2014-05-09


Porque 9 de Maio é o Dia da Europa...e porque no dia 25 haverá eleições para o Parlamento Europeu, aqui vou deixar algumas reflexões de um "ensaio" que elaborei há uns meses, mas que não teve a competência de ser positivamente classificado. Publico, agora, alterando apenas o formato e em duas partes: Aqui fica a Primeira:

QUANDO
 FORMOS CIDADÃOS DA EUROPA



BREVE ENSAIO
A REBOQUE DO VOTO PARA O PARLAMENTO EUROPEU

ANTÓNIO BONDOSO
2014


Interior do Café Majestic, no Porto. Foto disponível na Web

 A IDEIA DE EUROPA

«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa’»
                                                                                     GEORGE STEINER, 2005

            Se esta ideia de Steiner fosse a única – e determinante – não haveria dúvidas de que Portugal se encontraria na primeira linha da construção europeia. Temos, de facto, uma cultura de “cafés”, quer seja numa grande cidade, quer seja na mais recôndita aldeia do interior. Mas só isso não basta. Todo o processo foi e é muito mais complexo e para o qual o povo não foi consultado. O que, em boa verdade, agora já não importa. Decisivo, seria ter, apresentar, defender e liderar uma visão estratégica de futuro. Que passa por uma cidadania percebida e assumida…mas também ouvida!


RAZÃO DE SER DO ENSAIO

“O que importa (…) é saber que propostas têm os partidos para a reforma do projeto europeu, tornando-o mais solidário, que ideias têm sobre o papel que Portugal deve desempenhar na construção europeia e como é que entendem que a UE deve atuar para sair da crise em que continuamos. O resto é "politiquinha". Se a Europa não estiver no centro do debate, então estas eleições serão, à semelhança de outras anteriores, uma oportunidade perdida.” 
 Editorial do DN, 2014[1]

O Parlamento Europeu [PE] é o único “pilar” com legitimidade democrática – entendida na sua projeção direta e universal – no edifício tão complexo quanto aliciante que é a União Europeia.                                                                                                                          
            Apesar disso, é incontornável a estranheza que nos assalta quando percebemos que o voto pouco “entusiasmado” dos eleitores não corresponde à grandeza dos ideais que presidem à construção europeia, desde os longínquos tempos da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
            E no que respeita a Portugal, chega mesmo a ser angustiante. Quer no que respeita ao total de não votantes no país – abstenção superior à média da EU – quer no enquadramento que se atribui às regiões do interior de Portugal e às Regiões Autónomas, quer ainda no que diz respeito aos jovens entre os 18 e os 24 anos: 70,9% de abstenção!
            Com este pequeno estudo/ensaio pretende-se, assim, tentar perceber alguns porquês do que não motiva os cidadãos a exercer o seu dever e direito de voto. Porquê o “divórcio”? Como ultrapassar a separação? Em qualquer caso, há sempre “culpas” de ambas as partes.
            Selecionaram-se inicialmente para o trabalho alguns concelhos do interior do país, nomeadamente Armamar, Bragança, Lamego, Moimenta da Beira, Tabuaço e Tarouca – sendo que, em dois deles, existem Centros “Europe Direct”: Bragança, integrado no Instituto Politécnico local e Lamego, na dependência da Câmara Municipal, Centro que mereceu a nossa atenção mais particular – por motivos de proximidade. Razões de diversa ordem, concretamente a falta de resposta a solicitações nossas para colaboração, obrigaram a reformular o projeto.
            Mas, independentemente da “visão” de interioridade, será sempre fundamental trazer aqui a “leitura” de dados e opiniões com uma perspetiva mais global, começando por elaborar um retrato, tão fiel quanto desejável, do que é o PE e qual a sua importância para o funcionamento das instituições europeias. Particularmente agora, que se pretende incentivar os cidadãos a aumentar a afluência às urnas no próximo ato eleitoral do mês de Maio.
            Daí, a generalização do “rosto” do trabalho. Quer no título – Quando Formos Cidadãos da Europa [porque “na” é uma evidência] – quer no subtítulo – Breve Ensaio a Reboque do Parlamento Europeu. 
            Poder-se-ia, de outra forma, desenhar uma “capa” mais redutora, como a que segue, registando até o “desencontro” entre as palavras Europa e Portugal, com base no pressuposto simbólico da existência de uma “fronteira interior”, permanecendo a questão de saber se, de facto, a Europa já chegou…ou se os portugueses já chegaram à Europa.



  

A EUROPA JÁ CHEGOU?

