SOBRE
MÁRIO SOARES…
…haverá
sempre uma efeméride para celebrar, lembrando as lutas pela LIBERDADE!
Sabe-se que Mário Soares não foi uma
figura de relacionamento fácil e que preferiu sempre a frontalidade. Não deixou
de alinhar em consensos – quando o país lhe pediu – mas foi sempre um homem de
ruturas. Inclusive no interior do seu próprio partido e certamente na sequência
das muitas dificuldades que atapetaram o seu percurso de vida, uma luta
permanente pela liberdade – contra a ditadura! Por isso esteve preso, foi
torturado, deportado e exilado. O que venho aqui dizer não é novo, talvez mesmo
insignificante, mas fica registado mais uma vez.
Dele ouvi falar em 1968, em S. Tomé, para
onde foi deportado em Março desse ano sem culpa formada, depois de ter sido
preso várias vezes. Ali, foi até impedido de dar explicações aos filhos do
Secretário da Câmara, Aprígio António Malveiro, acontecendo que Maria Barroso
foi igualmente impedida de exercer a atividade docente – como eu recordo no meu
livro ESCRAVOS DO PARAÍSO (2005).
“Ninguém
podia falar com ele porque a polícia não deixava, eu até tinha medo mesmo de
ver a varanda de casa dele”, disse à LUSA
(2014) Ângelo Carneiro, 76 anos, um dos poucos são-tomenses que conheceram
de facto o então advogado oposicionista de Salazar. (…) Eu passava lá, era
ainda no tempo da PIDE. Eu era jardineiro na casa de um branco que morava na
marginal, perto do museu”, recordou Ângelo Carneiro. Com o passar dos anos
ninguém ou muito pouca gente ainda se recorda de que Mário Soares viveu neste
apartamento”, acrescentou.
O degredo, recordo ainda em Escravos do Paraíso, não mereceu a total concordância do então
governador Silva Sebastião [que se avistava quase todos os sábados com Mário
Soares], o qual achou a situação muito pouco própria – tendo em conta o elevado
número de jornalistas estrangeiros presentes na Ilha, em consequência da
trágica Guerra do Biafra.
Um dos poucos brancos que mantiveram
contacto com o ex-presidente foi Fernando Santos Mendes – mais conhecido por
Fernandinho dos Angolares – um português de Viseu que foi para S. Tomé em 1952
e lá faleceu em 2013. A sua bisavó era natural de S. Tomé – Josefa Quaresma de
Ceita – e os pais chegaram à Ilha nos primeiros anos do século XX. Fernando
Mendes convidou Mário Soares para almoçar uma ou duas vezes e confessou-me não
ter sido incomodado pela Pide.
Apesar
de tudo, Soares teve a oportunidade de defender (pro bono) um funcionário da
Alfândega acusado de desvio de bens. Um caso vulgar mas que, por toda a
envolvência, acabou por ter grande repercussão na ilha. Julgamento de sala
cheia, dizia-me o meu pai, que assistiu. E quando Mário Soares e toda a gente
pensava na absolvição do réu, eis que a sentença produzida foi a condenação a
13 anos de prisão. Mário Soares, como eu escrevo em Escravos do Paraíso, nunca se havia sentido tão vexado na sua vida
profissional, servindo-lhe apenas de consolação o facto de a sentença ter sido
depois anulada pelo Tribunal da Relação de Luanda. Ficou, assim, patente aos
olhos de todos, que a sentença tinha sido “dirigida politicamente” a Mário
Soares.
Foi
com ele que a política se afirmou nos meus ouvidos e na minha consciência,
sobretudo pela sua atitude e foi particularmente a sua combatividade que me
motivou (ainda antes da Ala Liberal de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão). Muitos
anos depois tive o privilégio de o acompanhar na Presidência Aberta em Viana do
Castelo (vindo-me à ideia o seu contacto com os pescadores e a simplicidade de um
almoço informal de arroz de cabidela do qual não esqueço alguns pormenores
curiosos); com ele me cruzei de novo em Macau, na inauguração do Aeroporto, e
acompanhei a sua viagem a Tóquio, já no âmbito da sua presidência da Comissão
Mundial Independente Sobre os Oceanos (1995-1998) que Mário Ruivo dinamizou por
indicação da ONU. Mais recentemente, tive a oportunidade de lhe oferecer em
Moimenta da Beira dois dos meus livros: "DA
BEIRA! Alguns Poemas e Uma Carta Para Aquilino", o Mestre que ele admirou,
como se sabe, e SEIOS ILHÉUS - como
que uma recordação simbólica do tempo que passou em S. Tomé.
