2023-02-21


UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…ou o «feitiço» da literatura que me traz “O meu país do sul”. Proponho desta vez recuperar a «conterrânea» Goretti de Pina e o seu livro de contos “BAIADO” – dez histórias sobre São Tomé e o Príncipe que, no olhar interessado da própria autora, refletem “vivências, costumes e algo mais que não sei bem definir, no país do meio do mundo”. 


Baiado – mais modernamente «Bayadu» – significa “enfeitiçado” ou que trata de matérias relacionadas com o feitiço ou com algo do sobrenatural. Lemos e percebemos o conto “Feijão n’água” – nome de um antigo e fatal feitiço na ilha do Príncipe – que funcionava sobre a pessoa a quem era destinado, conforme o ritmo da maré. São as amarras dos costumes locais, diz Abílio Bragança Neto no seu prefácio, mostrando as “agruras de ser e viver um quotidiano aprisionado a regras sociais que asfixiam, desesperam e despersonalizam”. É que, consultar um curandeiro, é uma prática muito antiga: «Záua di piá sá kuá ku nón bili uê contlá». E na luta contra esta situação estranha…estão as mulheres. São elas o principal rosto que a autora Goretti Pina desenha nas páginas do seu livro, falando da coragem para tentar esvaziar séculos de mitos e de crendices, e revelando coragem para atribuir essa tarefa à «Mulher», às mulheres de coragem de STP. 



         Numa linguagem direta e sem sofismas – na qual tudo se percebe, apesar de algumas gralhas e falhas editoriais na revisão do texto – a autora coloca-nos facilmente dentro das histórias, escrevendo no melhor da «língua portuguesa», pese embora em três ou quatro situações não poder «fugir» ao encantatório português falado nas ilhas. Lembro-me deliciado do “Mata Sete” quando se lê: “Prima, não fala assim, não hem. Não toma pecado com praga de mundo pôr no corpo de prima. Coitada dela! Isso de certeza que é qualquer coisa que fizeram pra ela. Qualquer plassela, ou qualquer homem que ela não deu confiança é que fez ela esse trabalho, prima pode apostar!”.

         E em cada história deste “Baiado”, Goretti Pina aproveita para dela tirar a sua «moral». Como por exemplo em «Os Compadres e o Sol», lá está o testemunho dos astros a dizer que o crime não compensa. 



         Por outro lado, o livro tem o condão de me trazer locais de memória, tanto em S. Tomé como no Príncipe. Desde a Baía de Ana Chaves e da Ponte Cais à Avenida Marginal, desde o Jardim das palmeiras em leque à Casa Sacadura Cabral, desde Simalô (Chimalô) à roça de Belo Monte – de Maria Correia – com a sua imponente Praia do Precipício, hoje famosa como Praia Banana.

         Para além de acompanharem esta preciosidade literária de Goretti Pina, conselho que renovo, o que mais vos posso desejar é que “Dêçu ká dá bô vida ku saôdje ku tudo kuá ku buado ni vida bô”.

         Baiado tem edição da Colibri (2022) e oferece uma capa maravilhosa baseada num quadro com o traço inconfundível do artista Manuel Xavier representando uma dança tradicional africana – a puíta.



António Bondoso

Fevereiro de 2023. 


2 comentários:

Anónimo disse...

Muito lhe agradeço, caro António Bondoso, especialmente pelo reparo em relação às gralhas. Preciso de olhares atentos e generosos como o seu para ir limando arestas com o propósito de melhorar a cada livro. Bem haja!

António Bondoso disse...


Creio que a revisão do texto deve pertencer à Editora. Não pretendi, em qualquer momento, diminuir a qualidade da sua escrita. Muito boa. Mas quem faz a revisão do texto deve estar atento a esses pequenos detalhes. Já me aconteceu, claro. Como a muitos outros.