ALGUMAS FIGURAS DA
MINHA VIDA.
Apresento-vos hoje o HELDER FERNANDO, um companheiro que é um resistente nos princípios e valores da justiça democrática…e que ainda respira e transpira «informação e comunicação» por todos os poros da vida.
Ouvi
a sua voz à distância – um traço entre Porto e Lisboa – estava a (re) nascer a
Democracia Portuguesa em finais da década de 70 do século XX e tinha eu vindo
de S. Tomé e Príncipe e ele de Moçambique.
Mas o clima, talvez o PREC ou ainda e de novo a aventura de saber outros lugares, colocaram a «rota de Macau» na vida de HÉLDER FERNANDO nos primeiros anos da década de 80. Foi lá que o «conheci» pessoalmente já no último lustro do século XX, na Rádio e no semanário A Tribuna de Macau. Um tempo atribulado, inquieto, a caminho da Administração Chinesa do Território, depois de uma «presença» portuguesa de mais de 400 anos.
1
– Helder Fernando. África e Ásia, ano após ano, e agora o repouso na ponta
ocidental da Europa. Tanto mundo, Helder! Sempre com a Rádio na «bolsa» do
coração?
*** “Sim, sempre com a rádio no coração em tempos e continentes diferentes, tentando acumular concepções, orientações e até motivações vividas, inclusivamente opostas. A partir de 1983 até 2015, a palavra escrita complementou a radiófonica, nenhuma sendo eco ou emenda da outra”.
2 – Foste
sucumbindo às mudanças? Reagiste? Ou conseguiste sempre condicionar e limitar a
«moldura» de cada lugar?
*** Sucumbir no sentido de não poder resistir ou ir-me abaixo em forma de negação, naturalmente não - até pela razão do apoio à essência real do que motivou essas mudanças: a opressão, a ditadura, a usurpação territorial. O que levou, como sabemos todos, à Revolucão do 25 de Abril, seguida da democratização do regime, à descolonização e à transferência da administração portuguesa em Macau para a RPC, por exemplo. Com as indecisões, erros, avanços compridos e recuos demasiados que cada um de nós pode interpretar como entender.
### Mas foste e tens sido um «resistente»…
*** Sim, resisti e resisto com o que pude e vou podendo, contra a obscuridade
mesquinha e velhaca dos que se artilham pesadamente, agora já com poucos
disfarces, contra o regime democrático, minando-o em cada sector,
diabolizando-o em cada palmo de terreno; tal como fizeram e fazem contra tudo o
que seja a dignificação e justiça social, embora bolsando o contrário. Com
impudentes palavrinhas mansas, falsos modernismos de fancaria ou patética
gritaria boçal, é como alguns bem instalados vão tentando convencer os mais
distraídos.
Com os meios ao alcance, em jornais e na rádio, fui vivendo décadas de algum ativismo por um lado, e denúncia por outro. Uma reportagem no local, pode valer mais que mil discursos; uma entrevista bem dirigida pode ser mais esclarecedora que muitos debates. Meio século percorrido profissionalmente na denominada comunicação social, 10 anos em Moçambique, 8 em Portugal e 32 em Macau, senti-o, como tantos de nós, com picos de enorme responsabilidade e emoção indescritíveis, e momentos assaltados pela dúvida, pela desilusão, pelo quase abalo.
3
– A Rádio sobretudo, a comunicação, a escrita, a palavra, o Jornalismo, a
imagem, mensagens com muito conteúdo são memórias boas!
*** A experiência de, na rádio, integrar a cobertura em direto da Independência de Moçambique, na circunstância longe dos palcos principais, colocado numa carrinha-rádio, nos subúrbios de Maputo, juntamente com uma repórter moçambicana formada num país de Leste, e um motorista, tentando retratar as reações populares longe da pirotecnia barulhenta, luminosa ou discursiva no estádio da Machava onde descia uma Bandeira e subia outra, foi das mais marcantes lições humanas e profissionais que recebi. Tal como, logo posteriormente, as múltiplas iniciativas espontâneas e oficiais que acompanhei. Guardo que foram as 'molduras' mais significantes que vivi e relatei.
4 – E em Macau, na Transferência de Administração… Acompanhámos/Vivemos as cerimónias
juntos nos estúdio da Rádio Macau. Emoções fortes…
E o tempo depois? Correspondeu às expetativas?
*** Exatamente. Duas dúzias de anos
depois, a oriente, a mesma Bandeira descia para outra definitivamente subir.
Apenas as particularidades fundamentais foram semelhantes. Nos
contextos históricos, bastantes diferenças; a 'questão de Macau', as
variantes do relacionamento Portugal-China foram factores que
estabeleceram e estabelecem outros olhares, naturalmente alguns outros
sentires. A emoção do relato do momento e dos momentos posteriores, foi grande,
mas a coreografia da alegria obedeceu ao estético vigente. Ambos
vivemos esse histórico virar de página. Muito mais rico foi o experimentado
tirocínio dos anos seguintes: ver, escrever e falar sobre o
desenvolvimento da região, acompanhar a quase completa transformação,
organização social e administrativa de Macau. Com curvas apertadas,
travagens, derrapagens, decisões críticas, mas imparável modernização.
