50 – 50…A essência dos
Povos (2)
PIRES VELOSO E OS QUATRO «DÊS» DA REVOLUÇÃO DE ABRIL:
DERRUBAR O REGIME – DESCOLONIZAR
DEMOCRATIZAR – DESENVOLVER
Em todos estes aspetos, o Senhor General Pires Veloso participou com determinação e sensatez. Não será preciso investigar muito para entender a ação do Homem e do Militar. Ainda em Moçambique, no Norte difícil, Pires Veloso não se coibiu de afirmar publicamente que a «guerra» não poderia ser vencida pelo exército português.
DE MOÇAMBIQUE AO PORTO E NORTE DE PORTUGAL COM STOP-OVER EM S.TOMÉ E PRÍNCIPE.
HÁ DUAS PERSPETIVAS que eu gostaria de
seguir nesta minha curta intervenção: - UMA DE OUVIR E PERCEBER, EM STP;
OUTRA, NO PORTO:- DE PERCEBER E CONHECER:
A verdade é que não sei, ainda hoje, quantificar o que o país lhe terá ficado a dever [não foi pouco seguramente], depois da sua intervenção em Abril de 1974 e em Novembro de 1975 [independentemente das posições tomadas e das circunstâncias em que o foram e dos “rótulos” com que o distinguiram] – tendo pelo meio uma missão tão decisiva quanto polémica na descolonização de S. Tomé e Príncipe.(...)
Foi ali que, por motivos evidentes [eu residia em S. Tomé desde 1953] tomei
contacto com Pires Veloso. Nunca pessoalmente. Mas sabia escutar e perceber.
Por essa altura – quando ele chega ainda como Governador, em finais de Julho de
1974 – eu tinha terminado precisamente os meus 43 meses e um dia de Serviço
Militar Obrigatório, e exercia a minha atividade na Rádio (o já Emissor
Regional da E.N.) como Coordenador de Programas e Redator-Locutor.
Durante várias semanas, o meu programa da noite teve como convidado especial um dos delegados do MFA e da Junta de Salvação Nacional – o hoje Almirante Cavaleiro Ferreira. Igualmente tive o privilégio de conhecer o Major Moreira de Azevedo, que viria algum tempo depois a fazer parte do Governo de Transição, previsto no Acordo de Argel. Moreira de Azevedo foi um dos militares de Abril que esteve envolvido na elaboração do programa do MFA, como que «assessorando» Melo Antunes.
PIRES
VELOSO chegou a S. Tomé já com uma ideia muito construída da situação que ali
se vivia. Sobretudo no que dizia respeito a uma certa elite dos colonos,
particularmente alguns administradores das Roças mais importantes – como era o
caso do Sr Fonseca do Rio do Ouro. Um relacionamento de choque que viria a
criar algumas situações embaraçosas para o roceiro.
Por
outro lado, era do seu conhecimento a atividade dinâmica da Associação Cívica
Pró-MLSTP, fortemente empenhada na mobilização e na politização da população
são-tomense. Nem esta nem a grande maioria dos colonos se poderiam considerar
politizados. Uma rara oportunidade havia acontecido em 1968, quando Mário
Soares foi para ali deportado, em plena Guerra do Biafra.
Até à chegada de Pires >Veloso, S. Tomé e o Príncipe viveram um «vazio de poder», pois o último Governador – Cecílio Gonçalves – havia sido forçado a partir quase três meses antes, em choque com o então Comandante Militar Ricardo Durão.
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Jorge. T. Marques - Semana Ilustrada |
A
Cívica, com liderança de Alda do Espírito Santo e de Gastão Torres, aproveitou
esse «vazio» para gerar nos colonos brancos um clima de intimidação e de
angústia. Para além de greves e de reivindicações generalizadas.
Tudo
isto era do conhecimento de Pires Veloso, informado pelos relatos diários ou
quase dos já referidos Delegados do MFA, que chegavam à COORDENADORA em Lisboa,
tal como ao ministro Almeida Santos. Até
que a corda – demasiado esticada – acabou por rebentar em 6 e 7 de Setembro de
1974. Assaltos a estabelecimentos comerciais geraram um clima de medo. E uma
boa parte dos colonos, não só brancos, acabou por se dirigir ao Palácio do
Governador. Ânimos exaltados, pedia-se proteção e uma forma de embarcar para
Portugal. Acresce que STP sempre foi uma terra de «boatos», o que ia aumentando esse clima. |
Pires
Veloso acabou por contornar a exaltação de alguns colonos, mas não podia
prometer qualquer coisa de concreto. Apenas tentou serenar os ânimos e dizer
que ia tentar falar com o ministro Almeida Santos. Sugeriu também que, quem
quisesse, poderia «resguardar-se» no Quartel da Polícia Militar.
