DE
UM TÍTULO VERGONHOSO…À VERGONHA DE UM QUASE LEVANTAMENTO
DE RANCHO
Olá.
A
propósito da escravatura e de uma intervenção do Presidente Marcelo Rebelo de
Sousa, durante uma visita ao Senegal, houve por aí mosquitos por cordas no seio
da corporação dos Historiadores – a quem um deles chamou um dia manipuladores
do tempo – acusando o presidente de alinhar com a chamada excecionalidade
portuguesa. Utilizaram mesmo o termo vergonha ou vergonhoso. Mais uma vez em
causa o que os ditos classificam como mito do benigno colonialismo português,
consolidado durante o Estado Novo e varrido para debaixo do tapete depois de
Abril de 1974. Um dos subscritores da carta hoje publicada no DN diz até que,
na escola, nunca ouviu falar de escravatura. Mas eu estudei história e sabia,
independentemente de fazer ou não parte da cartilha. Além disso, não foi
fundamental licenciar-me em História ou em Antropologia para perceber os
contornos do processo esclavagista no qual Portugal participou ativamente.
Olá a quem estiver a ler este pequeno
texto. Nunca ouviram falar de escravatura? Egito, Roma, Grécia…diz-lhes alguma
coisa? Nunca leram ou nunca ouviram falar dos escravos africanos que os
colonizadores europeus traficaram para a Europa, para a América do Norte e para
o Brasil? Nunca ouviram falar de Lisboa cidade negra no séc. XVI? E já foram
visitar o Museu da escravatura em Lagos, no Algarve? Quem nunca ouviu falar do
tráfico de escravos e da participação portuguesa nesse processo ou quem nunca
ouviu falar do trabalho forçado nas ex-colónias portuguesas…levante o dedo!
Não
sei ao certo se as palavras do presidente Marcelo em Gorée, no Senegal, terão
sido retiradas do contexto do discurso e em que medida! Por isso, compreendo
que alguns intelectuais – em Portugal ou noutros países – se tenham sentido
tocados pelo choque de uma eventual imprecisão. O que disse Marcelo? "Recordei
que Portugal aboliu, pela mão do Marquês de Pombal, pela primeira vez, a
escravatura, numa parte do seu território em 1761 - embora só alargasse essa
abolição definitivamente no século XIX -, e que nesse momento, ao abolir,
aderiu a um ideal humanista que estava virado para o futuro".
Não é um facto que, em
1761, houve um decreto publicado? É. A lei não foi cumprida? Pelo que sempre se
soube…Não! E quantas leis não são ainda hoje objeto de incumprimento em
Portugal? Pouca gente liga ao que os académicos investigam e publicam? Na
presente conjuntura é aceitável. Temos 500 mil analfabetos e provavelmente 3
milhões que não percebem o que leem. Somando os efeitos das crises económica e
financeira, é natural que os portugueses tenham outras preocupações. Por
exemplo não passarem dificuldades, morrendo de fome ou por falta de
medicamentos.
Nada tenho de pessoal contra qualquer dos intelectuais que
assinaram a carta publicada no DN. Não os conhecendo pessoalmente, valorizo o
seu trabalho, claro, sabendo embora quão subjetiva pode ser a análise e a
interpretação dos documentos em arquivo. As verdades são de acordo com os olhos
de cada um. E depois, há essa ideia de Eduardo Galeano sobre os intelectuais,
que eu partilho de certa forma. Ele não se considerava um guru, nem um sábio,
nem tão pouco um intelectual pois – dizia – “os intelectuais são os que
divorciam a cabeça do corpo”. E a razão cria monstros, acrescentava. Por isso,
enfatizava, “há que raciocinar e sentir, há que pensar e sentir, pois quando a
razão se separa do coração, tudo começa a tremer”.
Vem tudo
isto a propósito de um texto da jornalista Fernanda Câncio, no Público, com um
título que eu percebo mas não aceito. É verdade que tem impacto – por isso “vende” – mas o texto não retira toda a
verdade às palavras de Marcelo. Por isso, a palavra vergonha…é, de facto,
vergonhosa. Marcelo fez a sua interpretação de um tempo histórico. Como fazem,
legitimamente, os subscritores da carta publicada no DN. Mesmo se um deles, num
texto à parte, confunde tráfico…com tráfego!
Já não
bastava o futebol…agora o nervosismo passou também para o campo dos
investigadores/historiadores. Apesar de tudo, diz um dos subscritores da carta
que Marcelo acabou por reabrir o debate sobre a matéria, o qual saiu do âmbito
académico para passar às redes sociais. Por mim não reabriu coisa alguma. Aqui
vos deixo excertos do que tive oportunidade de escrever já em 2005 em ESCRAVOS
DO PARAÍSO. Obrigado pela paciência.
António Bondoso
António Bondoso
Jornalista.
20 de Abril de 2017.
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