2022-12-07


O «JOGO DE ESPELHOS» DOS DIREITOS HUMANOS…ou a hipocrisia do mundo em que vamos sobrevivendo. A propósito do 74º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, noto que o «reflexo de nós» se esbate e se esquece, perante as evidências de outros bem mais longe. 




Da Web

Numa época em que se assiste, quase sistematicamente, à violação dos direitos da pessoa humana, individuais e coletivos, é fundamental chamar a atenção para o 74º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se assinala em 10 de Dezembro de 2022.

Com a Carta das Nações Unidas (1945) e a DUDH de 1948, os direitos humanos, pela primeira vez instituídos na revolução americana de 1776 e na revolução francesa de 1789, deixaram de ser uma questão simplesmente nacional, um domínio “doméstico” coberto pelo princípio da não ingerência da comunidade internacional nos “assuntos internos” dos Estados.

Assédio moral, assédio laboral, coação física e psicológica, violação do Direito Internacional, guerras civis, crise de refugiados, crises ambientais, pobreza e miséria, corrupção e criminalidade organizada – situações que têm merecido a preocupação da Organização das Nações Unidas e particularmente do Secretário-Geral António Guterres, que tem vindo a apelar a uma maior consciencialização dos países e dos seus cidadãos, nomeadamente dos jovens.

Iraque, Síria, Palestina, Israel, Líbia, África Central, Somália, Iémen, Birmânia/Myanmar, Venezuela, Tailândia, Catar, Arábia Saudita, Irão, Colômbia, Guiné Equatorial, são exemplos crónicos que nos assaltam a mente há décadas a esta parte. Mas, recorrendo a uma boa memória e às estatísticas da Amnistia Internacional, por exemplo, os casos multiplicam-se, muito para além das notícias que nos embaraçam hoje – como a Rússia e a Ucrânia – também a China, todo o Médio Oriente, os Balcãs, a Indonésia, Índia, EUA, Egito, Nigéria, Marrocos, Cuba, Angola, Brasil, e o «relatório» vai seguindo sem excluir – naturalmente – Portugal ou a Guiné-Bissau. E a tristeza que me invade aumentou exponencialmente nos últimos dias, com acontecimentos igualmente hediondos e alegadamente tendo por base um «golpe» ou «tentativa de golpe» ou até mesmo uma «inventona» em S. Tomé e Príncipe – o meu País do Sul. As imagens de uma brutal violência circularam, cruzaram oceanos além das Ilhas do Equador, o PR não falou mas substituiu as Chefias Militares, o 1ºM terá falado demais e, entretanto, já viaja – mesmo estando a decorrer as investigações que supostamente vão esclarecer o sucedido – e a ONU enviou já uma «delegação» àquele pequeno país insular de língua oficial portuguesa. A CPLP, mais uma vez, caiu na omissão pública.

Para quebrar o silêncio, um grupo de cidadãos empenhados e implicados na busca de uma «verdade» aceitável, enviaram uma carta ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para que o assunto não venha a cair no esquecimento. Os «Promotores» pretendem que ele “exerça a sua magistratura de influência para impedir mais derramamento de sangue e ilegalidades similares em São Tome e Príncipe”.



Da Web

António Bondoso

7 de Dezembro de 2022.

***  Anexo a Carta (transcrita de um documento em pdf):

Excelentíssimo Senhor Engenheiro António Guterres

Secretário-Geral das Nações Unidas

 

“A promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades

fundamentais (...) das pessoas (...) contra o excessivo USO

da força, a tortura e outras violações dos direitos humanos

por agentes da lei! (...).

António Guterres

 

EXCELÊNCIA,

Começamos esta carta com palavras retiradas de um dos seus discursos na 434

sessão 432 Sessão da Comissão dos Direitos Humanos da Nações Unidas, em

Junho de 2020.

Somos um grupo de cidadãos e amigos de São Tome e Príncipe, pequeno pais

do Golfo da Guiné que na semana passada experienciou o mais trágico momento

da sua história nos últimos 50 anos. Por isso, esse grupo decidiu endereçar-lhe a

presente missiva, de forma manifestar a Vossa Excelência a nossa consternação

face à atual conjuntura política de insegurança coletiva que vivemos no pais, a

partir do passado 25 de novembro, data em que foi anunciada uma alegada

tentativa de golpe de Estado, ocorrida na noite anterior.

Foi com choque e horror crescente que fomos seguindo as noticias, em primeira

mão veiculadas oficialmente pelo Senhor Primeiro-Ministro e Chefe do Governo,

Patrice Trovoada, qualificando os factos como tentativa de golpe de Estado,

proferindo acusações expressas a presumíveis mandantes e anunciando de forma

tranquilizadora à população, a não ocorrência/existência de vitimas mortais.

