2011-07-25

À VOLTA DE MIM E DO MUNDO !


S.TOMÉ E PRÍNCIPE - UMA CAMINHADA LEVE LEVE...

Há dias, "conversando" - tanto quanto se pode conversar nas redes sociais - num fórum dedicado aos assuntos de S.Tomé e Príncipe, e tendo como interlocutor um sãotomense, ambos estranhámos o que poderei chamar de "compasso de espera" no relacionamento bilateral entre aquele país africano e Portugal, pertencendo ambos ao universo da CPLP. Entre muitas outras razões que poderão ter estado na base da nossa troca de impressões, recordo-me de ter sido referida a notícia de um eventual "esfriamento" das relações entre os dois países, particularmente objecto de notícias sobre o facto de o Primeiro Ministro de STP, Patrice Trovoada, ter vindo a Portugal por três vezes num curto espaço de tempo e nunca ter solicitado uma audiência às autoridades portuguesas. Leia-se, sobretudo, Presidente da República e Primeiro Ministro.
É um facto que a crise política portuguesa poderá ter colocado "obstáculos". Por um lado, um governo em dificuldades e, depois, um Primeiro Ministro já demissionário, talvez não encontrassem motivações para um convite ao homólogo sãotomense. Mas, de outro modo, talvez já não se perceba com idêntica clareza de acção política que razões poderiam impedir Patrice Trovoada de solicitar uma audiência às autoridades portuguesas - uma vez que, de facto, se deslocou por três vezes ao nosso país.
Terá a ver com um eventual novo rumo da política externa de STP ? Um eventual novo apelo da francofonia ? Dificuldades da indexação da Dobra ao Euro ? Relacionamento difícil com Angola, ao contrário do que aconteceu no anterior governo de Rafael Branco, que havia determinado Angola e Portugal como parceiros estratégicos ? Pressões da República Popular da China, no sentido de travar a diplomacia de Taiwan ?
Fosse pelo que fosse, ou seja pelo que seja, ( são os interesses que movem a PE dos países) seria conveniente que o eventual "problema" tivesse rapidamente solução. E se tiver que se recorrer a uma "mediação", que ela seja encontrada no âmbito da CPLP, cuja presidência pertence a Angola - país agora visitado prioritariamente pelo MNE português Paulo Portas, seguindo-se idêntica atitude por parte de Passos Coelho.
Não se criem artificialmente problemas onde eles não existem. Ou, então, onde eles não devem existir ! Leve leve, leve leve...
E para quem não lida mais atentamente com estes assuntos, e particularmente sobre STP, será interessante olhar uma pequena reflexão que eu produzi em 2008, com o título " POLÍTICA EXTERNA DE S.TOMÉ E PRÍNCIPE. DA GEOPOLÍTICA AO INTERESSE NACIONAL - QUE MODELO ?".


INTRODUÇÃO:

S.Tomé e Príncipe, arquipélago no Golfo da Guiné e um dos Estados mais pequenos do mundo, vive hoje mais um ciclo da sua existência na expectativa dos benefícios do petróleo. Produto da descolonização portuguesa na sequência do golpe militar de 25 de Abril de 1974, o novo país africano possui uma excelente situação geoestratégica e que tem merecido uma especial atenção por parte dos EUA – depois de idêntica cobiça da ex-URSS, embora em época e circunstância diferentes: nos primeiros 15 anos de independência até à queda do Muro e à implosão soviética.

Membro da CPLP, S.Tomé e Príncipe integra ainda a Comunidade Económica dos Estados da África Central [CEEAC], criada em 1983 e com sede em Libreville, no Gabão, para além de pertencer também à Comunidade Económica dos Países dos Grandes Lagos [CEPGL] – juntamente com Angola, Burundi, Ruanda e República Democrática do Congo.

A pequena dimensão do país e a instabilidade política vivida no período de abertura democrática, têm deixado marcas na condução da PE – nomeadamente o afastamento em relação à RP da China e a aproximação aos “financiamentos” de Taiwan, tal como a reaproximação a Angola depois de um período de menor cooperação. Até ao início da década de 1990, Angola manteve em STP um grande contingente militar – situação que gerou algum mal-estar com a população e com os novos decisores políticos da era da democratização.

Angola e Portugal são hoje os marcos mais visíveis da nova PE do arquipélago – a qual também passa pela CPLP e não pode deixar de fora a Nigéria, seu natural parceiro na exploração petrolífera.

