PERTENÇAS...
A PROPÓSITO DA MINHA CRÓNICA DE HOJE NO JORNAL BEIRÃO.
Dulce Maria Cardoso,andando "EM BUSCA D'EUS DESCONHECIDOS"*, escreveu: "Tenho muitas vezes a sensação de não pertença. Percebo que de facto só pertenço aos meus pensamentos. Pertencemos aos nossos pensamentos. Para escaparmos do que somos temos de pensar de outra maneira. Mas não temos controlo em muito do que pensamos. Estamos condenados ao que somos capazes de pensar".
Com esta pequena citação/introdução, pretendo despertar a vossa atenção para um problema que nos divide e há de questionar sempre o facto de sermos ou termos nascido portugueses em várias partidas do mundo.
*Revista GRANTA. Portugal,I. 2013. Pgs 11-24.
A TÁTICA DO QUADRADO...
...A circunstância de ser e de sentir, ou de como a
naturalidade e/ou a nacionalidade podem conferir direitos e deveres, mas não
obrigam a sentimentos de pertença. Recordando uma recente sondagem e algumas
reações sobre o “sentir-se europeu”.
Há tempos,
no facebook, li o que entendi como
desabafo de um dos “supostos” meus amigos – desabafo comprensível mas que,
conhecendo as origens, me custou a aceitar – a propósito das circunstâncias que
o afastaram da vivência na sua terra, no seu país: “sou português por opção
forçada”. Entendi, mesmo sendo difícil perceber o paradoxo. Poderia o meu
“amigo” ter optado por ser cubano, russo, espanhol, congolês ou angolano.
Infelizmente para ele – “expulso” ou “rejeitado” que foi no seu país – veio
viver para Portugal, onde, felizmente, tinha e terá ainda muitos familiares e
alguns amigos. Contudo, a sua integração não foi fácil, quer tenha sido devido
aos antecedentes próximos que motivaram a sua vinda, quer tenha sido pelas
circunstâncias algo complexas do mercado de trabalho nesse tempo. Como são
hoje, de resto, para muitos milhares de portugueses que não conseguem escapar à
saída da “emigração”. Que, podendo de algum modo ser “forçada”, não deixa de
ser uma opção. Menos paradoxal, mas certamente uma opção. E que, por outro
lado, “obriga” muitas vezes a assumir a nacionalidade do país de acolhimento –
quando isso é permitido. Passam a ter uma ligação de direito e de facto, mas
não necessariamente de sentimentos. E a inversa, talvez não no caso do meu
“amigo”, também pode ser verdadeira. Como no meu caso, por exemplo.
Não
renegando as raízes do nascimento, pode dizer-se que me sinto português, mas
muito dificilmente me sinto europeu. E tenho a nítida consciência de que não
estou só nesta história. Tendo vivido em S.Tomé, em Angola e em Macau, posso –
talvez sem exagero – reclamar aquela usual designação de “cidadão do mundo”!
Mas, não fugindo à questão, direi simplesmente que me sinto “moimentense” com
orgulho, mas seguramente mais “africano” do que europeu ou, pelo menos, mais
“atlântico”.
Não me
sinto europeu, quando a História me confronta com a tradicionalmente difícil
relação de vizinhança com os espanhóis de Castela e Leão ou com a “retórica
velha aliança” com os ingleses – eles próprios mais “ilhéus” do que europeus;
não me sinto europeu, quando vejo a forma egoísta, insensível e de manifesta
má-fé como a UE tem vindo a tratar os “países do sul” – particularmente a
Grécia e Portugal – no combate à presente crise; não me sinto europeu, quando vejo
perdido o grande sentido de solidariedade que motivou os grandes líderes da
construção europeia como foi Jacques Delors; não me sinto europeu, quando há
uma Comissão Europeia – despida de legitimidade democrática – a dizer que vivo
acima das minhas possibilidades e que a minha “pensão” vai muito para além do
que mereço, por ter trabalhado para o Estado durante mais de trinta anos, por
ter efetuado descontos no salário mensal pelo velor máximo exigido (cerca de
43%) e depois de ter cumprido quase quatro anos de serviço militar obrigatório;
não me sinto europeu apenas por poder viajar nas estradas europeias já que, em
Portugal, ainda demoro duas horas e meia a percorrer os 140 quilómetros que
medeiam entre o Porto e Moimenta da Beira [li há tempos que as populações de
Sernancelhe, não se sentindo Durienses, se recusavam a ser assistidas no
Hospital de Lamego pois as estradas eram más]; não me sinto europeu, apenas por
poder beber vinho de boa qualidade – como dizia o eurodeputado do PSD Paulo
Rangel – ou por poder saborear a excelente cerveja Super Bock, produtos que
gozam de idêntica qualidade em outras partes do mundo, vindo à memória por
exemplo a Cuca em Angola ou até a Tsingtao da República Popular da China.
Não fui
ouvido para essa eurosondagem mas, se tivesse sido, diria sem complexos e sem
sofismas – e nada preocupado com o politicamente correto – que me sinto
português de Moimenta da Beira, onde nasci, e do Porto, onde vivo e trabalho
habitualmente há muitos anos...mas a Europa – sobretudo enquanto União – nada
me diz. O “Atlântico Moreno” (Adriano Moreira) a par da Beira a sul do Douro é
o mundo do meu olhar e do meu sentir.
António Bondoso
Jornalista – C.P.359
Agosto de 2013.
António Bondoso
Agosto de 2013
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