OLINDA BEJA trouxe S. Tomé e Príncipe ao PORTO AFRICANO, ainda a decorrer no Espaço Quadras Soltas, na Rua de Miguel Bombarda. Ali foi apresentado o seu livro Á SOMBRA DO OKÁ, cabendo essa responsabilidade a António Bondoso.
Foto de "Porto Africano"
Mais uma vez para falar
de S. Tomé e Príncipe – como eu gosto de conversar sobre o país! – e, neste
caso, de uma Mulher que merece todo o respeito e admiração pelo esforço que
sempre dedicou ao seu país natal…mesmo quando as condições não eram
favoráveis.
OLINDA BEJA!
Hoje, felizmente, pode dizer-se que (de alguma forma) o seu
trabalho tem vindo a ser reconhecido. No seu país e internacionalmente. E até
premiado!
Tem
já publicadas 17 obras, para além de outros trabalhos na Alemanha e na
Argentina. Basta percorrer a sua já longa e profícua bibliografia para saber. A AUTORA tem igualmente poemas e
contos traduzidos para espanhol, francês, inglês, mandarim, árabe e esperanto.
Olinda Beja
– e jogando aqui um pouco com as palavras, função que ela desempenha com
m(a)estria – Olinda Beja é SOBEJAMENTE conhecida no mundo da escrita em língua
portuguesa. Olinda Beja é a expressão acabada da Rosa dos Ventos de Almada
Negreiros: não por acaso os sangues cruzados a sul e a norte, a ocidente e a
oriente – Não foi por acaso nada de quem
sou agora!
Acrescentarei
apenas que OLINDA BEJA faz parte de um considerável “escol” de figuras de
relevo na cultura do mundo lusófono…com nascimento nas Ilhas do Meio do Mundo –
mais propriamente na Ilha de Nome Santo no seu caso – “escol” que vem de
longe…se nos lembrarmos de Costa Alegre, Mário Domingues, Francisco Stockler,
Francisco José Tenreiro, Manuela Margarido, Tomás Medeiros, Almada Negreiros,
Viana de Almeida, Marcelo da Veiga, Vianna da Mota, Sum Marky, Sacramento Neto
e Alda do Espírito Santo.
Segue-se
uma longa lista de valores mais ou menos recentes, onde despontam Albertino
Bragança, Armindo Vaz D’Almeida (recentemente falecido, tal como Armindo
Aguiar, há dias desaparecido e encontrado morto em Lisboa em circunstâncias
muito estranhas), Conceição Lima, Frederico Gustavo dos Anjos, Carlos Espírito
Santo, Jerónimo Salvaterra, Aíto Bonfim, Rufino Espírito Santo, Inocência Mata,
Lúcio Amado, Hélio Bandeira, Ludger Carvalho, Orlando Piedade, Goreti Pina, Osvaldo
da Gama Afonso e Francisco Costa Alegre.
Foto de Porto Africano
É
neste “escol” que se destaca a produção de Olinda Beja. Particularmente na
Poesia. Tudo o que escreve…tem um sentido, um toque poético. É uma Poesia
contada, cantada e representada. E como Olinda Beja tem percorrido Portugal e o
Mundo…cantando e representando o seu país natal! Como aconteceu e tem
acontecido com este delicioso
À SOMBRA
DO OKÁ.
(já
distinguido em STP com o Prémio literário Francisco José Tenreiro)
E
não faço aqui esta referência apenas por acaso.
Vamos
já perceber porquê…
Quem já tem um
exemplar, certamente perceberá (ou vai perceber) – por entendidas e eruditas
palavras/ideias dos vários prefaciadores – a qualidade literária de Olinda
Beja.
A
minha teoria, a minha leitura é outra:
Este livro é um sonho. Traduz um sonho….
Olinda sentou-se ali na
cadeira (aquela mesma na capa do livro) à sombra do OKá…e sonhou!
Foto de Porto Africano
E o livro é o resultado do sonho.
No qual há prelúdios, certezas e dúvidas…e depois
fragilidades.
Também angústias, claro, pois o futuro não é só
esperança…
E dedicatórias igualmente, em cada uma agradecendo.
Permito-me referir a de
Milé Veiga: - minha vizinha de infância e de jovem adulto…Ainda hoje nos
tratamos por Família!
À Milé Veiga
lavraste searas de ausência em teu outro húmus
teu pranto vago e terno em começo de recordação
tempo afeiçoado ao gesto
à simetria de teu corpo cambuto e gracioso
deserto de sons e horas
e diásporas de sofrimento
teceste fios de púrpura na estrada de Água Arroz
altivos mamoeiros no quintal de tua espera
e de ti nasceram risos
e abraços
e mãos de acenos fugazes
e palavras esculpidas em folhas de andala
teu ilustre papiro.
Foto de Porto Africano
Por fim as intimidades….Que se prolongam!
E Quando se pensa que
vai ser o final do livro…. Eis que as palavras brotam de novo num perfeito
“encore”… com um bis citando Manuela Margarido.
