2014-05-09


Porque 9 de Maio é o Dia da Europa...e porque no dia 25 haverá eleições para o Parlamento Europeu, aqui vou deixar algumas reflexões de um "ensaio" que elaborei há uns meses, mas que não teve a competência de ser positivamente classificado. Publico, agora, alterando apenas o formato e em duas partes: Aqui fica a segunda:



NOVOS DESAFIOS - NOVA IMAGEM
Costuma dizer-se, e é verdade, que o Parlamento Europeu (PE) é a instituição perfeita tanto para os mais tenazes moiros de trabalho como para os maiores preguiçosos. Não existe seguramente nenhum cargo eleito no mundo com tantas oportunidades como aquelas que o PE oferece aos seus 766 eurodeputados (751 depois das eleições europeias de Maio.
Isabel Arriaga e Cunha, 2014
Jornal Público[1]                                                                                                                                                    
            Apesar da consolidação dos poderes e da legitimidade democrática, o PE nunca esteve isento de críticas, percetíveis de alguma forma nesta citação da jornalista do Público em Bruxelas, Isabel Arriaga e Cunha. O número de eurodeputados ali referenciado, já incluindo os 12 da Croácia empossados no momento da adesão do 28º Estado-membro, em Julho do ano passado, foi sempre apontado como excessivo. Por outro lado, em análise estão os gastos de funcionamento, sabendo-se que os trabalhos dos parlamentares decorrem em três locais diferentes: Estrasburgo, sede oficial; Bruxelas, onde tem lugar a maioria das atividades das comissões e ainda no Luxemburgo, onde está instalado o Secretariado-geral do PE. Para além dos gastos com pessoal e manutenção, naturalmente exagerados, chegou a haver também acusações de fraudes – o que não ajudou a minorar a imagem de luxo e de fausto.
            Poderá residir nestas críticas um dos fatores de divórcio entre os cidadãos e a instituição, o que – por tabela – atinge a imagem de toda a UE e conduz aos números desoladores dos atos eleitorais.
            Mas se a imagem negativa do PE se reflete em toda a União, não deixa de ser igualmente verdadeiro que os problemas e contradições no seio da Organização afetam, de forma clara, o comportamento dos cidadãos.
            Pode apontar-se nomeadamente a exiguidade de ações que coloquem efetivamente em contacto direto eurodeputados e cidadãos. E também a "deficiente informação" disponibilizada à sociedade em geral sobre as temáticas europeias. Concretamente quanto à tardia disponibilização de informação sobre candidaturas e quanto ao controlo, pela imensidão de entidades e comissões criadas, dos fundos – o que não permite uma efetiva redistribuição dos mesmos, pela falta de cuidado em  alinhar atempadamente as políticas nacionais e as políticas comunitárias. Nem só o que é nacional é bom – nem tudo o que vem da Europa é mau!

CIDADANIA DIVORCIADA
“A europeização, na medida em que reforçou o Estado português e o consolidou através da capacitação do governo para o melhoramento da eficácia das políticas públicas, serviu para o reforço da cidadania”.
                                                                                                                                    