Neste “quadro” – qual o melhor modelo de abordagem/análise para defender o interesse nacional?

CAPÍTULO I

DO REGIME DE PARTIDO ÚNICO À DEMOCRACIA PLURALISTA, SEM AFASTAR O ELO DE LIGAÇÃO QUE É A LÍNGUA PORTUGUESA.

“Um país não escolhe inteiramente a sua política externa”

Jaime Gama, 1985[1]



[1] - Política Externa Portuguesa 1983-1985, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1985, pp.155-160, citado por José Palmeira em O Poder de Portugal nas Relações Internacionais, Prefácio, Lisboa, 2006.

Esta afirmação de Jaime Gama, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, vale por inteiro para todos os Estados do Mundo e, sobremaneira, para o pequeno país que é S. Tomé e Príncipe. Desde logo e ainda de acordo com Jaime Gama, pela simples razão de que as condicionantes da política externa se relacionam com um conjunto de factores intrínsecos a cada país, de ordem tão diversa como a “geográfica, demográfica, económica, financeira, energética, científica, tecnológica, militar, estratégica, político-diplomática, linguística, cultural ou religiosa”.

Todos estes factores se enquadram no objecto de estudo da disciplina de Política Externa, sabendo-se quão complexa é a matéria no âmbito das Relações Internacionais – uma ciência ainda recente e à procura de consolidar os seus conceitos, os quais podem não se aplicar por inteiro e de igual modo a todos os países, especialmente a um arquipélago de reduzida dimensão como S. Tomé e Príncipe (STP).

O país tem um curto percurso de independência – desde 12 de Julho de 1975 – época de um contexto internacional de Guerra Fria, a clivagem Leste-Oeste. Nesse contexto, recorda-se o apoio fornecido pelo Bloco de Leste (órbita soviética) aos Movimentos de Libertação das ex-colónias portuguesas em África. No caso de STP a reivindicação independentista recaía no MLSTP – Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe – no seio do qual se havia verificado essa clivagem, expressa sobretudo nas figuras de Miguel Trovoada, líder pró ocidental com ligações fortes à área francófona (esteve exilado em Paris e no Gabão) e de Manuel Pinto da Costa, líder com formação académica na ex-RDA. Vencedor da querela, Pinto da Costa consolida o poder em 1972 e torna-se o primeiro Presidente do país em 1975 – dominando o partido único e o governo, na pura tradição dos regimes de inspiração soviética.

Mas, se os dirigentes professavam as doutrinas comunistas, as populações apresentavam ainda um grande défice de cultura política – resultado do obscurantismo colonialista e da doutrinação anticomunista. O curto período entre Abril de 1974 e Julho de 1975 não foi suficiente para que a população santomense pudesse reduzir a distância que a separava dos líderes, apesar de uma intensa mobilização dos jovens quadros do MLSTP. Um deles, hoje Historiador de prestígio no país – Carlos Neves[2] – considera que “este distanciamento entre a cúpula dirigente e a população no que respeitava às suas opções ideológicas seria determinante nas mudanças políticas que viriam a dar-se”.

S.Tomé e Príncipe definiu-se como um país não alinhado, filiado na ONU e na OUA, adoptando uma orientação anticapitalista e anti-imperialista. E, apesar do seu não alinhamento – reforça Carlos Neves, durante longos anos STP relacionou-se “quase exclusivamente com os países do bloco comunista, particularmente a URSS, a RDA, Cuba e a Coreia do Norte, tanto no plano económico como militar. O seu bom relacionamento com a República Popular da China viria a desfazer-se com o voto condenatório de São Tomé e Príncipe nas Nações Unidas aquando da invasão daquele país ao Vietnam”.

Com os seus vizinhos, manteve excelentes relações com Angola mas deixou esfriar o relacionamento com o Gabão – enquanto que, com Portugal, os laços de cooperação tiveram altos e baixos, fruto de complexos, equívocos e conflitos emocionais, uma herança da longa colonização e de uma descolonização não inteiramente preparada, sem timing e inadequadamente conduzida.

