LIVRO
GOLUNGO ALTO. De JERÓNIMO PAMPLONA.
MEU TEXTO DE APRESENTAÇÃO – DIA 23 MAIO 2016 – PORTO, na UNICEPE.
Bom
final de tarde...Uma boa noite a todos.
Estamos a 2 dias do Dia
de África...o que – de certa forma – confere a esta sessão uma oportunidade particular.
Para falar de África, claro!
***** Há um ano...perguntava eu no meu
bogue ONDE FICA A ÁFRICA?
E dizia que, numa altura em que há como que um “toque a finados” nesta União Europeia cada vez mais em deriva, também não é sem apreensão que vemos ouvimos e lemos sobre ÁFRICA. As televisões encarregam-se de nos mostrar diariamente. E um dia destes, a 25, celebra-se aquele que pretende chamar a atenção para os inúmeros problemas – claro – mas igualmente colocar em destaque as potencialidades desse terceiro mais extenso continente e segundo mais populoso do mundo…e do qual fazem parte cinco países que têm como oficial a língua portuguesa:- Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.(...)
Há poucos meses,
voltava a lembrar que, sobre ÁFRICA, não há contradição entre ESQUECER E
LEMBRAR!
A
verdade é que, pela história, seremos eternamente confrontados – quer
dicotomicamente, quer pela dialética – com esta questão!
Esquecer…não é matar a memória.
Pelo contrário…é preciso dar vida à memória, para que não sejamos assaltados
pela melancolia pesarosa ou por uma nostalgia perniciosa. É preciso perceber e
aceitar os outros, aceitar a verdade dos outros e os avatares da história.
De África, como vamos
ver, não chegam apenas REFUGIADOS ou NOTÍCIAS MÁS, tal como não chegam apenas
matérias-primas.
De
África também vem parte da História – muito da nossa história – vem
conhecimento e encantamento, encantamento que mata saudade... como acontece com
o livro que aqui nos
traz hoje... ANGOLA NOUTROS TEMPOS – POR
TERRAS DO GOLUNGO ALTO E DE AMBAQUISTAS.
Rapidamente...poderia
remeter-vos para o PREFÁCIO (do antropólogo
Paulo Fernandes) no qual se pode ler “estarmos perante um livro de reflexão
histórica e cariz sócio antropológico. Sobre o relevo, as dimensões e a
substância do devir da África nas suas particularidades e particularismos”.
OU
ENTÃO PARA um texto do meu camarada Manuel Rodrigues Vaz – editor jornalista, escritor: “Idealizado para ser uma simples evocação da vila angolana Golungo Alto e
das suas gentes doutros tempos, este livro aparece enquadrado num
projeto mais lato, que passou por uma retrospetiva da História Geral de Angola,
numa síntese tão bem organizada como articulada”.
Ou poderia remeter-vos igualmente para o posfácio...no
qual o próprio autor destaca e resume as seis partes da obra:
“Na primeira parte
abordo a “chegada” dos portugueses a Angola.
Na segunda parte
descrevo as personagens e o estatuto dos Ambaquistas e dos Assimilados.
Na terceira parte
centro-me na vida económica e social do Golungo Alto em meados do século XX.
Na quarta parte, num
estilo em que a paródia prevalece sobre a sátira, revisitando mais de 25 anos,
conto 42 “estórias/piadas”, que ocorreram em diferentes lugares de convívio e
que são aqui compiladas.
Na quinta parte narro
seis contos, no estilo que poderá chamar-se
de “short stories”.
Na última parte
percorro, num “rally paper imaginário”, as ruas do Golungo Alto visitando
lugares que nos fazem recordar afetos e emoções vivenciadas”.
Perante isto,
praticamente pouco me sobraria para dizer.
Contudo,
e porque é de bom tom, tendo aceitado esta tarefa (PARA ALÉM DO PRESTÍGIO, DEVO JUSTIFICAR OS HONORÁRIOS) DEVO DIZER
QUE é de toda a justiça... ACENTUAR que o livro está muito bem escrito, literariamente
rico mas acessível... E ACADEMICAMENTE muito bem estruturado. UM ESTUDO muito
completo, sem ter o caráter obrigatório de uma Tese. SIMULTANEAMENTE é um livro
de memórias, de saudade – sem, contudo, transmitir nostalgia.