Foi esse o meu contacto mais próximo com
Pires Veloso.
Percebi que ele tinha a noção de que a autoridade era ele. Só. Solitariamente. Na metrópole, ninguém sabia quem mandava em quem. Apesar das suas boas relações com Almeida Santos, o então Ministro da Coordenação Interterritorial, provavelmente de quem teria ouvido falar em Moçambique, pois ali viveu vários anos e exerceu advocacia. Talvez não tivessem passado despercebidas a Pires Veloso as ligações de Almeida Santos a alguns setores da oposição ao antigo regime.
Mas o mês de Setembro foi pródigo em
acontecimentos, provocados pela Cívica, fazendo salientar a perspicácia, a
sensatez e a serenidade de Pires Veloso. No dia 6, na confusão gerada, caiu
morto um cidadão são-tomense. A Cívica logo aproveitou para condenar os
militares portugueses, mas nada foi provado. Por outro lado, Pires Veloso soube
gerir a contestação da Cívica à Companhia de Caçadores 7, de incorporação
local, exigindo a sua continuação, apesar de um incidente que levou à morte de
um soldado são-tomense, no âmbito de patrulhas mistas – militares negros e
brancos.
Destaco ainda por exemplo a manifestação de várias dezenas de mulheres, vestidas de preto, em frente ao Palácio. Foi a 19 e ainda hoje esse dia é celebrado como Dia da Mulher São-tomense.
Portanto, uma das “batalhas” mais difíceis que Pires Veloso teve que travar em STP foi com a “Associação Cívica Pró MLSTP”, vulgarmente conhecida por “Cívica”. E independentemente dos “campos opostos” – foi mais tarde quase unânime a defesa do papel de Pires Veloso em todo o processo de transição. De Filinto da Costa Alegre a Alda do Espírito Santo, de Carlos Tiny a Leonel D’Alva, todos salientaram as posições de bom senso e de diálogo construtivo, para além da firmeza. Evitou o que poderia ter sido um «banho de sangue».
Voltei
a encontrar Pires Veloso meses mais tarde aqui no Porto, quando ele assumiu o
comando da RMN, como Brigadeiro. A ele recorri algumas vezes a solicitar a sua
intervenção junto das autoridades de STP no sentido de resolver situações
graves que envolviam amigos meus, quer portugueses, quer são-tomenses, presos
por denúncias de boicote económico, corrupção ou conspiração política. O sr
Vieira, dono de uma recauchutagem, Miguel Trovoada, Maria do Carmo e Albertino
Neto.
E
depois foi o Verão Quente…e mais tarde o 25 de Novembro.
Aqui,
mais uma vez os caminhos se cruzaram. Eu na Rádio, ainda E.N., e ele com a
responsabilidade de assegurar a vigência da Democracia pretendida.
Voltando ao início…ainda hoje não sei o que o País lhe ficou a dever.
Por mim…e para além da amizade, fiquei a dever-lhe uma participação decisiva na elaboração do meu livro ESCRAVOS DO PARAÍSO- Vivências de S. Tomé e Príncipe (2005, MinervaCoimbra. Pgs 35 a 70) – uma conversa a meias com a [também já falecida] sua mulher D. Maria Cândida. Ficou, assim, registada uma parte da história do país, particularmente da descolonização das Ilhas do Meio do Mundo de que ele aprendeu a gostar – apesar das reservas com que encarou inicialmente a missão para ser o último Governador da ex-colónia e, por fim, desempenhar o cargo de Alto Comissário até à independência em 12 de Julho de 1975.
«(...) Percebi que ele tinha a noção de que a autoridade era ele. Só. Solitariamente. Na metrópole, ninguém sabia quem mandava em quem.(...)».
E Alda do Espírito Santo:
(...) A Cívica, com liderança de Alda do Espírito Santo e de Gastão Torres, aproveitou esse «vazio» para gerar nos colonos brancos um clima de intimidação e de angústia. Para além de greves e de reivindicações generalizadas.(...)»
“A INDEPENDÊNCIA, SENDO A MAIOR CONQUISTA DE UM POVO, NUNCA CORRESPONDE AO NOSSO SONHO.” :
Ler completo em:
https://palavrasemviagem.blogspot.com/2025/04/a-independencia-sendo-maior-conquista.html
António
Bondoso
Junho
de 2025.