Até à primeira visita oficial do Presidente Ramalho Eanes a STP, em 1984,“momentos houve em que só os profundos laços de sangue, de língua e de cultura existentes entre os dois povos permitiram evitar a ruptura total entre os dois países”[3]. Depois, com a abertura política decidida em finais de 1989 e consolidada com as primeiras eleições pluralistas em 1991, a Lusofonia saltou para o primeiro ponto da Agenda da PE. E em 1998, Carlos Neves – que também foi Embaixador de STP em Lisboa – já referenciava Portugal como parceiro estratégico, podendo ambos os países tirar partido das relações com a União Europeia e com a região da África Central.

CAPÍTULO II

A INSTABILIDADE POLÍTICA INTERNA E O PETRÓLEO, COMO FACTORES PERTURBADORES DE UMA POLÍTICA EXTERNA COERENTE E DETERMINADA.

“A visão do Governo encontra na economia mais do que o fundamento da independência, o suporte da dignidade nacional. Trata-se de uma visão que pressupõe parcerias sólidas com Estados que nos permitam uma ancoragem tranquila no mundo, com aprofundamento das relações de amizade e cooperação com os países vizinhos, abertura ponderada ao mundo e uma nova relação entre o Estado e a sociedade”.

Rafael Branco, 2008

Embora se trate de uma simples introdução ao programa do seu Governo – o 13º em 33 anos de independência ou “apenas” o 11º em 18 anos de regime pluralista – não deixa de ser significativo o facto de o actual Primeiro Ministro de STP colocar a tónica da dignidade nacional na solução dos problemas económicos. A degradação da qualidade de vida das populações foi tão grande em quase todo o percurso da independência, que a expressão da revolta tem originado graves conflitos internos – particularmente os golpes militares de 1995 e de 2003.

A estes problemas não é também alheia a instabilidade política (partidária e institucional) que alguns atribuem à “inadequação da democracia – dita importada – à idiossincrasia colectiva são-tomense”[4]. Augusto Nascimento esclarece não estar em causa a democracia, mas ter-se questionado especificamente “a adequação do regime semi-presidencialista vigente até ao início do segundo mandato de Fradique de Menezes, data da adopção de uma nova constituição”. Foi a segunda revisão do texto original, sendo a primeira – da autoria do Prof. Jorge Miranda – no sentido de permitir uma transição tranquila para o regime multipartidário. Ainda de acordo com o investigador Augusto Nascimento, “a emenda constitucional foi no sentido inverso ao dos apelos da ‘rua’ e, aventam alguns, de uma dada tradição cultural africana. Com efeito, ao arrepio da pronta responsabilização da figura tutelar pelo comum da população, reduziram-se os poderes do Presidente da República, o que, atenta a conjuntura política, não lhe diminui a responsabilidade política”. No entanto, esta questão dos conflitos institucionais não começou aqui. Embora em conjunturas interna e externa diferentes, já o Presidente Pinto da Costa havia tido desinteligências com o Primeiro Ministro Miguel Trovoada – como, depois, o Presidente Miguel Trovoada com os Primeiros-Ministros Daniel Daio e Norberto Costa Alegre e também o actual Presidente Fradique de Menezes (mesmo no seu primeiro mandato) com muitos outros ocupantes do mais alto cargo da governação. Nomeadamente Maria das Neves, Maria do Carmo Silveira, Armindo Vaz d’Almeida, Damião Vaz d’Almeida, Gabriel Costa, Patrice Trovoada, Posser da Costa e Tomé Vera Cruz.

Com tantos governos, grande parte dos quais de curta duração, compreensível se torna a ideia de uma política externa ao sabor das ondas e da corrente – exceptuando, naturalmente, o período inicial de 15 anos em regime de partido único, durante o qual foi evidente a preferência de relacionamento com os países comunistas, como ficou registado no Capítulo I. Nesse período, mereceram ainda destaque as relações com as outras ex-colónias portuguesas (o “Grupo dos 5”), sobretudo com Angola. Apenas “Grupo dos 5”, pois a questão timorense estava ainda longe de ser resolvida.

Já na chamada IIª República (pós 1991), a boa vizinhança com Angola teve um compasso de espera – apesar de S. Tomé e Príncipe continuar a depender em grande escala do petróleo angolano e, mais tarde, é exactamente o petróleo a fazer o país cair nos braços da Nigéria. Leonel D’Alva, Primeiro Ministro na transição para a independência e mais tarde Presidente da Assembleia Nacional Popular, diz que não se escolhem os irmãos[5]: “E mesmo tendo em conta que a Nigéria é um vizinho muito poderoso, acontece que os lençóis de crude estão numa zona considerada comum aos dois países! E depois há o Know How, a relação de forças, a capacidade de investimento…”.

