O «JOGO DE ESPELHOS» DOS DIREITOS HUMANOS…ou a hipocrisia do mundo em que vamos sobrevivendo. A propósito do 74º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, noto que o «reflexo de nós» se esbate e se esquece, perante as evidências de outros bem mais longe.
Numa época em que se assiste, quase sistematicamente, à violação dos
direitos da pessoa humana, individuais e coletivos, é fundamental chamar a
atenção para o 74º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que se assinala em 10 de Dezembro de 2022.
Com a Carta das Nações Unidas (1945) e a DUDH de 1948, os direitos humanos,
pela primeira vez instituídos na revolução americana de 1776 e na revolução
francesa de 1789, deixaram de ser uma questão simplesmente nacional, um domínio
“doméstico” coberto pelo princípio da não ingerência da comunidade
internacional nos “assuntos internos” dos Estados.
Assédio moral, assédio laboral, coação física e psicológica, violação do
Direito Internacional, guerras civis, crise de refugiados, crises ambientais,
pobreza e miséria, corrupção e criminalidade organizada – situações que têm
merecido a preocupação da Organização das Nações Unidas e particularmente do
Secretário-Geral António Guterres, que tem vindo a apelar a uma maior consciencialização
dos países e dos seus cidadãos, nomeadamente dos jovens.
Iraque, Síria, Palestina, Israel, Líbia, África Central, Somália, Iémen,
Birmânia/Myanmar, Venezuela, Tailândia, Catar, Arábia Saudita, Irão, Colômbia, Guiné
Equatorial, são exemplos crónicos que nos assaltam a mente há décadas a esta
parte. Mas, recorrendo a uma boa memória e às estatísticas da Amnistia
Internacional, por exemplo, os casos multiplicam-se, muito para além das
notícias que nos embaraçam hoje – como a Rússia e a Ucrânia – também a China, todo
o Médio Oriente, os Balcãs, a Indonésia, Índia, EUA, Egito, Nigéria, Marrocos, Cuba,
Angola, Brasil, e o «relatório» vai seguindo sem excluir – naturalmente –
Portugal ou a Guiné-Bissau. E a tristeza que me invade aumentou
exponencialmente nos últimos dias, com acontecimentos igualmente hediondos e
alegadamente tendo por base um «golpe» ou «tentativa de golpe» ou até mesmo uma
«inventona» em S. Tomé e Príncipe – o meu País do Sul. As imagens de uma brutal
violência circularam, cruzaram oceanos além das Ilhas do Equador, o PR não
falou mas substituiu as Chefias Militares, o 1ºM terá falado demais e,
entretanto, já viaja – mesmo estando a decorrer as investigações que
supostamente vão esclarecer o sucedido – e a ONU enviou já uma «delegação» àquele
pequeno país insular de língua oficial portuguesa. A CPLP, mais uma vez, caiu
na omissão pública.
Para quebrar o silêncio, um grupo de cidadãos empenhados e implicados na busca de uma «verdade» aceitável, enviaram uma carta ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para que o assunto não venha a cair no esquecimento. Os «Promotores» pretendem que ele “exerça a sua magistratura de influência para impedir mais derramamento de sangue e ilegalidades similares em São Tome e Príncipe”.
António Bondoso
7 de Dezembro de 2022.
***
Excelentíssimo
Senhor Engenheiro António Guterres
Secretário-Geral
das Nações Unidas
“A promoção e proteção dos direitos
humanos e liberdades
fundamentais (...) das pessoas (...)
contra o excessivo USO
da força, a tortura e outras violações
dos direitos humanos
por agentes da lei! (...).
António Guterres
EXCELÊNCIA,
Começamos esta carta com palavras retiradas de um dos
seus discursos na 434
sessão 432 Sessão da Comissão dos Direitos Humanos da
Nações Unidas, em
Junho de 2020.
Somos um grupo de cidadãos e amigos de São Tome e Príncipe,
pequeno pais
do Golfo da Guiné que na semana passada experienciou o
mais trágico momento
da sua história nos últimos 50 anos. Por isso, esse grupo
decidiu endereçar-lhe a
presente missiva, de forma manifestar a Vossa Excelência
a nossa consternação
face à atual conjuntura política de insegurança coletiva
que vivemos no pais, a
partir do passado 25 de novembro, data em que foi
anunciada uma alegada
tentativa de golpe de Estado, ocorrida na noite anterior.
Foi com choque e horror crescente que fomos seguindo as
noticias, em primeira
mão veiculadas oficialmente pelo Senhor Primeiro-Ministro
e Chefe do Governo,
Patrice Trovoada, qualificando os factos como tentativa
de golpe de Estado,
proferindo acusações expressas a presumíveis mandantes e
anunciando de forma
tranquilizadora à população, a não ocorrência/existência
de vitimas mortais.
Foram nesse contexto apontados como responsáveis o
ex-Presidente da
Assembleia Nacional, Delfim Neves e o Senhor Arlécio
Costa, ex-
comandante do mercenário Batalhão Búfalo, os quais já
tinham sido retirados
das suas residências e detidos pelos militares de
madrugada, quando se
encontravam com as respetivas famílias, sem mandato
judicial ou qualquer base
legal.