Numa linguagem reveladora de uma SERENA FRONTALIDADE,
estas páginas encaram a História como ela foi – sabendo nós como é fácil julgar
a história aos olhos da realidade de hoje.
É,
PORTANTO, uma obra em que os factos históricos enquadram e conferem substância
a uma série de CRÓNICAS, de contos breves e de historietas – como diz o autor –
escritos com alegria, HUMOR, paixão, romance com erotismo QB...: Como por
exemplo no Conto 5 “AROMAS TROPICAIS”:
“Um
pouco afastados de terra, nadaram lado a lado, mergulharam e boiaram. Quando voltaram
à posição vertical a Lú postou-se frente ao Dani, muito próxima, fitou-o nos
olhos, duma forma dengosa, e o desejado aconteceu: beijaram-se sofregamente -
um beijo ardente e prolongado.”
Há
também política, claro, a controvérsia da Guerra... e não falta o Futebol, numa
série de historietas contadas ao jornalista Bergeron*, do jornal A Província de Angola:
*) Desde o início que o
nome me faz lembrar o meu camarada Joaquim
Berenguel, Radialista em Angola (Rádio Clube de Malanje) e que depois
trabalhou aqui na RDP, em Lx, no Pto e finalmente em Bragança.
Era através desse Rádio Clube de Malanje que o Grupo FINA FLOR DE GOLUNGO ALTO (gente
solteira ou com a mulher aqui no “Puto”) se deliciava aos domingos a ouvir a
rubrica dos DISCOS PEDIDOS ao longo da semana, enquanto degustavam uma valente
churrascada e saboreavam umas CUCAS bem geladas.
Estamos
a falar desta região do Golungo Alto e de Ambaca, Malanje, Samba Caju,
Camabatela, Rio Lucala, Rio Cuanza...mas devo dizer que, histórias como estas,
há-as mais ou menos parecidas em muitas outras regiões de Angola.
A personagem do Freitas
de Cacanga (Adulcínio Freitas)...pode ser recontada em dezenas/centenas de
lugares – confirmando a imagem “empreendedora” daqueles que desbravaram o
sertão angolano. É bom reter a agilidade com que o Freitas conseguiu motivar
cidadãos e autoridades para a instalação de água canalizada, energia elétrica e
de uma escola em CACANGA – ali a meia dúzia de Klms de Golungo Alto. (PGS
142-144).
Para ali – para
aquela região - foram no início da década de 1950 uns tios meus América e
Acácio Bondoso (ele motorista de pesados) acompanhados dos filhos João e
Fernando; também Palmira Bondoso e Honorato Cardoso (no início capataz numa
plantação de cana de açúcar) mais 2 dos filhos mais velhos, o Toli e o João
Luís – tendo ali nascido outros 3 - e estiveram em Camabatela, Samba Caju,
Samba Lucala, Cacuso, sempre à espera que o café amadurecesse na Fazenda Ginga, acabando por ser Luanda
o destino final da aventura angolana na passagem do ano de 1959 para 60.
E
o João Luís (que hoje está na Austrália) ainda se recorda do nome da Professora
Maria Paula, em Samba Caju, e da Igreja dos Capuchinhos, em Samba Lucala, onde
havia sessões de cinema. E de uma viagem com o pai, atribulada, na picada até
Makela do Zombo...sofrendo furos em excesso.A solução foi usar – depois de
substituído um dos pneus – muito capim, muito capim, muito capim nos outros
pneus para substituir as câmaras de ar furadas.
É que a penetração no interior não foi nada fácil. A
dificuldade da língua – OU DAS LÍNGUAS – e a escassez de colonos. Poucos, sem
mulheres e sem escolas. E em LUANDA, por ex, em 1846 – já muito próximo da
Célebre e Trágica Conferência de Berlim – em Luanda havia 5 mil habitantes e 100
tabernas, para 144 casas de 1º andar, 275 casas térreas e 1058 cubatas.
