2022-08-23

O LONGO BRAÇO DO PASSADO – ou a escrita vigorosa e assertiva de RUI DE AZEVEDO TEIXEIRA sobre o chão que foi «pisando» e sobre a diversa natureza humana que o foi enriquecendo ao longo da vida e em latitudes e circunstâncias várias, remetendo para o protagonista “Paulo de Trava Lobo” – «imagem» central do anterior O ELOGIO DA DUREZA – alguns traços da sua vincada personalidade. Mesmo sabendo que o autor rejeita qualquer ideia de autobiografia. 


Com frontalidade, argúcia e rigor, bebidos em estudo e em conhecimento profundos, o autor faz desfilar nas viagens experimentadas de Paulo de Trava Lobo o argumento:

«Universidade, Porto, Angola, Comandos, Guerra, Sexo, Paixões várias – quentes e intensas – mas o Amor da sua vida vertido na sua mulher Iza, Alemanha, Angola de novo mas já como “cooperante”…conhecedor, professor e amante de Literatura, um tempo difícil de aventura e de afirmação de caráter, antes do seu regresso «esgotado» ao “Puto” pela segunda vez: «Ia para a bela e brutal terra da palanca-negra cheio de garra e voltava a Portugal de rastos».

         Talvez um estado depressivo, depois de uma agitada permanência numa Angola que foi e que já não era, tal como hoje – uma Angola que passou e que já não é, embora continue a ser um país “esquemático” e onde “o tempo sobra sempre”. Nesta segunda vez, Paulo percebe toda a estrutura do que lhe disseram ser uma “Ditadura Democrática”. E naquele espaço entre Luanda e a Huíla, percorrendo a magia e os perigos das belas curvas da Serra da Leba – capa lindíssima! – Paulo entende a guerra fratricida, não só MPLA/UNITA mas no seio do próprio MPLA, e vai sabendo como funciona o regime tirano suportado por namibianos, cubanos, russos e outros países de Leste, por oposição aos “Carcamandos e Kwashas”. E a «cooperação» apressada, mal orientada – ou melhor – orientada ideologicamente e pela qual Paulo foi contornando os «pingos da chuva» sem stress, graças também ao seu conhecimento do tempo antes, o tempo da tropa que manda e que mata, os Comandos. 



Bastou devorar as primeiras quarenta páginas para perceber que estava perante um dos mais belos romances sobre uma das «minhas Áfricas». Sobretudo, identifico-me com o romance. Pelas memórias, vividas ou lidas; pela beleza crua da escrita que sabe conciliar a urbana simplicidade do falar com o erudito conhecimento cultural e histórico do autor.

         O regresso de Paulo de Trava Lobo ao Porto não foi fácil. O «estado depressivo» seguiu, tornando-se um “homem de tascas” que passava os dias “entre copos e ressacas”, comprometendo a sua relação com Iza. E havia ainda um fortíssimo «grito» da búlgara Diana, cooperante como ele na Huíla e que, depois de chantageada pelos seus camaradas comunistas, levaria Paulo e os amigos angolanos à construção de um acidente mortal que «despacharia» o espião Dimitrov na Leba. Por isso, e tendo em conta “causas e consequências”, uma acalmante viagem à Bulgária para colocar o passado recente no armário. Mas, não muito depois do regresso, um acidente rodoviário por força do álcool, colocou Paulo às portas da morte. Iza, apesar de tudo, foi o amparo do «esqueleto quase desfeito».

         Outro tipo de instabilidade vivia-se na Universidade, onde dominavam a intriga e a hipocrisia. Paulo não alinhava. E a tábua de salvação teve mais uma vez a mão de Iza que o encaminhou para a Alemanha e para o doutoramento em «Camões», o que o levaria depois à ULL, no Campo Grande, e aonde chegaria de novo a «chantagem» do “Longo Braço do Passado”, antes da felicidade plena com Iza. 



António Bondoso

Agosto de 2022. 



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