Marina Costa Lobo, 2013
                                                                                                          
A opção europeia de 1986 e reforçada em 1992 foi um caminho fundamental para a consolidação do regime democrático em Portugal. Os portugueses assumiram desde o início o estatuto europeu, mas o clima de   euforia cedo começou a definhar. Olhando os mapas dos resultados eleitorais verificados em Portugal desde 1987, para o Parlamento Europeu, podemos questionar esse “reforço da cidadania” de que nos fala Marina Costa Lobo no estudo que coordenou sob o título “Portugal e a Europa: novas cidadanias”[1]. De uma forma talvez simplista, poderá bastar ter em conta o nível de abstenção: se em 1987 foi de 27,8%, já em 2009 atingiu os 63,2%.
            Um divórcio consumado entre os cidadãos e os políticos, entre os eleitores e as políticas mal percecionadas e deficientemente explicadas pelos decisores, quer em Portugal, quer em Bruxelas ou em Estrasburgo.
            Um divórcio indesmentível, se atentarmos no nível de abstenção em diversas regiões do país – por exemplo nos Açores ou em Moimenta da Beira. Continuando a comparar a linha do tempo referida, temos o recorde de 45,9% e 78,3% nos Açores sendo o desinteresse, apesar de tudo, ligeiramente inferior em Moimenta da Beira: 33,3% em 1987 e 72,1% na eleição mais recente de 2009.
            Há, naturalmente, justificações para este afastamento entre quem elege e quem decide. Do ponto de vista sociológico, claro, mas também – ou sobretudo – político. Seguramente uma questão de cidadania.
            As realidades dos Estados-membros não são seguramente alheias às decisões tomadas em Bruxelas, tal como estas influenciam decisivamente o olhar de cada um sobre a bondade das políticas desenvolvidas. Uma dicotomia agravada em tempos de crise, sabendo que “a crise” não tem idênticos contornos em todos os Estados-membros e que as “famílias partidárias” – arrumadas no PE – não refletem por igual a realidade partidária vivida em cada um dos países.
            Será interessante reter, por exemplo, algumas das muitas razões da abstenção. De acordo com um estudo (eurobarómetro) realizado em 2012 para o PE[2], os inquiridos foram classificados em “ponderados” [decidiram não votar semanas ou meses antes das eleições] e “incondicionais” [nunca votam]. No que diz respeito a razões de ordem política no sentido lato do termo, as percentagens foram de 64% e de 74%, enquanto os motivos pessoais se situam muito abaixo: 23 e 14% respetivamente. Não deixa de ser preocupante, contudo, o item das razões diretamente relacionadas com a EU, sobretudo no que tem a ver com os “ponderados”: - 41%.
            E quando todos os inquiridos em todos os Estados-membros [então ainda 27] se pronunciaram sobre se a UE tem um papel importante na vida de todos os dias, só 6% disseram sim. Uma percentagem extremamente baixa, transversal às idades e às profissões.   
            Neste quadro, compreende-se que os cidadãos – alvos prioritários das políticas tomadas em Bruxelas e em cada um dos Estados-membros – aproveitem o que lhes parece ser o “elo mais fraco” do sistema para demonstrarem a sua insatisfação ou lavrarem o seu protesto, mesmo sabendo que só o podem fazer nas eleições para o PE. No meio de fantasmas, envolvidos nas mais diversas teorias e práticas de economia política, mas sempre na linha da frente dos sacrifícios, os cidadãos preferem divorciar-se.
            Mas Francisco Assis, um dos candidatos ao “novo” PE, já disse esperar que «seja possível dissipar progressivamente o alheamento que parece haver agora por parte do eleitorado em relação às eleições europeias»[3]:- "Eu julgo que, até por efeito da crise, as pessoas compreenderam a importância da Europa para a resolução dos seus problemas. Hoje o país percebe que muitas das nossas dificuldades só poderão ser superadas se houver uma alteração das políticas prevalecentes na Europa".           
            Por aqui se percebe que é muito complexo separar as questões europeias dos problemas nacionais. Veja-se igualmente o resultado das recentes eleições autárquicas em França.     
            E parece residir aqui um dos defeitos do “sistema”, quando os aparelhos partidários – não só em Portugal – não se conseguem entusiasmar para mobilizar os eleitores. Sobretudo aqueles mais afastados dos grandes centros urbanos. E não mobilizam os cidadãos, pois também não conseguem parcerias naturais e sérias com os grandes órgãos de comunicação social. Os Partidos ainda não se entenderam com esses atores da sociedade civil quanto ao papel a desempenhar, parecendo não perceber a independência que lhes assiste, por muito que duvidem da bondade do que se designa por “critérios jornalísticos”. Nomeadamente com as televisões – que já manifestaram a sua intenção de não terem papel ativo no processo eleitoral.
            Até que ponto tem sido ignorada igualmente a chamada imprensa regional? E o papel das rádios locais? E essa nova realidade que são as televisões locais, que se vão alinhando cada vez mais à boca das urnas? Quem dá um passo em frente…para ativar todo este manancial de instrumentos – fundamentais ao exercício da cidadania?


À PROCURA DO CAMINHO CERTO
OUTROS INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO





Este Centro “Europe Direct” de Lamego é um dos 19 que estão implantados em Portugal, como já foi referido, e pode ser consultado presencialmente, por telefone ou por endereço eletrónico.
            O serviço da rede – que se iniciou em 2005 – é basicamente responder a perguntas sobre a UE. Mas cada Centro, na opinião de Rui Pereira[1], tem como objetivo fundamental ir ao encontro das escolas e de outras instituições para divulgar e informar sobre os objetivos da União.
         No seio da União, embora com funções apenas consultivas, existem outros organismos que, em princípio, deveriam pugnar pelo regular e eficiente funcionamento da Organização. O Comité Económico e Social Europeu (CESE), que é suposto representar a sociedade civil organizada [apesar de os seus membros serem designados pelos governos dos Estados-membros], deve defender os valores da integração europeia, tal com a causa da democracia e da democracia participativa.
            O que é facto é que parece não se notar – no terreno – a dois meses do ato eleitoral, outras ações de envergadura que possam corresponder à defesa dos valores enunciados.
            Também o Comité das Regiões, que é designado como a voz do poder local, deve representar as cidades e as regiões da Europa. E no âmbito das suas funções, existe uma Comissão vocacionada para as áreas da Cidadania, Governação e Assuntos Institucionais e Externos. Podendo entender-se o sentido da ação deste Comité de fora para dentro – isto é, dos Estados-membros para a União – não podemos deixar de nos interrogar sobre o tipo e o alcance da mensagem que é preciso fazer passar.
            Quem já passou por este Comité foi o agora candidato Fernando Ruas – durante vários mandatos Presidente da Câmara Municipal de Viseu e igualmente presidente da ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses] – o qual já prometeu vir a ser um defensor do interior e dos territórios de baixa intensidade[2]. É o caso desta região que selecionámos para desenvolver o trabalho. Fernando Ruas dá por adquirida a eleição, naturalmente, mas ficámos sem saber como é que o candidato vai fazer a sua campanha. E que localidades é que vai visitar durante esse período. Que tipo de mobilização?
            Acresce que a CE criou já em 1989 o Team Europe – uma rede de especialistas em temas específicos da União e espalhados pelos diferentes Estados-membros, sendo que em Portugal há vinte e nove. São conferencistas independentes disponíveis para intervir também em seminários, debates, iniciativas nas escolas, ações de formação, ou para contribuir com artigos na imprensa e programas de rádio, nomeadamente a nível local. Um deles, Paula Marques dos Santos, que leciona na Escola Superior de Gestão de Lamego [do Instituto Politécnico de Viseu] elaborou em 2010, com a coautoria de Mónica Silva, um estudo sobre “A identidade europeia – a cidadania supranacional[3], no qual se pode ler nomeadamente: “Com o Tratado de Lisboa, demonstra-se a vontade de transformar uma Europa baseada na economia para uma Europa dos Cidadãos, uma Europa Social, que procura transmitir o sentimento de pertença a uma entidade supranacional. De facto, a cidadania europeia fez repensar o “impossível”, procurando um novo modelo que conceda aos cidadãos formas de combate à discriminação, à exclusão e à incapacidade de alcançar a empregabilidade e a estabilidade pessoal e colectiva. Talvez seja este o caminho para redefinir o conceito de cidadania e responder, simultaneamente, aos problemas que se enfrentam actualmente, tornando a UE num espaço mais competitivo e líder ao nível da formação e da cidadania.”
            Uma visão algo diferente podemos lê-la no filósofo Étienne Balibar, cético ou pelo menos muito crítico da construção europeia[4], quando reflete sobre “Um novo impulso, mas para que Europa?”. Partindo do pressuposto de que não pode haver construção política cujo princípio diretor implica o antagonismo dos interesses dos seus membros, Balibar aponta o que chama de crise da legitimidade democrática na Europa como “resultante de os Estados nacionais terem deixado de ter meios (ou vontade) de se defenderem ou de renovar o «contrato social», e de as instâncias da União Europeia não terem qualquer predisposição para procurar as formas e os conteúdos de uma cidadania social de nível superior – a menos que a isso sejam levadas por uma insurreição das populações ou pela tomada de consciência dos perigos políticos e morais em que a Europa incorre por causa da conjuntura de uma ditadura exercida «no topo» pelos mercados financeiros e de um descontentamento antipolítico alimentado «em baixo» pela precarização das condições de vida, pelo desprezo pelo trabalho e pela destruição das perspectivas de futuro”.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ESTUDOS E ENSAIOS
SANTOS, Paula Marques dos & SILVA, Mónica. Comunicação A Identidade europeia – a cidadania supranacional.
JORNAIS E REVISTAS
Correio Beirão (Viseu)
Diário As Beiras (Coimbra)
Diário de Notícias (Lisboa)
Guia das Instituições da União Europeia – Como Funciona a União Europeia (Luxemburgo, 2013)
Janus net (Lisboa)
Jornal de Notícias (Porto)
Le Monde Diplomatique – edição portuguesa (Lisboa)
Sol (Lisboa)
Público (Lisboa)
TELEVISÃO
Porto Canal (Porto)
SÍTIOS DA INTERNET
MONOGRAFIAS
COSTA LOBO, Marina. Portugal e a Europa: novas cidadanias. 2013. Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia.
STEINER, George. A Ideia de Europa. 2005. Gradiva, Lisboa.


(RE) ENAMORE-SE PELA EUROPA


Faça fé no slogan…enquanto é tempo. E vote no dia 25 de Maio.

«É que…parece que vai ganhando força a ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.» 



[1] - Responsável pelo Centro Lamego-Europe Direct, em conversa com o autor no dia 12 de Março 2014.
[2] - - In Correio Beirão, 7 de Março de 2014. Pg 7. 


[3] - In Janus.net – E-Journal of International relations. Vol. 2, nº 1 (Spring 2011). http://observare.ual.pt/janus.net/
[4] - Le Monde Diplomatique – edição portuguesa. Nº89, Março de 2014. Pgs 10 a 13.  


[1] - Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia. 2013. Lisboa. Pg 19.
[3] - JN online. 21 de Março de 2014. Política.


António Bondoso
Maio de 2014

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