2015-04-14



A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DO CAFÉ...

(Excerto do livro SEIOS ILHÉUS. 2010. Edição de Autor e Euedito)


"Felizmente também renasço – e muito – quando sonhos delicados me trazem os aromas do mar, do sol, do cacau, das palmeiras, das bananeiras, da fruta-pão assada, sobretudo do esquecido mas afamado café de que fui inveterado consumidor aos vinte anos.
         Por um feliz acaso e amizade de Fernando Silva – interessado observador e coleccionador de coisas raras espalhadas por este país e sabedor das minhas “ligações” a S.Tomé e Príncipe – chegaram-me às mãos uma pequena mas curiosa e pouco conhecida colecção de postais antigos e um não menos raro exemplar de um livro sobre a cultura do café naquelas ilhas. Seu autor – o engº agrónomo Helder Lains e Silva – que, em 1956, efectuou para a Junta de Exportação do Café um inédito estudo sobre a aptidão das várias zonas do arquipélago para a cultura do cafeeiro. À semelhança do que já havia feito para Moçambique e Timor. O livro – impresso na Tipografia  Minerva, Famalicão – foi  publicado em 1958, pela então Junta de Investigação do Ultramar, contendo importantes dados sobre geologia, climatologia, economia, ecologia agrícola e tecnologia, para além de esboços sobre as Cartas das Isoietas, dos Climas, dos Solos, da Vegetação e de Aptidão Cafeícola.
         Recorda-se que o “ciclo do café” se iniciou em 1800, com o Governador João Baptista e Silva, mas só na segunda metade do século se introduziram os grandes cafézais:- Francisco Assis Belard, em Monte Macaco, Santa Margarida e Mainço;         o Barão de Água Izé, na roça com o seu nome;  Manuel da Costa Pedreira, em Monte Café (onde se registou o maior impulso); e José Maria de Freitas, em Bela Vista, Santarém e Ilhéu das Rolas.
         Contudo, refere Helder Lains e Silva, “o cultivo era deficiente, o preparo era mau e nem havia grandes esperanças de progresso”. Como causas, cita Vicente Pinheiro Lobo Machado de Melo e Almada         [1] - para quem a cafeicultura estava entregue a uma população indolente e desmoralizada pelos largos vícios duma vida secular de comércio de negros, de dissipações de toda a ordem, e de vergonhosas lutas intestinas entre as autoridades europeias e indígenas, entre estas e o povo, entre senhores e escravos.
         Fundamentalmente, a incapacidade e as omissões da governação portuguesa – até ali quase exclusivamente virada para o Brasil.
         Em meados do séc.XX, contudo – já em pleno ciclo do cacau – o café das ilhas era excelente, com destaque naturalmente para o Arábica, exportado a preços elevados para a “metrópole” e outros países europeus, nomeadamente Alemanha, Holanda, França e Itália. Mas o Robusta e o Libérica (apesar da má reputação internacional desta espécie) mereciam também algum valor na produção local. Lains e Silva compara os preços praticados em 1956, precisando que a Noruega pagava o Libérica de São Tomé a 530$00 a arroba, enquanto o Robusta de Angola atingia o máximo de 321$56 a arroba na Bolsa de Nova Iorque.
         E depois, chama a atenção para o facto de         a apreciação do café, como bebida, ser algo subjectiva : - Por isso há apreciadores do conhecido café Rio, com o seu característico cheiro e sabor a iodofórmio que causa náuseas, como houve técnico brasileiro responsável que disse ser o Robusta de Angola bebida de sabor infame. É claro que o bebedor de café Arábica, apreciador dos cafés finos de que entre nós são protótipos os Arábicas de Timor, São Tomé e Cabo Verde, considerará como sucedâneo qualquer café de outra origem botânica. Mas o consumidor vulgar, que busca no café, além de estimulante, algo que encubra o gosto do leite com que geralmente o mistura, se se satisfaz com Robusta, pode muito bem contentar-se com o Libérica do tipo do de São Tomé e Príncipe, caracterizado por grãos volumosos de cor amarelo-palha e por licor espesso que dá boa mistura com leite.        
         Hoje, infelizmente, só raras vezes tenho o prazer de sentir o “aroma”. Mas vou imaginando !





[1] - Em As Ilhas de São Tomé e Príncipe, Lisboa, 1884.


António Bondoso
Jornalista

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