Lê-se por aqui que nos séc. 17 e 18, sobretudo depois da
expulsão dos Jesuítas, chegou mesmo a acontecer a KIMBUNDIZAÇÃO dos portugueses. E que já em 1620 tinha sido
publicado um CATECISMO em Kimbundu.
A INVERSÃO SÓ ACONTECE, e numa dimensão reduzida, já na segunda década do séc. 19, com a
chegada de uma nova vaga de emigrantes da metrópole e também muito pelo esforço
dos chamados AMBAQUISTAS.
É
um dos capítulos mais interessantes desta obra:
Quem são/Quem foram os
AMBAQUISTAS? COMO FORAM INFLUENCIADOS...E COMO EXERCERAM A SUA INFLUÊNCIA...?
Resumindo
a investigação do autor...pode dizer-se que os AMBAQUISTAS constituíram uma elite luso-africana, independente dos
SOBADOS e consolidada no séc.19, que teve uma origem muito heterogénea – com
negros (mesmo antigos escravos), mestiços e alguns brancos. Nos seus
antepassados europeus houve conquistadores, soldados, comerciantes e
degredados. A sua ambição de saber ler e escrever levou-os a partilhar a
influência dos dominadores coloniais – com o objetivo de a poderem depois
exercer junto das sociedades tradicionais africanas, tanto a nível económico
como político. Foram considerados os mais importantes intermediários na
correspondência entre os chefes angolanos e as autoridades coloniais. Falavam,
escreviam e ENSINAVAM o português,
para além do seu próprio dialeto ou de uma língua franca africana – no seu
caso, o KIMBUNDU.
No
final desse séc.19, o número de “Ambaquistas” era calculado em 10 mil, muitos
deles dispersos um pouco por todo o território, assumindo inter-relações
culturais e sociais com todas as etnias do território.
O
exemplo mais conhecido é o da colónia ambaquista na Mussumba, residência dos reis lunda (atualmente República
Democrática do Congo). Foi aqui que o seu fundador e dirigente, Lourenço Bezerra Correia Pinto, um
ambaquista oriundo do Golungo Alto, conhecido por Lufuma, deu aulas de língua
portuguesa, leitura, escrita e aritmética básica, no período de 1865 a 1885. A
colónia terá sido fundada em 1859, tendo desenvolvido uma intensa atividade
artesanal e agrícola.
OS
AMBAQUISTAS tiveram igualmente peso nas caravanas das rotas comerciais e até em
expedições de investigação e conhecimento. Como por ex: essa ligação “costa a
costa”, entre 1804 – 1814, com Pedro
João Baptista e Anastácio José – 2 nativos luso-africanos, que foram ao
serviço dos portugueses e foram identificados como tal. Ficará bem, por esta
altura, relembrar um poema de Arnaldo Santos em “A Casa Velha das Margens”
O
DESTERRO DO AMBAQUISTA
Escrevo
de nenhures
Só
De
meu coração
Oiço
as batidas.
É
esse
O
meu único chão
O
pó
Em
que existo
E
onde preces e sonhos
Tenho
erguidas.
É
esta
A
Ambaca antiga
Que
carrego em mim
Em
palavras
E
vidas
Com
que os espíritos Lhe reclamam.
É
este
O
meu solo Materno pátrio
No
qual busco a cidade
E
me consolo.
Os Ambaquistas faziam
questão de assumir e de realçar o seu “estatuto especial”... trazendo-me à
memória o caso de Macau. A
importância decisiva que tiveram os MACAENSES na relação entre a Administração
portuguesa e a comunidade chinesa. Exatamente porque falavam as duas línguas –
no caso, o português e o Cantonense.
E
não querendo abusar da vossa atenção e da vossa paciência, para além das notas
históricas sobre a Colonização, o Choque de Culturas, e a Escravatura... PARA
ALÉM DOS ASPETOS MUITO PARTICULARES DA CONSCIÊNCIA CÍVICA E POLÍTICA DOS
PORTUGUESES DE ANGOLA – sobretudo no Sul, com a FUA, em Benguela, em 1961,
fortemente reprimida – mas já antes em Luanda, em 1948, com o aparecimento do
MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA, com jovens negros, mestiços e
brancos... há esse relato delicioso sobre a rainha Njinga – também conhecida como DONA
ANA DE SOUSA ( depois de batizada em Luanda já com 40 anos de idade, ela
que terá nascido em 1582...), tendo sido nomeada ainda como MUENE NZINGA MBANDI.