Contudo, com o desenrolar deste complexo processo, as relações com a Nigéria começaram a perder fôlego, sentindo-se as autoridades santomenses prejudicadas com a retenção de 21 milhões de dólares num banco nigeriano. É neste quadro que o relacionamento com Angola volta ao topo da Agenda da PE de S.Tomé e Príncipe, conhecendo-se as aspirações angolanas de se afirmar como país-chave no Golfo da Guiné – um objectivo essencial para valorizar a parceria com os EUA. A relação com a Nigéria vai sempre manter-se devido à Zona de Exploração Conjunta (ZEC), mas à Sonangol poderão ser reservadas assessorias especiais – eventualmente alargadas à Galp e à Petrobrás.

Não é de estranhar, por isso, que o novo MNE santomense – Carlos Tiny – se tenha deslocado prioritariamente a Luanda, sede de um dos eixos estratégicos das relações internacionais do arquipélago. Logo seguido do Primeiro Ministro Rafael Branco que, no âmbito da sua PE, elegeu excelência nas relações com Angola e Portugal, como estratégia para o desenvolvimento do país.

Em Portugal, que perdoou 22 milhões de euros de dívida de STP, Rafael Branco reforçou a estratégia ao solicitar o apoio português para o projecto de adoptar o euro como moeda oficial[6].

CONCLUSÃO

S. Tomé e Príncipe, pelo exposto, parece enquadrar-se numa definição de PE muito próxima do modelo de “Linkage”, de James Rosenau: a política externa, estando na fronteira entre o ambiente doméstico e o ambiente internacional, sofre influências de ambos – sendo, por isso, uma continuação da política interna.

Sucessivos governos de curta duração não foram ainda capazes de resolver os problemas estruturais do país – situação que obriga a captar ajuda internacional para proporcionar o mínimo de bem-estar económico e social, nomeadamente junto de Taiwan, Angola, EUA, Portugal e União Europeia.

Em Fevereiro de 2007, a escritora e jornalista santomense Conceição Lima[7] escrevia sobre “um arquipélago em busca de uma rota”, salientando que “os governos caem ao ritmo de um por ano e a ilusão por conta das receitas do petróleo só veio agravar a errância actual”.

Talvez por entender chegado o momento de ultrapassar crónicas debilidades, o actual Governo – mesmo tendo um horizonte de vida com menos de dois anos e tendo sido empossado em circunstâncias de grande instabilidade interna – partiu firmemente em busca de uma “diplomacia económica”, sustentada no que chamou de “Diplomacia de Desenvolvimento” com base em parcerias com ONGs, empresários, intelectuais, promotores culturais, académicos, confissões religiosas e meios de comunicação social. Desse objectivo, traçado em programa de governo, resultou um grupo de trabalho que definiu algumas prioridades – nomeadamente considerar “Angola e Portugal como parceiros estratégicos, devendo ser dada uma atenção especial à cooperação com o Brasil e a uma política de integração regional”[8].

Nesta relação de vizinhança e de acordo com o anexo a este trabalho, fácil se torna perceber a influência de Angola, Nigéria, Gabão e Guiné Equatorial – tendo este país já o estatuto de observador da CPLP.



[1] - Política Externa Portuguesa 1983-1985, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1985, pp.155-160, citado por José Palmeira em O Poder de Portugal nas Relações Internacionais, Prefácio, Lisboa, 2006.

[2] - Em Portugal na Viragem do Século – Língua Portuguesa: a Herança Comum, compilação de textos coordenada por Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo para a Expo-98, Assírio e Alvim, Lisboa, 1998.

[3] - Carlos Neves, idem.

[4] - Augusto Nascimento – sociólogo e investigador do IICT – em Atlas da Lusofonia, Prefácio, Lisboa, 2008.

[5] - Em Escravos do Paraíso, de António Bondoso, MinervaCoimbra,2005.

[6] - Com base em notícias da Agência Lusa e da STP Press.

[7] - Artigo publicado na revista Única, do Expresso e consultado em http://semanal.expresso.clix.pt/unica

[8] - Programa do XIII Governo Constitucional e documento das actividades realizadas nos primeiros cem dias de governação.

NOVEMBRO DE 2008.
António Bondoso.

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