A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DO CAFÉ...
(Excerto do livro SEIOS ILHÉUS. 2010. Edição de Autor e Euedito)
"Felizmente
também renasço – e muito – quando sonhos delicados me trazem os aromas do mar,
do sol, do cacau, das palmeiras, das bananeiras, da fruta-pão assada, sobretudo
do esquecido mas afamado café de que fui inveterado consumidor aos vinte anos.
Por um feliz acaso e amizade de
Fernando Silva – interessado observador e coleccionador de coisas raras
espalhadas por este país e sabedor das minhas “ligações” a S.Tomé e Príncipe –
chegaram-me às mãos uma pequena mas curiosa e pouco conhecida colecção de
postais antigos e um não menos raro exemplar de um livro sobre a cultura do
café naquelas ilhas. Seu autor – o engº agrónomo Helder Lains e Silva – que, em
1956, efectuou para a Junta de Exportação do Café um inédito estudo sobre a
aptidão das várias zonas do arquipélago para a cultura do cafeeiro. À semelhança
do que já havia feito para Moçambique e Timor. O livro – impresso na Tipografia
Minerva, Famalicão – foi publicado em 1958, pela então Junta de
Investigação do Ultramar, contendo importantes dados sobre geologia,
climatologia, economia, ecologia agrícola e tecnologia, para além de esboços
sobre as Cartas das Isoietas, dos Climas, dos Solos, da Vegetação e de Aptidão
Cafeícola.
Recorda-se que o “ciclo do café” se
iniciou em 1800, com o Governador João Baptista e Silva, mas só na segunda
metade do século se introduziram os grandes cafézais:- Francisco Assis Belard, em Monte Macaco, Santa Margarida e Mainço; o Barão
de Água Izé, na roça com o seu nome;
Manuel da Costa Pedreira, em Monte
Café (onde se registou o maior impulso); e José
Maria de Freitas, em Bela Vista, Santarém e Ilhéu das Rolas.
Contudo, refere Helder Lains e Silva,
“o cultivo era deficiente, o preparo era mau e nem havia grandes esperanças de
progresso”. Como causas, cita Vicente Pinheiro Lobo Machado de Melo e Almada [1] -
para quem a cafeicultura estava entregue
a uma população indolente e desmoralizada pelos largos vícios duma vida secular
de comércio de negros, de dissipações de toda a ordem, e de vergonhosas lutas
intestinas entre as autoridades europeias e indígenas, entre estas e o povo,
entre senhores e escravos.
Fundamentalmente, a incapacidade e as
omissões da governação portuguesa – até ali quase exclusivamente virada para o
Brasil.
Em meados do séc.XX, contudo – já em
pleno ciclo do cacau – o café das ilhas era excelente, com destaque
naturalmente para o Arábica, exportado a preços elevados para a “metrópole” e
outros países europeus, nomeadamente Alemanha, Holanda, França e Itália. Mas o
Robusta e o Libérica (apesar da má reputação internacional desta espécie)
mereciam também algum valor na produção local. Lains e Silva compara os preços praticados em 1956, precisando que
a Noruega pagava o Libérica de São Tomé a 530$00 a arroba, enquanto o Robusta
de Angola atingia o máximo de 321$56 a arroba na Bolsa de Nova Iorque.
E depois, chama a atenção para o facto
de a apreciação do café, como
bebida, ser algo subjectiva : - Por isso
há apreciadores do conhecido café Rio, com o seu característico cheiro e sabor
a iodofórmio que causa náuseas, como houve técnico brasileiro responsável que
disse ser o Robusta de Angola bebida de sabor infame. É claro que o bebedor de
café Arábica, apreciador dos cafés finos de que entre nós são protótipos os
Arábicas de Timor, São Tomé e Cabo Verde, considerará como sucedâneo qualquer
café de outra origem botânica. Mas o consumidor vulgar, que busca no café, além
de estimulante, algo que encubra o gosto do leite com que geralmente o mistura,
se se satisfaz com Robusta, pode muito bem contentar-se com o Libérica do tipo
do de São Tomé e Príncipe, caracterizado por grãos volumosos de cor
amarelo-palha e por licor espesso que dá boa mistura com leite.
Hoje, infelizmente, só raras vezes
tenho o prazer de sentir o “aroma”. Mas vou imaginando !
António Bondoso
Jornalista
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