FIZ
E TORNARIA A FAZER…ou de como uma frase convictamente plena de princípios,
levou uma de muitas jovens portuguesas e estrangeiras às prisões do Estado
Novo.
O nome de Belarmina Augusta de Oliveira
Lopes é um dos 1755 inscritos no livro “ELAS estiveram nas prisões do
fascismo”, editado pela URAP (União de Resistentes Antifascistas Portugueses)
em 2021 e dedicado a “todas as mulheres portuguesas que, em tempos de medo,
silêncio e opressão, contribuíram com palavras e actos de resistência para construir
o nosso caminho solidário para a liberdade e a democracia”.
Belarmina
Lopes, falecida há meia dúzia de anos, carregou – na sua vida centenária – o
sofrimento da prisão em 1936 e 37, na Cadeia da Relação do Porto, provavelmente
na habitável memória da cela que foi de Camilo Castelo Branco. Natural de
Vimioso, a jovem Belarmina estudou e cursou o Magistério Primário na Escola
Normal do Porto, onde foi vigiada e detida pela PVDE. O seu «Exame de Estado»
foi mesmo efetuado sob vigilância policial. Na prisão, sofreu nomeadamente a
tortura do sono e o isolamento sofredor da «solitária».
Por que razão foi presa? Pela pronúncia da simples frase inicial deste texto perante um juiz, na sequência da sua atividade na organização de solidariedade que dava pelo nome de «Socorro Vermelho Internacional». E daí? – perguntará quem não conhece. Se pensarmos a época, só a palavra «vermelho» já seria motivo de controvérsia. O caso é que a “SVI” foi criada pela Internacional Comunista em 1922, ano da fundação da União Soviética, com o propósito de ajudar na criação de organizações que prestassem auxílio material e moral a todos os «prisioneiros do capitalismo». A "Socorro Vermelho Internacional", também conhecida pelo seu acrónimo russo MOPR, foi extinta em 1941, depois da sua importância internacional ter diminuído – embora a «filial» soviética só tenha terminado em 1947.
Muitas
das mulheres presas neste período, tanto em Portugal como em Espanha –
sobretudo – mas também em outros países como Marrocos, Polónia, México e Reino
Unido, terão igualmente pertencido à SVI, mas outras militaram por exemplo na
“Associação Feminina Portuguesa para a Paz”, nascida em 1935, ou no “Conselho
Nacional das Mulheres Portuguesas” – CNMP. Domésticas, operárias e estudantes
constituíam a maior parte das detidas, embora houvesse também professoras,
artistas de cinema e de teatro da Áustria, Hungria, Vimioso e da Alemanha, bailarinas
da Itália e da Áustria, enfermeiras de S. Tomé e Príncipe e de Cabo Verde, uma
intérprete da Holanda, uma engenheira da Rodésia, e uma redatora de Angola.
No seu conjunto, as mulheres espanholas foram das que mais tempo passaram nas prisões, nomeadamente uma na cadeia de Moura, nos anos de 1937, 43, 44 e 46; e uma outra em estabelecimento desconhecido, nos anos de 1948, 50, 51 e 53. No entanto, a campeã foi a portuguesa Engª Virgínia Moura, presa no Porto nos anos de 1948, 49, 50, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 1962. Embora alguns dados da «lista» das mulheres presas não sejam muito precisos, neste livro da URAP, podemos destacar outros casos: - Maria da Conceição Alves, em Monção, nos anos de 1946, 1963, 64 e 66 várias vezes; Maria dos Santos Machado, de Oeiras e professora em Lisboa, nos anos de 1936, 1945/47, 1953/54 e 1956; Teresa de Jesus Paz, comerciante de Arcos de Valdevez e presa em Monção, nos anos de 1957, 58, 59,1960, 62 e 63.
Talvez
por alguma ironia, digo eu, há o caso de Leonor de Oliveira Coelho, pirotécnica
de Santa Comba Dão, detida em Lisboa em 1937 e quero ainda destacar alguns
casos de «proximidade» com o meu percurso: - em 1933 foi presa em Lisboa a
peixeira Maria Augusta, nascida em 1898 em Moimenta da Beira e, também de
Moimenta da Beira, a doméstica Elisa Dinis foi presa em Monção nos anos de 1951
e de 1959. De Torre de Moncorvo, a «manicure» Maria Beatriz Duarte foi detida
em local «desconhecido» em 1936; e também da mesma Vila e concelho, a doméstica
Maria do Rosário Flores ali foi detida no ano de 1945.
Das ex-colónias, todas «representadas» no processo, toca-me particularmente S. Tomé e Príncipe com 11 casos referenciados: a professora Alda Neves da Graça do Espírito Santo esteve presa em Lisboa entre Dezembro de 1965 e Fevereiro de 1966; Andresa da Graça do Espírito Santo, doméstica, detida na mesma data, tal como Ema de Oliveira Baptista [Batista] de Sousa. Já a estudante Joana da Costa Sousa Aragão havia sido presa em Coimbra, em 1961. No mesmo ano e na mesma cidade de Coimbra foi detida a também estudante Margarida Pinto Tavares Neves. Voltando ao período de 1965/66, igualmente em Lisboa, foram presas as domésticas Maria da Piedade Marques de Alva e Maria do Espírito Santo da Graça e ainda a estudante Maria de Lourdes [Lurdes] Meneses de Alva Bragança Gomes Torres. Nesse mesmo período negro para STP, foram detidas em Lisboa a enfermeira Odete Quaresma Soares de Barros e a doméstica Otília Sobral Sequeira Bragança. Já em 1962, foi presa em Valença a que viria a ser a influente escritora Maria Manuela da Conceição Carvalho Margarido, no livro referida ainda como doméstica.
Regressando
ao «caso» de abertura deste meu texto, à professora Belarmina Augusta de
Oliveira Lopes, que se formou na Escola Normal do Porto, quero ainda destacar
que ela começou por lecionar em Argozelo, concelho de Vimioso e depois em
Miragaia, concelho da Lourinhã. As suas posições na luta pela condição feminina
e que, recordo, a levaram à prisão, foram motivo de «afastamento» de alguns
familiares. Talvez por isso tenha decidido rumar a Lisboa onde, já casada,
Belarmina Lopes cursou Ciências Pedagógicas e foi mãe de duas crianças. Ambas,
a Maria José e a Maria do Rosário Praça viriam também a seguir a profissão de
professoras. E um caminho de liberdade, como diria Aquilino Ribeiro: “Adiante e
consideremos que para chegar a bom termo da viagem é preciso ser livres”!
António
Bondoso
Março
de 2023.
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