Considerada
como pioneira do sentimento nacionalista angolano... OS PRIMEIROS REGISTOS
sobre NZINGA/NJINGA datam de 1621 – altura em que terá sido enviada a Luanda
pelo seu Chefe e Irmão para negociar a Paz com os portugueses.
Terá conseguido renegociar o número de escravos a
transacionar, mas não foi bem sucedida no seu objetivo de obrigar ao
desmantelamento do Presídio de Ambaca – uma fortificação fundamental para o avanço
colonial no território. Entre 1641 e 48 foi aliada dos holandeses para guerrear
os portugueses, mas só viria a capitular em 1656, tendo falecido em 1663, já
com 81 anos de idade.
Há traços reveladores da personalidade da rainha Njinga,
neste relato do livro de Jerónimo Pamplona, relacionado com aquela missão
diplomática de 1621: (PAG.44)
O
episódio teve lugar na visita que fez ao Palácio do Governador vestida, como
era seu hábito, com uma bela capa escarlate sobre os ombros e um finíssimo pano
de musselina elegantemente preso à cintura por uma cinta de camurça, cravejada
de diamantes e outras pedras raras. O governador recebeu-a sentado num cadeirão
alto, quase um trono, tendo reservado para a Njinga uma almofada, debruada a
ouro, sobre um sedoso tapete.
A
Rainha Njinga deu ordens a uma das suas
escravas para que se ajoelhasse e sentou-se sobre o dorso da servidora. Aquele
gesto marcou o tom do encontro. No final da visita o governador estranhou que a
embaixadora não chamasse a escrava que se mantinha imóvel sobre a almofada. A
Rainha riu-se. Deixaria a escrava, retorquiu. Não tinha por hábito usar o mesmo
assento mais do que uma vez.
Quanto
à origem do nome de Golungo Alto, a história é mais ou menos idêntica tanto neste
Livro de Jerónimo Pamplona como no Dicionário Antonito: COROGRÁFICO-COMERCIAL
DE ANGOLA de 1959 – 4ª edição: há na região um antílope (muito semelhante à Seixa e ao veado) de seu nome africano
: - NGULUNGO (porco raro, especial).
O termos ALTO – vem das montanhas da zona.
Terá
passado a prato típico da região, depois de se ter verificado uma peste suína
muito gravosa.
O
GOLUNGO ALTO é terra de gente
ilustre na história de Angola, onde nasceram gradas personalidades
angolanas como o famoso Cónego Manuel das Neves, que foi um dos principais
impulsionadores da luta de libertação nacional, os dirigentes políticos Mário
Pinto de Andrade e o seu irmão Joaquim Pinto de Andrade e à qual estiveram
sempre ligados figuras como o poeta António Jacinto, o dirigente político Lopo
do Nascimento, o escultor José Rodrigues bem como os seus irmãos António
Jacinto Rodrigues, notável arquiteto paisagista, e Irene Guerra Marques, grande
figura da cultura angolana.
E na hora de fechar, lugar ao poema RECORDANDO, de António Jacinto,
precisamente dedicado ao GOLUNGO ALTO:
RECORDANDO
Oh! Meu Golungo em que a floresta assume
Graças infinitas; doce perfume
Que o Zenza lendário vem beijando
Recordando fatal amor tão nefando!
Zenza caprichoso, me vens contando,
Quando sereno te estava fitando,
Uma história de louco ciúme,
Numa noite de vibrante ciúme.
Em que Ela, embalada, terna e amante
Em meus braços, chorosa e anelante
Me jurava amor eterno. Tão querida!
Este poema está
acompanhado de umas breves notas explicativas da Poetisa angolana Ana Paula
Tavares: No verso 1: Floresta, alusão à Reserva Florestal de Golungo Alto.
Versos 3 e 5: Zenza, alusão ao rio que banha a região de Golungo Alto. Verso 9:
Ela, alusão à terra Golungo Alto.
António Bondoso
Porto, 23 de Maio de
2016.
António Bondoso
Jornalista
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