5
– E em Portugal, Helder, voltando um pouco atrás…ainda há mensagens de conteúdo
que «passem» nos média portugueses?
*** Na comunicação social em Portugal a preocupação com o rigor já teve
melhores dias. Com as pontuais excepções conhecidas, jornais e
audiovisuais atropelam-se na constância dos lugares-comuns, na
confrangedora falta de memória, no seguidismo de modas e vassalagens.
Estão com dificuldades financeiras e vão definhando e morrendo.
Sobretudo perdendo credibilidade. 'Jornais de referência' é praticamente
coisa do passado. Preocupante a imensidade de jornalistas a salário mínimo ou
estágios sem receber, com carência de crítica profissional, maltratando o
nosso idioma, ofendendo a deontologia, alguns cheios de maneirismos
envaidecendo-se com os holofotes, a fatiota e o penteado, balbuciando textos
copiados e colados, de canal para canal, de jornal para jornal,
desbaratando os benefícios da era digital. Não fosse alguma imprensa
regional respirando cultura e sentido ético, juntamente com um punhado de
profissionais ainda resistentes, e uns poucos que vieram dar ao jornalismo a
dinâmica e a clareza com o tecnicismo destes dias, mais um reduzido número de
analistas e opinantes estudiosos e competentes, independentemente dos pontos de
vista, e já nem valeria a pena olhar para os títulos pendurados num
quiosque, ou saber das notícias para além das que nos chegam ao minuto, ao
telemóvel.
Será bom lembrar que, apesar do universo da nossa Língua ser relativamente reduzido em Macau, e apesar de outras dificuldades, os jornais de língua portuguesa ali publicados são profissionalmente muito mais eficazes, capazes e indispensáveis do que muita imprensa entre nós.
6 – E os livros? E a Poesia? Companhia permanente, sendo tu um homem de Cultura. Há uma «Literatura» pujante em Portugal?
*** Felizmente os nossos poetas e prosadores em atividade prosseguem encantando-nos, pensando connosco e desbravando-nos caminhos. Na ficção mostrando-nos realidades, na poesia suscitando-nos paletas para meditar, no ensaio perspectivando a nossa reflexão. As comunidades de jornais na internet, alguns muitíssimo bem conseguidos, mais os bloggers e diferenciados autores de posts, por vezes podem mostrar-nos prejudiciais farrapos disparatados mas, por outro lado, consumindo com critério as novas estradas tecnológicas, temos muitos exemplos que nos habituam à rapidez de reflexão, a conjuntos de concepções e ideias não imaginados, a propostas de terminologias novas, sobretudo extensa pluralidade com carácter de urgência.
6
– Não me esqueço – como poderia – da (con) vivência com Estima de Oliveira. Tu
e ele foram figuras decisivas na minha aventura da Poesia, com aquele EM MACAU
POR ACASO (1999) …
*** Mesmo estando desativado profissionalmente, sinto a felicidade de ainda
conviver, não tanto como gostaria, com artistas, poetas e prosadores
africanos, europeus e asiáticos. No necessário enquadramento social destes
dias, faço por mantê-los como minha companhia, consumindo o possível
do que escrevem, dizem, pintam, tocam, enfim constroem cultura nas
variadas polissémicas e metafísicas.
Para personalizar o primeiro exemplo, permite-me sublinhar que, mesmo à distância, vou acompanhando a tua atividade literária, António
Bondoso, muito ajudado, é certo, pela generosidade que
possuis. Ou a exemplar e pujante criatividade do poeta e prosador
António Correia, que por Macau, Ceará, ou da sua Casa da Poesia em
Resende, nos enche a alma de palavras mágicas. Como, também, o poeta e
médico José Brites Inácio que, como observas, camarada, nas tuas Palavras
em Viagem, ‘canta as belezas da vida e do Douro’. Como António Conceição
Júnior, luminoso artista de tantas artes e da palavra profunda, o mais
portuense de todos os portugueses do oriente. Ainda como o nosso querido
Alberto Estima de Oliveira que por Angola, Macau e Portugal nos inundou de
multiculturalismo, de genial visão do mundo, de poemas inesquecíveis, obra
literária que tanto marcou e marcará tantos; mesmo não morando por aqui, o
Alberto habita bem presente nas leituras, nas memórias, nos estudos académicos
sobre o que escreveu. A palavra poética dele também inspirou o virtuoso
violinista Carlos Damas, com concertos por todo o mundo, que morou em Macau, e
que por volta de 1999, comigo se juntou em estúdio, para o registo formal
desses encontros quotidianos da palavra.
Para mencionar ao de leve apenas alguns amigos comuns, ficando imensos por referir.
### Claro que sim. Sei que o teu «arquivo» é imenso. Mas agora é o Algarve…O Algarve para descanso do espírito e nova oportunidade de conhecer «o Puto»…e de provar e saborear um excelente Terras do Demo.
Helder
Fernando – de Moçambique a Macau, onde o conheci na Rádio. Por ali trabalhámos
juntos, não me esquecendo de que ele valorizou – dando-lhe voz – o meu projeto
“MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA”, uma série de 31 programas que passaram em
muitas rádios locais em Portugal, nesse ano de 1999.
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António
Bondoso
Janeiro
de 2022.
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