2023-04-18

DÊXA PUÍTA SÓCÓ(M)PÉ. MÚSICA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE DO COLONIALISMO À INDEPENDÊNCIA”…ou de como uma investigação e as suas coincidências se podem transformar numa relação de proximidade, de amor e de paixão. Pelo país e pelas pessoas. 


Esta é uma história protagonizada por Magdalena Bialoborska Chambel, natural da Polónia onde estudou piano e flauta e depois se licenciou em Etnologia e Antropologia Cultural na Universidade de Varsóvia em 2001. Doze anos mais tarde o mestrado em Estudos Africanos e, em plena pandemia da Covid-19, o consequente doutoramento. De uma parceria com o fotógrafo e animador cultural são-tomense José Chambel, a relação aprofundou-se…e hoje, para se poderem organizar melhor, criaram “uma sociedade de direito santomense, que chamamos Manga-Manga. Decidimos, também, fazer os possíveis para passar uma parte do ano em São Tomé e Príncipe. No ano passado construímos a nossa casa no sul da ilha de São Tomé. Queremos que este espaço seja – ao mesmo tempo – uma base para a realização de projetos artísticos, de investigação, de criação. Um espaço aberto a todos que precisam de se dedicar ao trabalho, sem demasiadas distrações”.

         De todo o seu percurso de investigação, entre Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Maurícia e S. Tomé e Príncipe, resultou agora um livro que vai ser apresentado amanhã às 18h00 na FLUL - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Anfiteatro II. Aqui deixo as palavras de uma «conversa» breve com a autora: 



A.B. = Este trabalho creio ser o «resultado» de uma morosa e detalhada investigação académica.

M.B. = O livro resulta da minha tese de doutoramento escrita sob a orientação do doutor Augusto Nascimento (Centro de História da Universidade de Lisboa e Centro de Estudos Internacionais do Iscte) e do doutor Josep Martí (Institució Milà i Fontanals, CSIC). Foi um trabalho muito moroso e bastante detalhado, que decorreu em Portugal e em São Tomé e Príncipe entre 2013 e 2019.

--- África aparece na sua vida…só depois de estar em Portugal ou já antes?

Comecei a trabalhar sobre África durante a licenciatura em Etnologia e Antropologia Cultural na Universidade de Varsóvia, a escrever vários textos em diversas áreas de estudo.

    Fascínio? Ou descoberta de outros valores?

    E porquê um País tão pequeno…praticamente perdido no Golfo, no Equador? Tinha gente conhecida, de lá?

A dedicação do meu trabalho de doutoramento a São Tomé e Príncipe teve que ver com uma série de coincidências, que – mais tarde – continuaram a surgir e fizeram com que esta ligação se tivesse enraizado de forma definitiva. Em 2013, enquanto trabalhei no projeto de investigação “Organizações na economia informal nos PALOP”, coordenado pelo doutor Carlos Lopes, fui convidada a realizar um trabalho de terreno em São Tomé e Príncipe. Era prevista uma estadia de sete a dez dias. No entanto, como conhecia algumas pessoas aí, que me disponibilizaram sítio para ficar e apoiaram nas deslocações, fiquei um mês na ilha de São Tomé. Além da pesquisa no âmbito do projeto sobre as organizações na economia informal – durante a qual entrevistei e passei bastante tempo com motoqueiros, taxistas, artesões e cambistas –, comecei a entrevistar alguns músicos, artistas plásticos e pessoas ligadas à difusão das manifestações culturais. Apercebi-me que havia várias questões interessantes para trabalhar, pouco descritas na altura. Foi a fase em que estava a aguardar a defesa da tese de mestrado e a preparar o meu projeto de doutoramento. Durante uma conversa com a professora Inocência Mata, que estava nas ilhas na mesma altura, partilhei os meus dilemas e a vontade de incluir o trabalho de pesquisa sobre São Tomé e Príncipe, no meu projeto doutoramento, dedicado a Cabo Verde, na sequência da tese de mestrado. Até agora lembro-me as palavras da professora: “Deixa Cabo Verde por uns anos. Dedica-te só a São Tomé e Príncipe durante o teu doutoramento”. Não pensei duas vezes. Após o regresso a Portugal, escolhi um dos três temas que me interessavam e comecei o trabalho sobre a música em São Tomé e Príncipe.



--- Em qualquer caso, a investigação avançou.

A investigação avançou. Foram vários anos dedicados a construção de um corpus de estudo. Não existia nenhum trabalho mais detalhado dedicado à música existente no arquipélago, nenhum arquivo completo e organizado de registos áudio. Seguiu-se um longo período de pesquisa, de recolha do material para a análise, depois a fase da própria análise do material e, por fim, a escrita, a revisão e a preparação do trabalho para apresentação pública. Não era um processo tão linear, já que sempre continuei a pesquisa e, muitas vezes, voltava às partes já escritas e reescrevia-as, acrescentando algumas informações. Tenho a consciência que muito ficou para recolher e escrever. E nunca mais parei – assim que terminei a tese, avancei com outros textos e projetos de investigação e difusão deste conhecimento.

--- Foi bem avaliada? Mereceu reconhecimento por parte de quem avaliou?

Sim. Apresentei a minha tese em janeiro de 2021 em provas públicas no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Foi uma defesa muito agradável, com comentários relevantes, que me permitiram aperfeiçoar vários detalhes durante o processo de transformação da tese em livro. A tese foi aprovada com distinção por unanimidade.