E
então, tudo – o Oká e as Ilhas – se funde na figura tutelar da MÃE. A mãe é o
mundo. Muito mais do que em Almada (mãe passa as tuas mãos pela minha
cabeça…ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado); mais do que
em Tenreiro (Mai! Entre nós: milhas! Entre nós: uma raça! Contudo este livro é
para ti…); e aqui em Olinda – (não mais te perderei nas margens do rio; havemos
de recuperar mãe…podemos abrigar nossos sonhos à sombra do velho ocá/ onde sei
que ficarão felizes os meus e os teus ossos…/o amor maior é o calor das tuas
mãos nas minhas).
Para Olinda Beja…Imensa é a ternura de nossos corações mestiços. Tal como mestiço é o coração de Tenreiro
– ele mesmo o patrono do prémio agora atribuído a Olinda. O trajeto de ambos –
desfasado no tempo, embora – tem algumas semelhanças, por exemplo a vinda muito
precoce para Portugal. E depois, o longo afastamento da terra natal – mais o de
Olinda Beja. Tenreiro não teve tempo – faleceu demasiado cedo. Pelo
contrário…Olinda tem vindo a consolidar uma relação mais profunda com a terra,
com as ilhas, com a mátria.
Talvez por isso a autora tenha conseguido assimilar melhor o
sabor, o gosto pela cajamanga e pelo untué – podem crer que não é assim tão
fácil – enquanto Tenreiro prefere colocar em poema a fruta pão e a banana pão.
Por outro lado, a maior
longevidade de Olinda – felizmente – apresenta-nos, não direi um dilema, mas
seguramente uma visão diferente da existência, com base numa famosa ave – o Ossóbô:
- enquanto Tenreiro apresenta o Ossóbô como um cântico de vida (deslumbramento
próprio de quem está de passagem, de quem não vive lá, embora sendo – ou então
um sentido mais positivo da vida, um momento de felicidade!):
O OSSOBÓ CANTOU
A cavalo do
vento
A chuva chegou.
A chuva chegou
E o ossobó
cantou.
Cantou o ossobó
Seu canto
molhado.
«Tchuva já vêo?
Já vêo si siô».
Já veio a chuva,
Deçu mum
E é um estoirar
de amor pelas grotas.
Té o ribeirão
seco como mulher vazia
Se abriu
gostosamente ao ribeirinho entumescente.
As águas lavam
carícias de mãos.
Sob a folhagem
amodorra a cobra preta
Enquanto o potro
e o menino do engenho
Brincam e correm
no terreiro os corpos molhados
Do canto bonito
do ossobó.
Já vêo a chuva?
Já vêo si siô.
Não vêo não siô.
Ah! Já vêo que
ossobó cantou!
A preta do meu
amor pariu,
Pariu, meu
Deus!, porque o ossobó cantou!
Olinda
prefere dizer que o Ossóbô chora, cumprindo o que ela chama de ritual de pranto
em nossas vidas. (TALVEZ uma certa amargura pelo tempo perdido – melhor dizendo
tardio – no regresso à terra e ao convívio com a mãe e com os outros familiares
de lá): - ou então, um toque de revolta pelos crimes ambientais – igualmente um
tema central da sua luta:
chora o ossobô. Chove na floresta
molhadas ficam suas penas, suas asas
o canto repetido é memória de jaqueira
folhas escondidas em recônditos troncos
não mais prantearás o deslizamento do Contador
breve passagem na floresta da existência
relento de incertezas na música efémera do teu canto
chora o ossobô. Ritual de pranto em nossas vidas
enquanto se orvalha o corpo ereto das jaqueiras
Tenho acompanhado um pouco o percurso de Olinda
Beja…
Bô
Tendê?, 15 dias de Regresso, No País do Tchiloli, A Ilha de Izunari, Água
Crioula, Pé-de-Perfume, Aromas de Cajamanga, Histórias da Gravana…Mas este À SOMBRA DO OKÁ, com ilustração de capa
de Teresa Bondoso, – e eu não sou muito adepto de comparações numa análise
exclusivamente literária / cada obra é uma obra, tem os seus momentos, a sua
ideia - este À Sombra do Oká, dizia…é provavelmente o melhor livro de Olinda.
Pelo menos aquele em que a autora
assume definitivamente a sua profunda ligação com a terra. Plasmou-se aqui
ontologicamente. De corpo e alma construiu como que um romance onde a narradora
apresenta as personagens principais num quadro digno de Pascoal Vilhete.
Assume toda a sua Sãotomensidão –
como ela gosta de dizer:
“E agora não haverá
mais sombras nos meus sonhos / ali ninguém mais se atreverá a negar-me o chão,
a negar-me a mátria”.
Finalizando…que a função já vai
longa, direi só mais isto:
Conhecendo
um pouco de Olinda Beja…estou mesmo a imaginar os seus gestos, dizendo ao Oká
que já está pronta, pode vir buscá-la.
E
remata:
Atravessa
o livro
atravessa o livro e desata o meu olhar
e o meu grito e a minha errância e a minha dor
estende-me teu tronco, teus ramos, tua sombra(…)
(…) longo é o rio, longo e pedregoso,
maior, muito maior… o mar…
*****
E é nele – Olinda Beja – no mar… que o som da ilha ficará ecoando, como diria
Tenreiro.
Dezembro
de 2016
António
Bondoso
Jornalista
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