Um livro, tenha o título que tiver, seja qual for a temática abordada, é sempre História. Quase sempre mais do que uma.
Histórias de afectos e de emoções - também de ódios e tragédias. Ligadas muitas vezes por palavras de esperança, um fio "condutor" à imagem e ao sabor de quem escreve.
Em qualquer caso, será sempre um marco significativo. Também para quem o lê !
No fundo, não deixa de ser um testamento que, no momento da sua leitura, responsabiliza as "testemunhas" pela divulgação e cumprimento da mensagem e das vontades.
Dedico a todos os Sãotomenses, por nascimento, opção e coração, que privaram ou simplesmente comigo conviveram e que ainda hoje, pela feliz circunstância da amizade, me fazem o favor de manter contactos mais ou menos regulares; a todos aqueles que, por uma feliz circunstância de paixão ou de estudo, conheceram e percebem o que representam as Ilhas do Meio do Mundo.
“ …QUEM CRESCEU NUMA ILHA, AMOU E AMA
MAIS PROFUNDAMENTE !”
António Bondoso, 2008.
S.TOMÉ NÃO É SÓ UM ROMANCE !
S.Tomé não é apenas “um” romance.
Para mim, S.Tomé não é apenas “mais um” romance.
Em S.Tomé e Príncipe ocorreram muitos romances, em circunstâncias diversas, ao longo de séculos, gerações passadas – gerações contemporâneas.
As próprias Ilhas são romances – cada uma à sua maneira – envolvendo pessoas com a mesma cor da pele ou com a tez diferente, gente de terras distantes, gente de muitas almas, que os corações batem a um ritmo semelhante, ora mais pausado, ora mais acelerado.
Mas a vida nas Ilhas, genericamente, não pode considerar-se apenas e só um romance!
Pelo menos um típico romance de amor, apenas um romance de amores felizes.
E sabe-se bem que alguns amores foram expurgados de romance.
É deles que falo, sobretudo desses romances e amores difíceis – trágicos alguns, selvagens outros, falhos de um gesto de carinho quantas vezes.
Desses houve sempre. E foram marcantes! Os mitos, as lendas e os nomes : Ana de Chaves e Maria Correia são exemplos.
Depois, há um lugar especial para os romances exóticos, de paixões arrebatadoras e que terminam mal começam – contraponto daqueles que, desabrochando sem paixão, perduram uma vida com amizade e amor.
Finalmente, aqueles que estão acima da simples existência humana.
Como o de D. Simoa, misericordiosa e afortunada “filha da terra” e as suas Ilhas distantes. Também o delas – estranhas montanhas de afogamento protegidas – e o deste humilde “eu”…mais o mar imenso e uma relação eterna!
Que alongo neste espaço de palavra às ilustrações de Manuela Pontes, que partilhou comigo – por amizade e família – a luz do Sol do meio do mundo, durante muitos anos reflectida no seu natural cabelo louro! E um abraço carinhoso às palavras sentidas da camarada e “compatriota” São Lima, escritas – felizmente não esfumadas – sob o signo do “smog” Londrino.
AUSÊNCIA
Para além do infinito, qual o odor do romance?
Para além de nós, o que significa o amor?
E a paixão que nos consome
Na distância dessas Ilhas de seios fartos e firmes?
Não é mistério é um livro
Sem páginas a preto e branco!
UMA CARTA DA SÃO LIMA
– POETA MAIOR SÃOTOMENSE, JORNALISTA APAIXONADA, TECIDA DE SONHO EM SONHO.
Caríssimo António:
Perdido junto à praia, o olhar ausente, um menino respira a matéria do seio.
À frente dos seus olhos, tudo é transparente e profundo e leve como o sono.
Seu é o alimento dos plenos sentidos.
A respiração transmigra agora da retina do poema, veleja por
estradas à sombra do coração.
Fraterno abraço da
São Lima
Londres, Dezembro de 2008.
A MEIO DA VIAGEM
Odisseia
Aventura
Ousadia
Uma viagem de sonhos pelas Ilhas da minha infância:
A ingénua e verde paisagem juvenil
Os quentes tons do homem em formação
Um romance em construção
Tal como a terra que pisei
E os seios que beijei.
“Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma”.
José Saramago, 1997
COMO SE ALIMENTA O “ROMANCE…”
De repente senti frio. Tinha partido da Ilha (há muito conhecida e referenciada nas cartas), deixando longe o calor dos afectos de uma forte ligação de vinte anos, o calor das paixões da adolescência, o calor das amizades juvenis – sólidas e solidárias, o calor dos romances entrelaçados entre as utopias perfeitas e a realidade fugidia, o calor das aventuras alimentadas pela criatividade avançada e apressada, o calor de uma relação prometida e renovada, o calor de uma dimensão de sonhos possíveis e próximos.