Foram nesse contexto apontados como responsáveis o ex-Presidente da

Assembleia Nacional, Delfim Neves e o Senhor Arlécio Costa, ex-

comandante do mercenário Batalhão Búfalo, os quais já tinham sido retirados

das suas residências e detidos pelos militares de madrugada, quando se

encontravam com as respetivas famílias, sem mandato judicial ou qualquer base

legal.

No próprio dia, foram-se sucedendo as informações, por via oficial ou outra,

destacando-se, primeiro, a do Vice-Comandante geral da Forcas Armadas e do

Comandante-geral da Forcas Armadas, cerca de 24 horas depois, que vieram

corroborar as afirmações do Primeiro-Ministro.

Tudo perante um absoluto silêncio de S.Exa. O Presidente da Republica, que é

nos termos da Constituição, o Comandante em Chefe das Forcas Armadas; este

apenas quebrou o silêncio, quando ja eram passadas cerca de 48 horas!!!

EXCELÊNCIA,

Qual não foi o espanto de todos, quando a meio da manhã do dia 25, começaram

a surgir imagens aterradoras, em fotos e vídeos, de varias pessoas, vivas, de

mãos atadas com cordas, atrás das costas, com escoriações e feridas abertas,

ensanguentadas e expostas no átrio do quartel do morro, palco do alegado

atentado. Dentre essas pessoas encontrava-se o Senhor Arlécio Costa,

visivelmente espancado, mas vivo.

No fim da manhã, circularam informações confirmadas, nomeadamente pela voz

do Vice-Comandante Geral de que, afinal, havia 4 mortos alegadamente

resultantes dos confrontos durante o assalto o quartel.

Verificaram-se, no entanto, um rol de declarações oficiais contraditórias, mal

sustentadas e desmentidas de modo flagrante pelos factos que se foram sendo

conhecidos: fotos e vídeos diversos que foram vazando nos media, colocados por

pessoas que do interior do quartel os foram disseminando.

Em suma, pode-se constatar, que na sequência de uma alegada tentativa de

“golpe de Estado”, 4 santomenses foram friamente torturados e mortos no

quartel-geral das Forças Armadas, diversos outros foram torturados e continuam

detidos e o ex-Presidente da Assembleia Nacional, Dr. Delfim Neves foi

legalmente detido em sua casa, repetimos sem mandato judicial ou qualquer

base legal. Não fosse a pronta e ativa intervenção na comunicação social (online)

de alguns cidadãos santomenses e amigos de STP, provavelmente, o seu destino

teria sido semelhante ao do Sr. Arlécio Costa.

Resta frisar que cerca de 48 horas após o desencadear das operações em apreço,

o Comandante-Geral da Forças Armadas veio a público pedir a sua “demissão”,

com a justificação de que teria sido enganado e alvo de traição.... Afirmou ainda

que tudo teria sido parte de um plano devidamente orquestrado pelos que o

traíram.

À natureza e dimensão dos atos de terror e perseguição ora referidos

constituem total novidade no nosso país, onde impera no presente um clima

generalizado de medo, por receios justificados de caça as bruxas, revanchismo,

e tentativa de implantação de métodos ditatoriais, aos quais os atuais dirigentes

políticos do pais já em tempos atras, nos habituaram. Existem inclusive atos de

perseguição a cidadãos na praça publica, no normal exercício dos seus direitos

constitucionais.

As ocorrências acima descritas violam flagrantemente os direitos fundamentais

do povo e a Constituição de São Tome & Príncipe, cujos dirigentes políticos em

exercício juraram obedecer, hã pouco menos de um mês.

Assim, estamos convictos de que se torna imprescindível que tudo seja feito para

um CABAL APURAMENTO DOS FACTOS (e respetivas RESPONSABILIDADES

CRIMINAIS, POLITICAS e CIVIS) que (1) deram origem a alegada tentativa

de golpe de Estado; (2) que originaram as detenções ilegais, sevicias,

tortura e mortes.

Cientes, também, de que Vossa Excelência vem seguindo de perto o desenrolar

dos acontecimentos atrás descritos, através dos representantes locais do sistema

das Nações Unidas;

Cientes igualmente das pressões que aos níveis interno e eventualmente externo

se vão/estarão a exercer, em diversos quadrantes, para evitar ao máximo, uma

investigação objetiva, transparente e imparcial;

EXCELÊNCIA,

Nós, os assinantes desta carta, rogamos que interceda a favor do Povo de São

Tome e Príncipe, enquanto país membro da Nações Unidas no sentido de:

1. Facilitar mecanismos internacionais disponíveis e eficazes para levar a

cabo tal investigação;

2. Exercer a Vossa magistratura de influência para impedir mais

derramamento de sangue e ilegalidades similares em São Tome e Príncipe.

Somos um “povo de brandos costumes” e gostaríamos de continuar a sê-lo. Nos

dias que correm este é decerto um dos nossos principais valores e um dos nossos

trunfos, pelo que não podemos dar-nos ao luxo de os perder.

Estamos certos de que V. Exia, como português, compreenderá a angústia da

nossa atual existência.

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