Porque 9 de Maio é o Dia da Europa...e porque no dia 25 haverá eleições para o Parlamento Europeu, aqui vou deixar algumas reflexões de um "ensaio" que elaborei há uns meses, mas que não teve a competência de ser positivamente classificado. Publico, agora, alterando apenas o formato e em duas partes: Aqui fica a Primeira:
QUANDO
FORMOS CIDADÃOS DA EUROPA
BREVE
ENSAIO
A
REBOQUE DO VOTO PARA O PARLAMENTO EUROPEU
ANTÓNIO
BONDOSO
2014
Interior do Café Majestic, no Porto. Foto disponível na Web
A
IDEIA DE EUROPA
«A
Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de
Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac
Babel. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores
essenciais da ‘ideia de Europa’»
GEORGE STEINER, 2005
Se
esta ideia de Steiner fosse a única – e determinante – não haveria dúvidas de
que Portugal se encontraria na primeira linha da construção europeia. Temos, de
facto, uma cultura de “cafés”, quer seja numa grande cidade, quer seja na mais
recôndita aldeia do interior. Mas só isso não basta. Todo o processo foi e é
muito mais complexo e para o qual o povo não foi consultado. O que, em boa
verdade, agora já não importa. Decisivo, seria ter, apresentar, defender e
liderar uma visão estratégica de futuro. Que passa por uma cidadania percebida
e assumida…mas também ouvida!
RAZÃO
DE SER DO ENSAIO
“O que importa (…) é saber que propostas
têm os partidos para a reforma do projeto europeu, tornando-o mais solidário,
que ideias têm sobre o papel que Portugal deve desempenhar na construção
europeia e como é que entendem que a UE deve atuar para sair da crise em que
continuamos. O resto é "politiquinha". Se a Europa não estiver no
centro do debate, então estas eleições serão, à semelhança de outras
anteriores, uma oportunidade perdida.”
Editorial do DN, 2014[1]
Editorial do DN, 2014[1]
O
Parlamento Europeu [PE] é o único “pilar” com legitimidade democrática –
entendida na sua projeção direta e universal – no edifício tão complexo quanto
aliciante que é a União Europeia.
Apesar disso, é incontornável a
estranheza que nos assalta quando percebemos que o voto pouco “entusiasmado”
dos eleitores não corresponde à grandeza dos ideais que presidem à construção
europeia, desde os longínquos tempos da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço.
E no que respeita a Portugal, chega
mesmo a ser angustiante. Quer no que respeita ao total de não votantes no país
– abstenção superior à média da EU – quer no enquadramento que se atribui às
regiões do interior de Portugal e às Regiões Autónomas, quer ainda no que diz
respeito aos jovens entre os 18 e os 24 anos: 70,9% de abstenção!
Com este pequeno estudo/ensaio
pretende-se, assim, tentar perceber alguns porquês do que não motiva os
cidadãos a exercer o seu dever e direito de voto. Porquê o “divórcio”? Como
ultrapassar a separação? Em qualquer caso, há sempre “culpas” de ambas as
partes.
Selecionaram-se inicialmente para o
trabalho alguns concelhos do interior do país, nomeadamente Armamar, Bragança, Lamego,
Moimenta da Beira, Tabuaço e Tarouca – sendo que, em dois deles, existem
Centros “Europe Direct”: Bragança, integrado no Instituto Politécnico local e
Lamego, na dependência da Câmara Municipal, Centro que mereceu a nossa atenção
mais particular – por motivos de proximidade. Razões de diversa ordem,
concretamente a falta de resposta a solicitações nossas para colaboração,
obrigaram a reformular o projeto.
Mas, independentemente da “visão” de
interioridade, será sempre fundamental trazer aqui a “leitura” de dados e
opiniões com uma perspetiva mais global, começando por elaborar um retrato, tão
fiel quanto desejável, do que é o PE e qual a sua importância para o
funcionamento das instituições europeias. Particularmente agora, que se
pretende incentivar os cidadãos a aumentar a afluência às urnas no próximo ato
eleitoral do mês de Maio.
Daí, a generalização do “rosto” do
trabalho. Quer no título – Quando Formos Cidadãos da Europa [porque “na” é uma
evidência] – quer no subtítulo – Breve Ensaio a Reboque do Parlamento
Europeu.
Poder-se-ia, de outra forma,
desenhar uma “capa” mais redutora, como a que segue, registando até o
“desencontro” entre as palavras Europa e Portugal, com base no pressuposto
simbólico da existência de uma “fronteira interior”, permanecendo a questão de
saber se, de facto, a Europa já chegou…ou se os portugueses já chegaram à
Europa.
A
EUROPA JÁ CHEGOU?