O frio congelou parte dos sonhos mas não destruiu a ambição de os projectar para um novo caminho longe.
Fi-lo aqui – na pátria da Língua, dei-lhe continuidade a Oriente da História, convivi com a saudade em cada expressão dos trópicos. Ao contrário da Ilha de Saramago, fui eu a fazer-me ao mar à procura de mim mesmo!
O AROMA
O aroma sobe em zigue-zague
Os sentidos aguardam em silêncio.
Inspira-se um gesto
Os lábios acariciam ao de leve
A porcelana fina de café.
Sorve-se com divina lentidão
Como a seiva libertada de tantos seios da Ilha.
Sem dúvida...é SãoTomé.
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Em ti me projecto
Para decifrar do sonho
O começo e a consequência
Conceição Lima, 2004
SEIOS ILHÉUS
Olhar ausente
Perdido junto à praia
Vago pensamento flutua
E respira o azul sereno
Do presente.
Da areia fina e seca em Micoló
Contemplo as montanhas do Ilhéu
Guarda avançada de um tesouro cobiçado.
Seios perfeitos rompendo as águas
Do mar, no Golfo que chamaram
Da Guiné mais das estrelas que tomaram
Os nomes de Príncipe, Anobom, Fernando Pó.
No Ilhéu permanece ainda a luz
Do Farol que avisa os navegantes
Ilumina os novos pescadores
De sonhos que não são o que eram dantes.
Das cabras e verdura muito rala
Não reza a história grande feito
Mas os mamilos dos seios do Ilhéu
Alimentam a memória dos escravos
Que passaram ...
...Mas não tombaram !
VULCÃO
O sangue do vulcão encandescente
Cuspido acima do mar
Espalhou-se pelo Golfo e modelou
Ilhas densas de mistério e de beleza.
Pelo corpo virgem dos cumes
Frementes de calor e de sabores
Floriram pétalas douradas
Rubis das entranhas submersas
E seios de esmeraldas à espera.
“…descubro que a minha memória de S. Tomé e Príncipe está ligada aos lugares. Lugares que se metaforizam no Atlântico, esse Mar, elemento feminino, que gera do Sol o calor humano que me recebe entre lembranças de miudezas e insignificâncias significativas e verberações de amizades, afectividades e, por vezes, apenas olhares de cumplicidade e de agradecimento. Olhares que denunciam sentimentos de partilha”.
Inocência Mata, 2004
O RIBOQUE OU OS LUGARES DE UMA VIDA
Na encosta traseira do meu bairro
Habita toda a mata do Riboque.
Palmeiras eritrinas e mangueiras
Refrescam a sombra do meio dia
Quando a jovem sanguê passa a sorrir
Anunciando à cabeça o seu peixe voador
Já temperado pelo sal e o calor.
Segue caminhos marcados
De cor já muito pisados
Encobrem grandes mistérios
Não tapam desejos sérios.
Revejo aventuras fantasmas
Sonhos leves a pousar nas verdes folhas
De dia a querer estar libertos
À noite passeando bem despertos.
Nas traseiras do meu bairro
Entre a casa e o Riboque
Vive a lembrança de jovem
Criança amadurecida
Fumando o cigarro negro
No tanque da roupa
Escondida.
Um pecado original sem desvio
Abafado no trinar ao desafio
De tantas aves que ouço
Tempo perdido tão longe
Ossobós ou periquitos
Talvez guembús … ou pardalitos
Na mata sombreada do Riboque
A viver na encosta traseira do meu bairro !
Bem lá dentro
Nesse obó de livre espírito
Amparada na jaqueira centenária
A venda do senhor Cravid :
Laranjada Flêbê e a branca espuma da ússua
Cigarros negritas de consumo colonial
Vendidos a um preço tão banal.
Por lá passa muala glavi…
Apregoando que seu peixe ainda fresco
Traz cristais de um mar cheio de sal.
A correr por ali todos os dias
tropeço na esperança repetida
De me ver a fintar o tempo todo
No campo seco tijolo de barro
Sobranceiro à Igreja do meu bairro.
Conceição do Padre Rocha
Das membras irmãs de Maria
Vestindo de azul celeste para louvar o Senhor
Cantam bem quase de cor
Manhã de cada Domingo
Até chegar o Natal.
As vozes pousam nas árvores
Dizem preces seculares
Hoje e ontem como sempre
Lembranças bem populares
Nascidas e sepultadas na terra do meu quintal.
Na encosta traseira desse bairro
Habita toda a mata do Riboque !
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