    Não foi um trabalho fácil. Quais foram os aspetos mais críticos?

O mais difícil foi a impossibilidade, durante certos períodos, de me dedicar somente à investigação. Todas as dificuldades de pesquisa são ultrapassáveis, mas é necessário tempo para se dedicar plenamente a este estudo. Como sabe, a maioria dos investigadores não tem contratos fixos e indeterminados. Vivemos de concurso a concurso. Muitas vezes, quando não conseguimos fundos para a realização da nossa pesquisa, trabalhamos noutros projetos. E o nosso trabalho de investigação tem de ser adiado ou então realizado em paralelo. Foi assim durante uma parte desta pesquisa.

--- Ou tudo foi um deslumbramento? Um trabalho apaixonante?

--- No cartaz promocional da apresentação do livro…o título reflete, creio, a realidade de uma dupla insularidade, uma vez que destaca uma representação do Príncipe, outra de S. Tomé e uma terceira que é introduzida nas Ilhas devido às migrações do chamado “trabalho forçado” para as Roças – o caso da Puíta.

         Contudo, o destaque do título não quer dizer que tenha esquecido outras manifestações musicais das Ilhas?

A primeira parte do título “Dêxa puíta sócó(m)pé”, criado pelo Ângelo Torres, além de enumerar alguns géneros musicais interpretados em São Tomé e Príncipe, é um jogo de palavras. Atualmente, a puíta é frequentemente divulgada como uma das manifestações mais importantes de São Tomé e Príncipe, um género musical-bandeira do arquipélago. Contudo, como indicam várias pessoas em São Tomé e Príncipe e os santomenses nas ilhas, não é necessariamente assim. Há outros géneros musicais importantes e não existe um consenso em relação daquele que deveria ser indicado como o mais representativo das ilhas. Portanto, além da puíta, há muito mais, não se pode esquecer disso. 

   


--- Vai frequentemente a STP?

Sim, vou lá com regularidade.

--- Qual a ideia que faz do País? Vale a pena continuar a dedicar-se?

Trabalho, principalmente, sobre a história e a cultura. A música sempre terá um lugar de destaque nas minhas investigações. Há imenso para fazer e continuarei a pesquisa em São Tomé e Príncipe nos próximos anos. Tenho vários trabalhos em curso e espero conseguir realizá-los.

--- Há um próximo trabalho?

Tenho vários trabalhos em curso, uma parte dos quais em parceria com o fotógrafo José Chambel. A parceria começou há alguns anos e até agora conseguimos realizar várias atividades. Outras iniciativas estão a decorrer. Em 2020, para nos podermos organizar melhor, criámos uma sociedade de direito santomense, que chamamos Manga-Manga. Decidimos, também, fazer os possíveis para passar uma parte do ano em São Tomé e Príncipe. No ano passado construímos a nossa casa no sul da ilha de São Tomé. Queremos que este espaço seja – ao mesmo tempo – uma base para a realização de projetos artísticos, de investigação, de criação. Um espaço aberto a todos que precisam de se dedicar ao trabalho, sem demasiadas distrações.

Quanto aos projetos, destacaria o trabalho dedicado ao danço congo (https://dancocongo.com/), a criação de um Mapa Cultural de São Tomé e Príncipe (um projeto de longa duração, que se encontra numa fase inicial, e que será desenvolvido nos próximos anos, em parceria com várias pessoas que já foram e que serão convidadas a se juntarem à nós https://culturastp.com/) e o projeto Polo Anguené, dedicado às pessoas da, agora, “a nossa zona”, que nos acolheram com imenso carinho. Quando começámos a realização do Polo Anguené, nem imaginávamos que, relativamente pouco tempo depois, iriamos construir a nossa casa lá, em Angolares.

No ano passado, comecei um trabalho de investigação na ilha Maurícia, o que se revelou muito enriquecedor para a pesquisa em e sobre São Tomé e Príncipe. Ao meu foco no Mundo Atlântico, acrescentei os conhecimentos das dinâmicas do Índico, o que me permitiu colocar outras questões e reparar em pormenores que anteriormente não chamaram a minha atenção. A comparação dos universos musicais – atual e das décadas passadas – destas duas ilhas é um dos trabalhos que atualmente estou a realizar.

E quanto ao próximo livro, comecei a desenhar a ideia no dia em que recebi a cópia impressa do “Dêxa puíta sócó(m)pé”. Com um exemplar na mão, muito emocionada, senti que uma etapa chegou ao fim, um ciclo se fechou e com a energia renovada, comecei o trabalho no livro seguinte. Não posso, ainda, desvendar o tema. Mas posso dizer que será, mais uma vez, dedicado à música em São Tomé e Príncipe.

Muito obrigada.

A.B. = Grato eu pela disponibilidade.

“DÊXA PUÍTA SÓCÓ(M)PÉ. MÚSICA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE DO COLONIALISMO À INDEPENDÊNCIA” – livro de

 Magdalena Anna Bialoborska Chambel, luso-polaca e agora igualmente são-tomense, com apresentação marcada para amanhã, às 18h00, no anfiteatro II da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Apresentação a cargo de José Manuel Sobral (ICS-ULisboa) e Angelo Torres (ator e realizador). Moderação de Ana Lúcia Sá (Iscte-IUL).

A sessão contará com a presença do Senhor Embaixador de São Tomé e Príncipe em Portugal, António Quintas.


António Bondoso.

18 de Abril de 2023. 






 

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