UM
ENSAIO SOBRE A FRONTEIRA INTERIOR
BREVE HISTÓRIA DO PE
Jean Monnet, visto como o verdadeiro arquiteto do sonho
da unidade europeia, no período pós II Guerra Mundial, tinha essa ambição de
criar uma relação especial entre os cidadãos dos Estados-membros, não apenas
dos seis iniciais mas de todos os que desejassem aderir a esse projeto, que
viria a merecer mais tarde a designação de “revolucionário” no âmbito das
relações internacionais.
Perante
a conjuntura inicial, não houve alternativa à nomeação de 78 deputados dos
Parlamentos dos seis Estados fundadores da CECA, em 1952. Porém, seis anos
depois, com a entrada em vigor dos Tratados de Roma sobre a Comunidade
Económica Europeia (CEE) e sobre a Comissão Europeia de Energia Atómica (CEEA),
a Assembleia Parlamentar ficou conhecida pelo Parlamento dos Seis, com 142 deputados [entre 1958 e 1972] – tendo
reunido pela primeira vez em 19 de Março de 1958 – e mais tarde, já com 198
deputados [1973-1979], viria a ficar conhecida pelo Parlamento dos Nove.
O verdadeiro sonho de Jean Monnet só viria a ter
expressão em Julho de 1979, com a primeira eleição dos eurodeputados por
sufrágio direto e universal no âmbito dos Estados-membros.
Apesar
da legitimidade democrática, os poderes do PE foram sendo reivindicados e
conquistados pouco a pouco, pois os Tratados eram como que uma “força de
bloqueio” para as aspirações dos eurodeputados. Por exemplo o poder de
codecisão e o voto por maioria qualificada a par do Conselho.
Hoje,
as três funções principais do PE centram-se exatamente na partilha, com o
Conselho, da competência para aprovar legislação; no controlo democrático sobre
todas as instituições da UE – sobretudo sobre a Comissão Europeia (CE), podendo
mesmo adotar uma moção de censura e tendo poderes para aprovar ou rejeitar as
nomeações do Presidente e dos membros da Comissão; ainda na partilha com o
Conselho da autoridade sobre o orçamento da UE.
Mas
há novos poderes em perspetiva, nomeadamente o de cada família política poder
propor o seu candidato ao cargo de Presidente da Comissão, para além de passar
a ter igualmente uma maior influência na seleção dos Comissários.
Margarida
Marques[3],
representante da Direção Geral de Comunicação da Comissão Europeia em Portugal,
realçou há dias em Lamego que “Estas eleições são diferentes das anteriores
porque é a primeira vez que os deputados eleitos para o PE vão decidir o novo
líder da Comissão Europeia”.
Os novos poderes são um reforço efetivo da legitimidade
democrática do PE mas, por si só, poderão não ser suficientemente aliciantes
para motivar os eleitores. Por isso, Margarida Marques coloca em destaque a
importância do voto, ao dizer que, se for exercido, “os eleitores podem
indiretamente decidir sobre quem vai liderar a Comissão Europeia”.
Quanto aos candidatos à eleição…ela estará
sempre garantida pelo método de Hondt.
O que, aos olhos dos eleitores – sobretudo daqueles que decidirem não participar
– poderá significar, de certa forma, uma reduzida legitimidade democrática. Por
isso, acrescentou Margarida Marques, “é necessário criar uma ligação mais forte
entre os eurodeputados e os cidadãos”. Contudo, na maioria dos eleitores parece
ficar uma certa ideia – ainda que possa ser enganadora – de que os novos
candidatos não poderão efetuar uma campanha abrangente por falta de tempo,
enquanto os eurodeputados em fim de mandato já não estarão muito disponíveis ou
empenhados.
E, assim, parece que vai ganhando força a
ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean
Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.
Se analisarmos o mais recente estudo do European Social Survey – 6ª edição,
Março de 2013[4] – sobre
“Significados e Avaliações da Democracia” e que teve a participação do
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vemos que os
portugueses estão cada vez menos satisfeitos com a democracia: "Os dados sugerem que a valorização da
justiça social como elemento indissociável do conceito de democracia parece ser
especialmente intensa nos países com maiores desigualdades de rendimentos, dos
quais Portugal claramente faz parte". O funcionamento dos tribunais e a
incapacidade dos governos em assegurar a justiça social é um dos focos dos
inquiridos no nosso país, tal como a existência de um sentimento de “falta de
controlo popular do poder político”.
E um estudo de opinião realizado pela
Universidade Católica e pela empresa Ipsos
Apeme para a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, resulta a quase
papel químico. O título que o jornal Público escolheu para divulgar a notícia é
sintomático: Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e
económico.
[3]
- Declarações ao Porto Canal, em
Lamego, 14 de Fevereiro de 2014 . No âmbito de um debate sobre a UE, promovido
pelo Centro local Europe Direct. Também
notícia/resumo do próprio Centro, in http://www.europedirect-lamego.eu/
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A Segunda parte, virá mais logo.
António Bondoso
9 de Maio de 2014.
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