POESIA ELEITORAL…ou de como as oposições procuram, com uma poética ingenuidade, soprar música para alguns ouvidos incautos. Vai ser “Uma Campanha Alegre”, como escreveu Eça.
«As
Farpas», que também resultaram em «Uma Campanha Alegre», juntaram durante algum
tempo da segunda metade do século XIX as vozes críticas de Ramalho Ortigão e de
Eça, em época de um «jornalismo atávico», de um inquietante “cinzentismo
parlamentar” e de uma triste governação «para lamentar».
No
seu primeiro volume, advertia Eça que as páginas do seu livro refletiam as
ideias vertidas em “As Farpas”, quando ambos – ele e Ramalho – como o Poeta,
estavam convencidos que a «tolice tem cabeça de touro». Talvez por isso, foram
arremessando farpas, «uma após outra, para todos os lados onde supunha entrever
o escuro cachaço taurino». Nem todas terão acertado, claro, mas «cada arremesso
era governado por um impulso puro da inteligência ou do coração».
Se
bem se lembram – quem leu, claro – escrevia Eça que “não existe nenhuma
solidariedade entre os cidadãos” e que “já não se crê na honestidade dos homens
públicos”. Nada que, infelizmente, possa estar muito longe do que se passa nos
tempos de hoje. Atualizando, portanto, talvez não seja dramático perceber que
“De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro”. Ou que “A intriga política
alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba
o silêncio da opinião, com padre-nossos
maquinais”.
Como disse acima, o “cachaço taurino” passava igualmente pela «imprensa» composta por periódicos «noticiosos» e «políticos»: estes, escrevia Eça, têm todos a mesma política. E os noticiosos…esses têm todos a mesma notícia.
À distância de 1871 – estas «farpas» celebram agora 150 anos – o “retrato” não
deixa de ser muito fiel, pese embora os avatares da história da humanidade. E
não deixo de contabilizar, claro, o atávico atraso de “pelo menos 30 anos”
relativamente ao resto da Europa.
Procurando
dar sentido ao título que escolhi para estes escritos que me irão acompanhar
nos próximos dias, a propósito das eleições autárquicas, recordo sobretudo um
outro alvo das farpas de Eça: A
literatura – poesia e romance – sem ideia, sem originalidade, convencional,
hipócrita, falsíssima, não exprime nada: nem a tendência colectiva da
“sociedade, nem o temperamento individual do escritor. Tudo em torno dela se
transformou, só ela ficou imóvel. De modo que, pasmada e alheada, nem ela
compreende o seu tempo, nem ninguém a compreende a ela. É como um trovador
gótico, que acordasse de um sono secular numa fábrica de cerveja”. Exagero?
Certamente aos olhos de hoje. Mas não deixa de ser verdade que, tal como na
época, “A poesia contemporânea compõe-se
assim de pequeninas sensibilidades, pequeninamente contadas por pequeninas
vozes”. (…) E no meio das ocupações do nosso tempo, das questões que em roda de
nós de toda a parte se erguem como temerosos pontos de interrogação, estes
senhores vêm contar-nos as suas descrençazinhas ou as suas axaltaçõezinhas!”
Como
já vai longo este meu escrito introdutório, deixo-vos, por hoje, com este «pequeno»
poema de minha autoria:
APENAS…E SÓ!
A chuva não é assim
tanta
E o vento não se
alevanta
Para além da
consciência.
O conforto está no
gesto
Do direito e do dever
De usar a inteligência!
Em
“Terra de Ninguém” – 2020, 2ª edição,
Edç Esgotadas. Pg 102.
António
Bondoso
Moimenta da Beira
4
Setembro de 2021.
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