AMARGURA…
…ou
o regresso a 15 de Março de 1974.
AMARGURA…
…ou
o regresso a 15 de Março de 1974.
Reli
há dias o interessante e importante O Horóscopo
de Delfos[1],
do meu antigo camarada Eduardo Valente da Fonseca – um livro que relata a
habilidade de contornar a “censura” alguns meses antes do 25 de Abril de 1974.
E relendo o que ele “previa” então para o meu signo Capricórnio, duas coisas
retive e que hoje me levam a escrever este texto. A primeira diz isto:- “O teu
país tem os quilómetros quadrados que tu lhe deres e será tanto maior quanto
melhor for…”. À distância de mais de 40 anos, tem graça que o meu país já foi
maior – por ser melhor – e que, pouco a pouco, tem vindo a encolher – por estar
a ser pior!
A
outra charada do horóscopo que me atingiu, e bem, significa bem mais do que uma
simples frase. É o toque para o que se vai seguir:-“Qualquer coisa pode matar.
Mas o que não te deixa viver o dia-a-dia é que é a grande agonia”.
O
meu tom amargurado [pois ainda não é o tempo de agonia], que agora manifesto, muito
pouco ou quase nada tem a ver com eventuais danos colaterais próprios de uma
vida marcada pela intensidade das circunstâncias de uma cidade apaixonada. E
apaixonante. Não é o meu clube que me intriga, não são os golos desperdiçados,
não é a Câmara fechada, não é o azul e branco trémulo por uma vez. A mais azeda
amargura relaciona-se diretamente – e sobretudo – com o cinzento da vida, com o
retrocesso da esperança que nasceu há 40 anos. Porque foi bonito mudar, porque
foi legítimo mudar, porque foi importante transformar, porque foi fundamental
avançar! As pontes passaram a fazer sentido e daqui voltou a irradiar um forte
sinal de vontade, de querer, de sentir a liberdade, de conquista. E sim…também
o futebol foi nessa onda. Mas os lugares do poder ficaram inquietos. E como
sempre, bem cedo se dedicaram a estudar e a aplicar uma estratégia de regresso
a um centralismo atávico, que tudo arrasta, tudo arrasa e tudo mata. Mesmo com
a conivência de alguns lugares e de certos poderes locais, iluminados por uma
fosca claridade de jogos egoístas, ambições mesquinhas, interesses desmedidos e
concertados ou escorados em pessoas e organismos pouco recomendáveis. De um
tempo bonito de abertura e de felicidade, pouco a pouco o país foi sendo
coagido, chantageado, esmifrado dos valores da redenção de um Abril
esplendoroso. E quase tudo se foi! Aos poucos fomos morrendo, amputados já de
um frágil poder de decisão, mutilados nas convicções. E não foi o vento que
quase tudo levou. Foi a fraqueza e a maldade dos homens vestidos de políticos. Qualquer
que tenha sido a roupagem. Depois da esforçada façanha para colocar um ponto
final aos célebres “roubos de igreja”, voltou-se a um tempo em que a dignidade
se pendura por uma perna e em que o caráter se enrola numa folha branqueada de
princípios. Voltamos a estar quase como a 15 de Março de 1974. Praticamente
regressámos às cerimónias do tipo da “brigada do reumático”, o primeiro ministro
voltou a ser o presidente do governo, o inquilino de Belém (apesar de sorrir
para Bill Clinton) adormece nos bancos do jardim de um palácio que não
representa já a res pública, o
Terreiro do Paço agoniza de pasmo, há um túnel da Alexandre Herculano até ao
Jamor, os árbitros treinam inclinados e só se adaptam a certos campos, os
ministros enviam telegramas de felicitações aos reformados que vivem abaixo do
limiar da pobreza, a comunicação social está nas mãos e no pensamento de um
pequeno grupo de iluminados e endinheirados. Não deixam que a televisão se
veja, a não ser o que lhes possa parecer matematicamente favorável, não deixam
que a rádio se ouça e se espalhe, a não ser a horas mortas ou de audiência
moribunda.
GENTE
SEM PORTE
Temos um
país suspenso
Em
agonia de morte,
É já a
Lei que se rejeita
Por
certa gente sem porte.
E sofre
mais quem não suspeita
Que essa
gente percebe
E até
promove
Traição
infame, desonra e dor.
===Pag.19
em O PODER E O POEMA.2012. Ant.Bondoso e Edições Esgotadas.
Maio de 2014
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