UM ENSAIO SOBRE A FRONTEIRA INTERIOR


BREVE HISTÓRIA DO PE
(A VOZ DOS CIDADÃOS
“Mais do que coligar Estados, importa unir as pessoas" 
Jean Monnet[2]

            Jean Monnet, visto como o verdadeiro arquiteto do sonho da unidade europeia, no período pós II Guerra Mundial, tinha essa ambição de criar uma relação especial entre os cidadãos dos Estados-membros, não apenas dos seis iniciais mas de todos os que desejassem aderir a esse projeto, que viria a merecer mais tarde a designação de “revolucionário” no âmbito das relações internacionais.
            Perante a conjuntura inicial, não houve alternativa à nomeação de 78 deputados dos Parlamentos dos seis Estados fundadores da CECA, em 1952. Porém, seis anos depois, com a entrada em vigor dos Tratados de Roma sobre a Comunidade Económica Europeia (CEE) e sobre a Comissão Europeia de Energia Atómica (CEEA), a Assembleia Parlamentar ficou conhecida pelo Parlamento dos Seis, com 142 deputados [entre 1958 e 1972] – tendo reunido pela primeira vez em 19 de Março de 1958 – e mais tarde, já com 198 deputados [1973-1979], viria a ficar conhecida pelo Parlamento dos Nove.
            O verdadeiro sonho de Jean Monnet só viria a ter expressão em Julho de 1979, com a primeira eleição dos eurodeputados por sufrágio direto e universal no âmbito dos Estados-membros.
            Apesar da legitimidade democrática, os poderes do PE foram sendo reivindicados e conquistados pouco a pouco, pois os Tratados eram como que uma “força de bloqueio” para as aspirações dos eurodeputados. Por exemplo o poder de codecisão e o voto por maioria qualificada a par do Conselho.
            Hoje, as três funções principais do PE centram-se exatamente na partilha, com o Conselho, da competência para aprovar legislação; no controlo democrático sobre todas as instituições da UE – sobretudo sobre a Comissão Europeia (CE), podendo mesmo adotar uma moção de censura e tendo poderes para aprovar ou rejeitar as nomeações do Presidente e dos membros da Comissão; ainda na partilha com o Conselho da autoridade sobre o orçamento da UE.
            Mas há novos poderes em perspetiva, nomeadamente o de cada família política poder propor o seu candidato ao cargo de Presidente da Comissão, para além de passar a ter igualmente uma maior influência na seleção dos Comissários.
            Margarida Marques[3], representante da Direção Geral de Comunicação da Comissão Europeia em Portugal, realçou há dias em Lamego que “Estas eleições são diferentes das anteriores porque é a primeira vez que os deputados eleitos para o PE vão decidir o novo líder da Comissão Europeia”. 
Os novos poderes são um reforço efetivo da legitimidade democrática do PE mas, por si só, poderão não ser suficientemente aliciantes para motivar os eleitores. Por isso, Margarida Marques coloca em destaque a importância do voto, ao dizer que, se for exercido, “os eleitores podem indiretamente decidir sobre quem vai liderar a Comissão Europeia”.
Quanto aos candidatos à eleição…ela estará sempre garantida pelo método de Hondt. O que, aos olhos dos eleitores – sobretudo daqueles que decidirem não participar – poderá significar, de certa forma, uma reduzida legitimidade democrática. Por isso, acrescentou Margarida Marques, “é necessário criar uma ligação mais forte entre os eurodeputados e os cidadãos”. Contudo, na maioria dos eleitores parece ficar uma certa ideia – ainda que possa ser enganadora – de que os novos candidatos não poderão efetuar uma campanha abrangente por falta de tempo, enquanto os eurodeputados em fim de mandato já não estarão muito disponíveis ou empenhados.
E, assim, parece que vai ganhando força a ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.
Se analisarmos o mais recente estudo do European Social Survey – 6ª edição, Março de 2013[4] – sobre “Significados e Avaliações da Democracia” e que teve a participação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vemos que os portugueses estão cada vez menos satisfeitos com a democracia: "Os dados sugerem que a valorização da justiça social como elemento indissociável do conceito de democracia parece ser especialmente intensa nos países com maiores desigualdades de rendimentos, dos quais Portugal claramente faz parte". O funcionamento dos tribunais e a incapacidade dos governos em assegurar a justiça social é um dos focos dos inquiridos no nosso país, tal como a existência de um sentimento de “falta de controlo popular do poder político”.
E um estudo de opinião realizado pela Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme para a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, resulta a quase papel químico. O título que o jornal Público escolheu para divulgar a notícia é sintomático: Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e económico.











[3] - Declarações ao Porto Canal, em Lamego, 14 de Fevereiro de 2014 . No âmbito de um debate sobre a UE, promovido pelo Centro local Europe Direct. Também notícia/resumo do próprio Centro, in http://www.europedirect-lamego.eu/
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A Segunda parte, virá mais logo.

António Bondoso
9 de Maio de 2014.

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