ALGUMAS FIGURAS DA MINHA VIDA (4)
Para
além de um número redondo e marcante, como já tenho dito, o NT é o resultado de
uma paixão profunda pelas circunstâncias da terra. Merece o meu aplauso e o meu
reconhecimento, independentemente do que possa vir a acontecer no futuro. E é
também nisso, disse-me, que tem pensado muito. Gostava, claro, que o jornal
continuasse, diz que há pessoas competentes para dar sequência, mas…assumir
essa responsabilidade exige paixão. Sem isso nada feito – acrescenta.
Não só por isto, mas também, CARLOS
DIAS é uma das «figuras da minha vida».
Desde que começou a trabalhar em S.
Tomé aos 18 anos de idade, foi quase sempre um homem de duas ocupações,
responde-me, primeiro na Administração Pública do território e depois na Rádio
– como Presidente da Comissão Administrativa do Rádio Clube que, em Dezembro de
1969 [20 anos após a sua fundação], passou a fazer parte da ex- EN, o primeiro
Emissor Regional do então “Ultramar”.
E eu aparecia por lá, pelo Rádio Clube,
nomeadamente uma vez por semana, quando era o tempo de gravar o programa “A Voz
da Mocidade”, no qual se destacava o espaço de teatro radiofónico – iniciativa
que obrigava a puxar pela imaginação. Num dado domingo do «verão» de 1967, fui
à Rádio mas por outros motivos. Tinha uma conversa aprazada como Manuel Sá que,
por essa altura, produzia e apresentava o “Música na Praia” aos domingos de
manhã. E enquanto aguardava um pequeno «intervalo» para falarmos…surgiu a
figura do Diretor Carlos Dias. Depois do cumprimento cordial e de revelar o que
ali me levava…veio a «dica», meio convite, meio proposta, para aparecer “um dia
destes”. E lá fui, não muito depois, para aceitar começar a trabalhar à
experiência.
Carlos Dias, passados mais de 50 anos sobre o episódio, ainda se lembra de me ver por ali, de ter falado com o Sá e, eventualmente, com o Nobre, e diz que «tinha um dedo para encontrar as pessoas certas», o que também funcionou comigo. Tinha «pinta», diz. Felizmente. Mas o mesmo aconteceria na Guiné uns anos depois, já na função de Intendente do Emissor Regional, quando foi convidado para lá ir passar uns meses. Foi e gostou, acrescenta, recordando a figura do Fernando de Sousa, que viria mais tarde a ser correspondente da SIC em Bruxelas, tal como da Rádio Macau – durante algum tempo em que eu ali chefiei a Informação.
E foi na Guiné, onde se cruzou com o governador Gen. Bettencourt Rodrigues e mais tarde com o Cor. Carlos Fabião, que Carlos Dias soube e viveu o 25 de Abril de 1974. A informação do golpe militar chegou-lhe ouvindo a BBC nas instalações do Emissor Regional, onde uma RGT – Reunião Geral de Trabalhadores – confirmou a sua continuação como Intendente do ER. Foi sempre bem tratado por todos, diz-me, e «não tive qualquer problema nem com as novas “autoridades” portuguesas nem com as personalidades do PAIGC que se foram instalando. A entrega do ER ao PAIGC foi pacífica [tal como havia sido já a sua tomada por parte dos militares afetos ao MFA] e continuei, até vir embora, a dirigir os serviços». Antes do seu regresso a S. Tomé, acrescenta Carlos Dias, propôs – mais uma vez confiando no seu «dedo» – alguns militares para ficarem a “coordenar” o Emissor, em ligação com o representante do PAIGC, entre os quais o Fernando de Sousa. Essa missão na Guiné em «tempos complexos», onde também manteve excelentes relações com a comunidade Santomense ali residente, valeu-lhe um louvor, mérito que ele atribui mais uma vez aos seus colaboradores.
Voltou a S. Tomé e reassumiu a «Intendência» do ER até à sua entrega ao MLSTP no dia da independência. Carlos Dias, natural de STP, não desejava sair de lá, mas acabou por haver uma conjugação de questões burocráticas, políticas e familiares que praticamente o obrigaram a ficar em Portugal, quando cá veio em serviço para «acordar com a EN o financiamento de uma parte do orçamento e, a pedido do novo Governo, mandar fazer na Imprensa Nacional os passaportes, os selos brancos e os carimbos para os serviços públicos de STP». Isso foi feito mas Carlos Dias ficou, depois de saber que não iria conseguir a “dupla cidadania” – condição que lhe permitiria permanecer no novo país sem perder o direito à «reforma» por parte do Estado português. “Julgo que não ficaram sequelas”, diz Carlos Dias, que acabaria por voltar a STP – a convite do governo do MLSTP (via embaixada) – para o funeral do seu amigo Nuno Xavier Dias: “essa sim, foi uma grande perda para S. Tomé e Príncipe”.
Esta
«figura da minha vida» hoje em destaque, como já ficou claro, teve sempre mais
do que uma ocupação na vida pública de STP. Aos 18 anos de idade, depois dos
estudos na «metrópole», foi trabalhar interinamente na Estatística. Por pouco
tempo, pois havia concorrido aos quadros da Administração Civil e foi nomeado
aspirante do «quadro administrativo», sendo colocado na Curadoria. Mas
pertenceu igualmente à Comissão da Caixa de Previdência e foi escriturário na
Junta Provincial de Emigração.
E voltando ao «dedo da sorte» para escolher os colaboradores, Carlos Dias recorda outras situações felizes, como por exemplo a «equipa» quando foi administrador do Concelho do Príncipe, na qual estiveram o José Almeida, o Pedro Umbelina, o Pina e o Nobre de Carvalho: - “Passados 3 anos e 3 meses terminei a comissão e, nessa altura, foi-me atribuído um prémio pelo bom desempenho. O prémio chamava-se «João de Santarém e Pêro Escobar». Pensei e constatei que o mérito não foi só meu, pois muitas pessoas ajudaram e apoiaram”.
E quando esteve na Curadoria [Curadoria
Geral dos Serviçais e Indígenas, mais tarde Repartição Provincial do Trabalho,
Previdência e Segurança Social], uma das suas funções era «encaminhar para as
roças inscritas os trabalhadores acabados de chegar de Cabo Verde». E entre os
600 ou 700 chegados naquele dia, recorda Carlos Dias, “vinha um jovem com uma
deficiência motora, coxeava muito, o que me levou a falar com ele para ver que
tipo de trabalho poderia fazer. O jovem era brilhante. Como poderia estar ali
entre aqueles tantos trabalhadores rurais? Já não foi para a Roça – embora fosse
obrigatório ser-lhe atribuída uma – e ficou a trabalhar no Sindicato. Era nem
mais nem menos o Onésimo da Silveira que, depois da independência de Cabo
Verde, foi autarca, deputado e diplomata, para além de escritor/Poeta”.
António
Bondoso
Dezembro
de 2021.
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