No próprio dia, foram-se sucedendo as informações, por
via oficial ou outra,
destacando-se, primeiro, a do Vice-Comandante geral da
Forcas Armadas e do
Comandante-geral da Forcas Armadas, cerca de 24 horas
depois, que vieram
corroborar as afirmações do Primeiro-Ministro.
Tudo perante um absoluto silêncio de S.Exa. O Presidente
da Republica, que é
nos termos da Constituição, o Comandante em Chefe das
Forcas Armadas; este
apenas quebrou o silêncio, quando ja eram passadas cerca
de 48 horas!!!
EXCELÊNCIA,
Qual não foi o espanto de todos, quando a meio da manhã
do dia 25, começaram
a surgir imagens aterradoras, em fotos e vídeos, de
varias pessoas, vivas, de
mãos atadas com cordas, atrás das costas, com escoriações
e feridas abertas,
ensanguentadas e expostas no átrio do quartel do morro,
palco do alegado
atentado. Dentre essas pessoas encontrava-se o Senhor
Arlécio Costa,
visivelmente espancado, mas vivo.
No fim da manhã, circularam informações confirmadas,
nomeadamente pela voz
do Vice-Comandante Geral de que, afinal, havia 4 mortos
alegadamente
resultantes dos confrontos durante o assalto o quartel.
Verificaram-se, no entanto, um rol de declarações
oficiais contraditórias, mal
sustentadas e desmentidas de modo flagrante pelos factos
que se foram sendo
conhecidos: fotos e vídeos diversos que foram vazando nos
media, colocados por
pessoas que do interior do quartel os foram disseminando.
Em suma, pode-se constatar, que na sequência de uma
alegada tentativa de
“golpe de Estado”, 4 santomenses foram friamente
torturados e mortos no
quartel-geral das Forças Armadas, diversos outros foram
torturados e continuam
detidos e o ex-Presidente da Assembleia Nacional, Dr.
Delfim Neves foi
legalmente detido em sua casa, repetimos sem mandato
judicial ou qualquer
base legal. Não fosse a pronta e ativa intervenção na
comunicação social (online)
de alguns cidadãos santomenses e amigos de STP,
provavelmente, o seu destino
teria sido semelhante ao do Sr. Arlécio Costa.
Resta frisar que cerca de 48 horas após o desencadear das
operações em apreço,
o Comandante-Geral da Forças Armadas veio a público pedir
a sua “demissão”,
com a justificação de que teria sido enganado e alvo de
traição.... Afirmou ainda
que tudo teria sido parte de um plano devidamente
orquestrado pelos que o
traíram.
À natureza e dimensão dos atos de terror e perseguição
ora referidos
constituem total novidade no nosso país, onde impera no
presente um clima
generalizado de medo, por receios justificados de caça as
bruxas, revanchismo,
e tentativa de implantação de métodos ditatoriais, aos
quais os atuais dirigentes
políticos do pais já em tempos atras, nos habituaram.
Existem inclusive atos de
perseguição a cidadãos na praça publica, no normal exercício
dos seus direitos
constitucionais.
As ocorrências acima descritas violam flagrantemente os
direitos fundamentais
do povo e a Constituição de São Tome & Príncipe,
cujos dirigentes políticos em
exercício juraram obedecer, hã pouco menos de um mês.
Assim, estamos convictos de que se torna imprescindível
que tudo seja feito para
um CABAL APURAMENTO DOS FACTOS (e respetivas
RESPONSABILIDADES
CRIMINAIS, POLITICAS e CIVIS) que (1) deram origem a
alegada tentativa
de golpe de Estado; (2) que originaram as detenções
ilegais, sevicias,
tortura e mortes.
Cientes, também, de que Vossa Excelência vem seguindo de
perto o desenrolar
dos acontecimentos atrás descritos, através dos
representantes locais do sistema
das Nações Unidas;
Cientes igualmente das pressões que aos níveis interno e
eventualmente externo
se vão/estarão a exercer, em diversos quadrantes, para
evitar ao máximo, uma
investigação objetiva, transparente e imparcial;
EXCELÊNCIA,
Nós, os assinantes desta carta, rogamos que interceda a
favor do Povo de São
Tome e Príncipe, enquanto país membro da Nações Unidas no
sentido de:
1. Facilitar mecanismos internacionais disponíveis e
eficazes para levar a
cabo tal investigação;
2. Exercer a Vossa magistratura de influência para
impedir mais
derramamento de sangue e ilegalidades similares em São
Tome e Príncipe.
Somos um “povo de brandos costumes” e gostaríamos de
continuar a sê-lo. Nos
dias que correm este é decerto um dos nossos principais
valores e um dos nossos
trunfos, pelo que não podemos dar-nos ao luxo de os
perder.
Estamos certos de que V. Exia, como português,
compreenderá a angústia da
nossa atual existência.
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