de ser ferido e do prazer de matar, da solidão sem ranhuras e do esprit de corps, da humilhação da derrota e do êxtase da vitória» (Pgs 32 e 33).
[2] - Publicado na Revista Visão, coleção Estante Visão/Dom Quixote, 26.6.2003.
Não querendo alongar demasiado, não posso terminar sem deixar um abraço grato a Rui de Azevedo Teixeira pela bondade de me ter incluído neste seu trabalho, publicando o prefácio ao meu livro Tons Dispersos (Vega, 2003), dedicando o texto a Vasco, José e Carlos de Azevedo Teixeira. Sob o título de «A saudade da Viagem Portuguesa», o «Rui» escreve no seu prefácio que os «lugares amados (alguns detestados) de Portugal e do Império», presentes em Tons Dispersos, «ganham a densidade de espaços literários porque o poeta dá a cada um deles um espírito do lugar, tira da maioria deles portuguesíssimas saudades e transmuda em alguns parte da substância poética, que não a ideológica, de António Manuel Couto Viana».
António Bondoso
13 de Novembro de 2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário