2021-09-04

POESIA ELEITORAL…ou de como as oposições procuram, com uma poética ingenuidade, soprar música para alguns ouvidos incautos. Vai ser “Uma Campanha Alegre”, como escreveu Eça. 



Foto de A.Bondoso

«As Farpas», que também resultaram em «Uma Campanha Alegre», juntaram durante algum tempo da segunda metade do século XIX as vozes críticas de Ramalho Ortigão e de Eça, em época de um «jornalismo atávico», de um inquietante “cinzentismo parlamentar” e de uma triste governação «para lamentar».

No seu primeiro volume, advertia Eça que as páginas do seu livro refletiam as ideias vertidas em “As Farpas”, quando ambos – ele e Ramalho – como o Poeta, estavam convencidos que a «tolice tem cabeça de touro». Talvez por isso, foram arremessando farpas, «uma após outra, para todos os lados onde supunha entrever o escuro cachaço taurino». Nem todas terão acertado, claro, mas «cada arremesso era governado por um impulso puro da inteligência ou do coração».

Se bem se lembram – quem leu, claro – escrevia Eça que “não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos” e que “já não se crê na honestidade dos homens públicos”. Nada que, infelizmente, possa estar muito longe do que se passa nos tempos de hoje. Atualizando, portanto, talvez não seja dramático perceber que “De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro”. Ou que “A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o silêncio da opinião, com padre-nossos maquinais”.

Como disse acima, o “cachaço taurino” passava igualmente pela «imprensa» composta por periódicos «noticiosos» e «políticos»: estes, escrevia Eça, têm todos a mesma política. E os noticiosos…esses têm todos a mesma notícia. 




Foto de A.Bondoso

À distância de 1871 – estas «farpas» celebram agora 150 anos – o “retrato” não deixa de ser muito fiel, pese embora os avatares da história da humanidade. E não deixo de contabilizar, claro, o atávico atraso de “pelo menos 30 anos” relativamente ao resto da Europa.

Procurando dar sentido ao título que escolhi para estes escritos que me irão acompanhar nos próximos dias, a propósito das eleições autárquicas, recordo sobretudo um outro alvo das farpas de Eça: A literatura – poesia e romance – sem ideia, sem originalidade, convencional, hipócrita, falsíssima, não exprime nada: nem a tendência colectiva da “sociedade, nem o temperamento individual do escritor. Tudo em torno dela se transformou, só ela ficou imóvel. De modo que, pasmada e alheada, nem ela compreende o seu tempo, nem ninguém a compreende a ela. É como um trovador gótico, que acordasse de um sono secular numa fábrica de cerveja”. Exagero? Certamente aos olhos de hoje. Mas não deixa de ser verdade que, tal como na época, “A poesia contemporânea compõe-se assim de pequeninas sensibilidades, pequeninamente contadas por pequeninas vozes”. (…) E no meio das ocupações do nosso tempo, das questões que em roda de nós de toda a parte se erguem como temerosos pontos de interrogação, estes senhores vêm contar-nos as suas descrençazinhas ou as suas axaltaçõezinhas!”

Como já vai longo este meu escrito introdutório, deixo-vos, por hoje, com este «pequeno» poema de minha autoria:

APENAS…E SÓ!

A chuva não é assim tanta

E o vento não se alevanta

Para além da consciência.

O conforto está no gesto

Do direito e do dever

De usar a inteligência!

Em “Terra de Ninguém” – 2020, 2ª edição, Edç Esgotadas. Pg 102.

António Bondoso

Moimenta da Beira

4 Setembro de 2021.  






 

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