2023-07-05

HAVERÁ SEMPRE UMA MORNA PARA SAUDAR CABO VERDE.

         Carlos Veiga, que eu acompanhei na livre campanha eleitoral de 1991 à frente do MpD, foi o intérprete de uma das «mornas» mais decisivas para o novo «rosto» do país após 15 anos de partido único. 


1991 - Eu no meio de outros camaradas da Rádio Nacional de CV

         Em termos pessoais e a longo prazo, certamente não terá atingido todos os objetivos que norteiam a ambição de um homem político. Mas a sua ação à frente do MpD, que o conduziu ao cargo de 1º Ministro em dois mandatos, constituiu seguramente um ponto de rutura com o passado elevando as Ilhas Atlânticas a um novo patamar de afirmação no contexto africano. 



Carlos Veiga - foto da Web

Disse-me Carlos Veiga, em Fevereiro de 2021, que no tempo da “mudança” ajudou a erguer o MPD (Movimento Para a Democracia) e a levar o “jovem” Estado africano a «um momento sublime e de grande exaltação». Por isso, a «mudança» não foi apenas um momento histórico.


1º Governo da IIª República de CV

            Ela foi, de facto, um momento decisivo, como destacou nessa conversa que tivemos em Fevereiro. “A pressão externa foi importante e o regime de partido único percebeu-o. Cabo Verde era dos países que mais APD recebia dos “doadores” e sabia que tinha de “abrir”. Mas a Mudança que ocorreu ultrapassou de longe a “abertura” prevista pelo regime. A sociedade cabo-verdiana mostrava então abertamente o seu descontentamento com o status-quo  e, através de um grupo crescente de jovens quadros e activistas,  mostrou que queria mesmo uma mudança de regime e não a tímida abertura “oferecida”. Queria uma democracia verdadeira e mostrou-o  através de propostas claras e consistentes, contrárias às do regime, manifestando-se pacificamente nas ruas, com crescente apoio popular, ao mesmo tempo que se disponibilizava para discutir as suas propostas com o Poder, pacificamente”. (…)  O momento era aquele! O apoio popular era crescente. A palavra de ordem “medo dja caba” (o medo acabou) espalhou-se amplamente  e com entusiamo em todas as ilhas, mesmo naquelas em que a repressão foi mais intensa”.

              Esse «momento», disse-me Carlos Veiga, foi mesmo fundamental para o desenvolvimento de Cabo verde: “Não há desenvolvimento sem democracia. Em Cabo Verde isso é, hoje, uma evidência. O desenvolvimento humano trazido pela democracia não tem comparação com a situação vivida sob o partido único. Foi também a democracia que trouxe efectivo crescimento económico. Em 1991 o crescimento era zero; em 2001 atingiu cerca de 8% em média quinquenal”.

              Apesar de tudo isso, não faltaram recentemente tentativas de assassinato do seu caráter. 


              E hoje, no seu livro «PODER E OPOSIÇÃO EM CABO VERDE – Discursos, Mensagens e Intervenções, 1990-2015», Carlos Veiga pormenoriza essa década final do século XX, querendo deixar às novas gerações – sobretudo aos académicos – documentos fundamentais para o estudo da História recente do país, procurando ultrapassar o que considera um lapso infeliz o esquecimento a que a sociedade cabo-verdiana tem votado esse período.  

Expresso das Ilhas nº 1124 de 14 de Junho de 2023.

No livro, de certa forma escalpelizado, numa entrevista a António Monteiro, do Expresso das Ilhas na sua edição impressa de 14 de Junho, o antigo Primeiro-Ministro de CV salienta que “a matriz daquilo que hoje nós somos como instituição, como sociedade, de alguma forma se deve um pouco à década de 1990 e a tudo aquilo que foi feito nessa década”. E acrescenta que, antes da «Liberdade» conquistada, os grandes marcos da sua ação governativa foram a reforma da Constituição e a criação de um «Poder Local» forte, próximo dos munícipes, com capacidade para resolver os seus problemas.

         Depois, na parte final desta entrevista ao Expresso das Ilhas, Carlos Veiga destaca a mudança do regime: “(…) em que as pessoas eram oprimidas e perseguidas por se exprimirem, por se manifestarem, em que a imprensa era condicionada, ou era única como tudo o mais, as próprias manifestações culturais eram únicas; as pessoas não tinham liberdade nem do ponto de vista cultural, nem do ponto de vista corporal, pois precisavam da autorização da Segurança para poderem viajar; a criação de um ambiente de liberdade e democracia; a independência da justiça e das próprias actuações das forças policiais ou das forças armadas; os símbolos nacionais que passaram a ser símbolos representativos de Cabo Verde e mais adequados àquilo que são os cabo-verdianos e a nação cabo-verdiana”.

         Por último, o que chama de «desestatização» da economia: “(…) O Estado era tudo na economia e com tendência ainda para ser mais que tudo, e nós apostamos no sector privado, apostamos na desregulamentação de algumas matérias que eram regulamentadas, que serviam mais como uma forma de beneficiar amigos do que os próprios cidadãos. Nós passamos a poder comer maçã, nós passamos a poder comprar livremente os nossos produtos, etc. Reforçamos os direitos sociais nas primeiras revisões da Constituição. Existe um livro do Mário Silva sobre os direitos sociais em Cabo Verde que demostra isso muito bem. Claro que o mundo mudou e a governação não se faz como nos anos 90, mas os princípios fundamentais permanecem, as estratégias fundamentais de levar tudo isso às pessoas continuam a ser válidas”.

Carlos Veiga - retirada da Capa do Expresso das Ilhas

         Parabéns Carlos Veiga, a «morna» com que desafiou os primeiros dez anos da IIª República embalou o País; Parabéns a Cabo Verde pela interessante caminhada numa África «periférica».

António Bondoso

5 de Julho de 2023. 




 



 













 

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