Mário
Soares – um combatente pelas liberdades. E por isso foi escolhido para presidir
à Comissão de Liberdade Religiosa no tempo de José Sócrates no cargo de 1º
Ministro: "A vida pessoal e política de Mário Soares habilita-o a qualquer
tarefa que tenha a ver com a liberdade e muito mais com a liberdade religiosa,
que é um dos pilares das sociedades democráticas modernas”. MÁRIO SOARES respondeu: " Sou neutro em
matéria de religião, mas reconheço a importância da religião e das Instituições
Religiosas, particularmente no mundo conturbado de hoje, com o exacerbamento
dos fanatismos religiosos. SOU AMIGO DE TODAS AS LIBERDADES"!
Um Homem
a quem a Democracia Portuguesa e os portugueses ficam a "dever" uma
importante quota-parte. Manuel Alegre, com quem se incompatibilizou nas
presidenciais de 2006, acaba de classificar Mário Soares como “o construtor
principal da democracia”.Como disse, nem sempre foi de relacionamento fácil. Apesar
disso, outras figuras como o ex-presidente Ramalho Eanes dizem ter “uma grande
consideração por Mário Soares enquanto batalhador pela democracia”, embora não
tenha estima pessoal. Simultaneamente, embora possa parecer um paradoxo, foi um
homem de afetos e cultor de amizades. E um homem de Cultura, muito à semelhança
dos oito presidentes da Iª República. Que pensou o mundo e sobre ele escreveu
muito, como se pode verificar pela extensa bibliografia. E que amou a Poesia e
grandes Poetas – como é exemplo a seleção que José da Cruz Santos editou para o
jornal Público. E esse poema para a mulher, Maria Barroso – trave mestra da sua
estrutura familiar e cuja perda lhe terá acelerado o caminho para o final desta
sua passagem. Poema escrito na prisão do Aljube em 22 de Fevereiro de 1962:
PARA TI, MEU AMOR
Para ti,
Meu amor,
Levanto a voz,
No silêncio
Desta solidão em que me encontro.
Sei que gostas de ouvir,
A minha voz,
Feita de palavras ternas e doces
Que invento para ti
Nos momentos calmos
Em que estamos sós.
Sei que me ouves
Agora
- Uma vez mais –
Apesar da distância
E do silêncio.
O amor,
Querida,
Opera esse milagre,
Simples,
Como tudo o que é natural:
Ouvir,
Bem no fundo do coração
As palavras não ditas
Mas sentidas;
Adivinhar,
Bem ao nosso lado,
A presença,
Insubstituível e certa
Do ausente
- Presença inconvertível
Em ausência,
Por maiores que sejam a distância
E o silêncio!
E
depois há todo esse caminho que levou ao 25 de Abril de 1974 e à consequente
descolonização – tardia e, sobretudo por isso, atabalhoada e traumática para os
atingidos. É um tema complexo ao qual voltarei a dar especial atenção, tendo em
conta particularmente o que vem sido dito e escrito – quantas vezes de forma mais
emotiva do que racional, quantas vezes disparando em várias direções – com
desconhecimento e com disparates, sem preparação de análise das conjunturas
nacionais e internacionais nas várias épocas em perspetiva. Acusações
infundadas e demagógicas a Mário Soares há de sobra. Só valem as que se
reportarem à sua luta pela liberdade no seu país, contra a ditadura. Há muitas
outras figuras de maior responsabilidade – como são Salazar e Caetano, que não
perceberam o espírito do tempo; depois Spínola e Costa Gomes a juntar à
Coordenadora do MFA. Como disse Melo Antunes – ideólogo maior do Movimento – “o
processo de descolonização foi das coisas mais difíceis, mais dramáticas e mais
trágicas que aconteceu em Portugal. Sei que se cometeram erros e assumo as
minhas responsabilidades”.
António Bondoso
Jornalista
7 de Janeiro de 2017.
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